O governo federal publicou na última quarta-feira (11) uma Medida Provisória (MP) com uma ampla reforma na tributação dos investimentos no Brasil. A medida surge após polêmico aumento do IOF anunciado em maio — que sofreu forte resistência política e no mercado — e atinge desde aplicações em renda fixa e ações até criptoativos e fundos de investimento.
Tributação dos investimentos: o que muda?
O principal eixo da proposta é a unificação das alíquotas de Imposto de Renda sobre diversos tipos de investimentos financeiros, com vigência a partir de 1º de janeiro de 2026.
Atualmente, a tributação varia de acordo com o tipo de ativo e o prazo da aplicação (tabela regressiva). Com a nova MP, o governo busca simplificar o sistema e elevar a arrecadação.
As mudanças, porém, ainda dependem de aprovação do Congresso Nacional e podem ser alteradas no processo legislativo.
Confira os principais pontos da proposta:
1. Renda fixa: fim da tabela regressiva
Hoje, aplicações em renda fixa — como CDBs, Tesouro Direto e debêntures — seguem uma tabela regressiva de IR que vai de 22,5% (para aplicações de até 180 dias) a 15% (para investimentos mantidos por mais de 720 dias). Com a MP, essa tabela será substituída por uma alíquota única de 17,5%, independente do prazo de vencimento.
Essa mudança, segundo o governo, simplifica a estrutura e elimina distorções entre prazos de aplicação. No entanto, especialistas alertam que investidores de longo prazo — que hoje pagam 15% — acabarão penalizados, com redução na rentabilidade líquida.
“Hoje, a tributação prestigia o investidor que faz poupança, que não gasta seu dinheiro. A proposta apresentada hoje é que quem investe por um ano pague menos do que paga atualmente e quem poupa passe a pagar mais. Ou seja, o governo está tirando a vantagem de quem poupa. Infelizmente, estamos novamente pensando mais no curto prazo do que no longo prazo”, afirma Juliano Custodio, CEO da EQI Investimentos.
2. Fundos de renda fixa e multimercados: possível fim do “come-cotas”
Nos fundos de renda fixa e multimercados, a MP também fixa a alíquota em 17,5%. Hoje, esses fundos são tributados de forma regressiva e com o mecanismo do come-cotas, que antecipa semestralmente o recolhimento do IR. Ainda não há confirmação oficial sobre a extinção do come-cotas, mas há expectativa de mudanças.
3. Ações: nova faixa de isenção trimestral e alíquota única
Atualmente, lucros com ações são tributados em 15% para operações comuns e 20% para day trade, com isenção mensal de vendas até R$ 20 mil.
Com a MP:
- A isenção passará a ser trimestral, para vendas de até R$ 60 mil no período.
- Lucros acima desse teto pagarão IR de 17,5% em qualquer tipo de operação.
- O day trade também passa a ter a alíquota unificada de 17,5%.
- Além disso, haverá aumento de 15% para 20% do IR de Juros sobre Capital Próprio (JCP).
4. Criptomoedas: fim da isenção para pequenos valores
Hoje, lucros com criptoativos são isentos até o limite de R$ 35 mil mensais. A nova regra elimina essa isenção e estabelece alíquota de 17,5% para qualquer ganho de capital com ativos digitais, incluindo tokens de renda fixa. Em compensação, autoriza o abatimento de perdas, como já ocorre em ações.
5. FIIs e Fiagros: fim da isenção de dividendos
Hoje, dividendos pagos por Fundos Imobiliários (FIIs) e Fundos do Agronegócio (Fiagros) são isentos de IR, desde que os fundos cumpram determinados requisitos (como ter mais de 50 cotistas e negociação em bolsa).
A MP estabelece:
- Tributação de 5% sobre os dividendos pagos a partir de 2026.
- A alíquota sobre ganho de capital na venda de cotas de FIIs e Fiagros será reduzida de 20% para 17,5%
- CRIs e CRAs mantidos dentro dos fundos de papel continuam isentos – não haverá bitributação.
6. Fundos de infraestrutura: sinalização ainda imprecisa
Atualmente, os FI-Infra são duplamente isentos: não pagam IR sobre dividendos nem sobre ganhos de capital na venda de cotas. A MP sugere que passarão a seguir a mesma regra geral dos demais ativos incentivados: alíquota de 5% sobre dividendos e ganhos de capital. No entanto, o texto não traz total clareza, e o tema pode ser debatido no Congresso.
7. Títulos isentos: LCI, LCA, CRI, CRA, CPR, LCD, LIG, debêntures incentivadas
O governo também propõe o fim da isenção sobre diversos títulos hoje incentivados, instituindo uma alíquota de 5% de IR a partir de 2026. A lista inclui:
- LCI (Letras de Crédito Imobiliário)
- LCA (Letras de Crédito do Agronegócio)
- LH (Letras Hipotecárias)
- CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários)
- CRA (Certificados de Recebíveis do Agronegócio)
- CPR (Cédulas de Produto Rural)
- CDA, WA, CDCA
- LIG (Letras Imobiliárias Garantidas)
- LCD (Letras de Crédito do Desenvolvimento)
- Debêntures incentivadas
- Títulos de projetos de infraestrutura
Motivação fiscal
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a medida busca corrigir distorções que dificultam o financiamento da dívida pública. Segundo o governo, as isenções atuais representam uma renúncia fiscal de aproximadamente R$ 41 bilhões por ano.
O governo também argumenta que o tratamento tributário diferenciado para títulos incentivados acaba deslocando recursos do Tesouro Nacional para ativos privados com benefícios fiscais, pressionando o custo da dívida pública.
Contexto: alternativa ao recuo do IOF
A nova MP foi negociada após o recuo parcial do governo no aumento do IOF anunciado no fim de maio, que elevava a tributação sobre operações de crédito, câmbio e cartões internacionais. A forte reação negativa do mercado e do Congresso levou o Planalto a buscar outra forma de compensação fiscal.
A proposta de reforma na tributação dos investimentos surgiu de uma reunião realizada no último domingo (8), na casa do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), com a participação do ministro Haddad e de líderes partidários.
Próximos passos
Como toda Medida Provisória, o texto tem vigência imediata, mas precisa ser aprovado pelo Congresso em até 120 dias. Caso contrário, perde validade.
O governo aposta que a simplificação das alíquotas e a ampliação da base tributária possam garantir um aumento de arrecadação mais previsível e menos suscetível a críticas do que a elevação do IOF.
No entanto, analistas preveem resistência de setores do mercado financeiro e de parte do Congresso, especialmente pela quebra da isenção de produtos amplamente utilizados por investidores de varejo e de alta renda.
“O que vemos é um governo perdido, desorganizado, que está atirando para todos os lados, tentando atingir seus objetivos arrecadatórios”, avalia Thiago Freire, analista de produtos da EQI Investimentos. “Hoje somos nós, investidores, poupadores, empresários, novamente, que pagamos o ‘pato’”, complementa.
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