A partir de 2026, profissionais autônomos e empresários que hoje distribuem lucros diretamente para a pessoa física terão de conviver com uma nova realidade tributária no Brasil.
O Projeto de Lei nº 1.087/2025, que integra o pacote da reforma tributária sobre a renda e deve ser sancionado ainda esta semana pelo presidente após ser aprovado no Congresso, prevê que dividendos pagos ou creditados por uma empresa a pessoas físicas estarão sujeitos à retenção na fonte de 10%, afetando diretamente quem recebe acima de R$ 50 mil por mês em distribuição de lucros.
O novo cenário encerra um período de quase três décadas de isenção sobre dividendos, tornando mais complexas as estratégias de planejamento patrimonial e tributário. Nesse contexto, a holding familiar — instrumento amplamente utilizado por profissionais liberais, empresários e investidores — volta ao centro das discussões. A dúvida que surge é: vale a pena criar ou manter uma holding para proteger patrimônio e reduzir tributos sob as novas regras?
Profissionais autônomos: o que muda com a reforma tributária?
Segundo o texto em análise no Congresso, os lucros e dividendos distribuídos a partir de 1º de janeiro de 2026 serão tributados na fonte, com alíquota mínima de 10%. Essa retenção incide sobre valores pagos, creditados ou entregues por uma mesma pessoa jurídica a pessoas físicas residentes no Brasil ou no exterior.
Na prática, explica Cintia Meyer, advogada tributarista e sócia do Martinelli Advogados, “para aqueles que distribuírem valores mensais acima de R$ 50 mil, haverá um desconto automático de 10% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF). Ou seja, um efeito direto de pelo menos R$ 5 mil a menos por mês no valor líquido recebido”.
Além disso, a especialista lembra que, ao final do ano, quem ultrapassar R$ 600 mil em rendimentos totais (somando salários, dividendos, aluguéis e aplicações financeiras) será submetido ao Imposto de Renda Mínimo (IRPFM), cuja alíquota cresce gradualmente até chegar a 10% sobre o total.

Holding familiar: ferramenta útil, mas com cautela
Historicamente, a holding é uma estrutura jurídica criada para centralizar participações societárias, organizar sucessões familiares e proteger o patrimônio. No entanto, com a tributação sobre dividendos, parte de suas vantagens tributárias será revista.
É importante entender que a holding não é sinônimo de economia fiscal, como ressalta Cintia Meyer. “Ela continua sendo essencial para o planejamento sucessório e gestão patrimonial, mas o ganho tributário pode diminuir para empresas menores, que não consolidam seus balanços conforme a lei das sociedades anônimas.”
Em outras palavras, as holdings de pequeno porte, muito usadas por profissionais liberais — como médicos, advogados, engenheiros e consultores — podem ser penalizadas se não cumprirem as exigências contábeis formais. Isso porque, segundo o PL 1.087/2025, apenas as empresas que consolidam seus balanços terão direito ao redutor que evita a incidência integral da nova alíquota de 34%.
Estratégias em xeque
Uma das práticas comuns no mercado — distribuir parte dos lucros para a holding e outra parte diretamente para a pessoa física — também perde força com a nova legislação.
“Essa estratégia só continuará vantajosa se as empresas envolvidas consolidarem seus balanços”, explica Meyer. Caso contrário, a holding isoladamente terá alíquota efetiva zero, o que inviabiliza o benefício do redutor tributário.
Para profissionais autônomos com alta renda, algumas alternativas continuam possíveis. “A adoção de uma contabilidade estruturada conforme os CPCs (Comitês de Pronunciamentos Contábeis) e a reserva de usufruto dos direitos financeiros podem preservar parte dos benefícios. Nessa configuração, o dividendo é devido diretamente à pessoa física, mesmo que a holding seja a sócia”, afirma a advogada.
Risco de autuação e o olhar da Receita Federal
Com a digitalização do controle fiscal, a Receita Federal tem aprimorado mecanismos para identificar planejamentos considerados abusivos.
“Pagamentos de despesas pessoais por meio da holding, por exemplo, são vistos como abuso de forma jurídica”, alerta Meyer. Essas operações configuram distribuição disfarçada de lucros e, portanto, estarão sujeitas à retenção de IRRF conforme o novo projeto de lei.
Ela lembra ainda que o órgão vem ampliando a fiscalização eletrônica e automatizada, cruzando dados de pessoas físicas e jurídicas para detectar inconsistências.
Outras estruturas além da holding
A holding não é a única via para mitigar o impacto tributário. “Há opções sofisticadas e legais, como fundos exclusivos, previdência privada, títulos incentivados e offshores regulares, que podem transferir a remuneração do sócio da forma de dividendos para a forma de rendimentos financeiros”, explica Meyer.
Essas alternativas, segundo ela, devem ser analisadas caso a caso, considerando o perfil do profissional e a natureza de seus rendimentos.
O custo-benefício e o timing da reestruturação
Manter uma holding não é necessariamente caro. O custo maior, diz Cintia Meyer, está em manter uma contabilidade robusta e aderente às normas técnicas.
“Com pequenos ajustes, as vantagens podem continuar. Mas é essencial recalcular a alíquota efetiva global (holding + empresa operadora) e evitar que o lucro seja arbitrado pela Receita, o que pode elevar a carga tributária”, orienta.
Ela recomenda que a análise comece ainda em 2025, antes da entrada em vigor das novas regras.
“Os passos imediatos são: revisar a estrutura societária, simular o impacto das novas alíquotas, e — se for o caso — implementar uma holding ou outro instrumento patrimonial até o fim do ano. Depois de 1º de janeiro de 2026, algumas medidas poderão se tornar irreversíveis.”
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O que esperar daqui para frente
Apesar das incertezas, o consenso entre os especialistas é que a holding permanece uma ferramenta estratégica, desde que utilizada com propósito real de gestão, sucessão e governança.
“O risco não está na holding em si, mas em usá-la apenas como meio de economia tributária”, conclui Cintia Meyer. “Quando bem estruturada, dentro da lei, ela continua sendo um instrumento valioso. Mas, a partir de 2026, o planejamento deverá ser técnico, transparente e embasado — não mais um atalho para reduzir imposto.”
Ou seja, para profissionais autônomos com renda superior a R$ 50 mil por mês, a constituição de uma holding familiar ainda pode ser vantajosa — mas não automaticamente. O novo cenário tributário exige uma análise global da carga fiscal, da forma de distribuição dos lucros e da função econômica real da empresa. Mais do que nunca, 2025 será o ano de repensar estratégias e colocar o planejamento patrimonial em dia.
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