O anúncio de tarifa de 50% sobre produtos brasileiros feito pelo presidente norte-americano Donald Trump caiu como uma bomba no mercado financeiro brasileiro. Desde 9 de julho, data do envio da carta ao Brasil, os investidores estrangeiros já haviam retirado cerca de R$ 6 bilhões da bolsa brasileira. O tema dominou a live promovida pela EQI Research na quarta-feira (23), com os analistas de ações Felipe Paletta e João Zanott, que discutiram os impactos do “tarifaço” sobre empresas, setores e estratégias de investimento — além das repercussões políticas para 2026.
Tarifaço de Trump: de 10% para 50%: o que mudou?
Em abril, no que ficou conhecido como o Liberation Day, Trump anunciou tarifa de 10% sobre produtos brasileiros, uma das menores aplicadas globalmente. Já em 9 de julho, a tarifa foi revista para 50%. Segundo os analistas, a surpresa não foi a revisão da tarifa em si, mas o tamanho do aumento.
“Em abril, o Brasil havia sido relativamente poupado, com uma tarifa de apenas 10%, em comparação com outros países”, lembrou Zanott. “Agora, o Brasil acabou recebendo a tarifa mais elevada entre os parceiros comerciais afetados”, pontua.
Paletta destacou que a medida tem um claro viés político. “Não faz sentido econômico. O Brasil não é superavitário na relação com os EUA; nós importamos mais do que exportamos”, afirmou. Ele vê a decisão como uma tentativa de barganha e de reforçar a imagem protecionista de Trump.
Reação do mercado: dólar, juros e empresas pressionadas
A resposta dos mercados foi rápida. O dólar subiu, os juros futuros dispararam e a bolsa entrou em correção. Empresas mais expostas ao mercado norte-americano ou mais sensíveis a câmbio e a juros — como exportadoras e setores de commodities — foram especialmente afetadas.
Em contrapartida, o anúncio da criação da maior usina hidrelétrica do mundo na China trouxe alívio temporário às metalúrgicas brasileiras, que têm se beneficiado desse novo polo de demanda.
Até aqui, a notícia é que o Brasil não vai retaliar a tarifação, recorrendo à reciprocidade, o que é positivo, segundo os analistas. “É um fator de alívio, já que os produtos importados dos EUA têm valor agregado muito mais alto”, explicou Paletta.
Efeitos sobre a bolsa: correção ou mudança de tendência?
Até maio, a bolsa brasileira vinha em trajetória ascendente, com alta acumulada próxima de 20%, e com small caps subindo mais de 25%. Mas, segundo os analistas, uma correção já estava no radar — e o tarifaço apenas acelerou esse processo.
“Antes da tarifa, já havia sinais claros de que a bolsa precisava de ajustes setoriais. Não é o fim da linha para a renda variável, mas o investidor precisa ser mais seletivo e ter cautela”, alertou Zanott.
Paletta reforçou que momentos como o atual reforçam a importância da diversificação, também com ativos internacionais em moeda forte. “Não é hora de pânico, é hora de reavaliar as alocações.”
O “trade Tarcísio” perdeu força?
Um dos temas mais quentes da live foi o impacto do tarifaço no chamado “trade Tarcísio” — a aposta de parte do mercado em uma alternância de poder nas eleições presidenciais de 2026, com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, como nome forte da direita.
Para Paletta, o timing da carta de Trump atrapalhou a leitura de mudança política em curso.
“A tarifação pode ser vista negativamente pelo eleitor médio, o que reverte um pouco essa narrativa.”
Zanott ponderou, no entanto, que a eleição ainda está em aberto.
“A popularidade do atual presidente vinha em queda, mas agora há um repique. Mas ainda falta mais de um ano, e não temos um candidato formal da oposição.”
Ambos concordam que, estruturalmente, o “trade Tarcísio” ainda não está precificado pelo mercado — e que os movimentos recentes de alta na bolsa tiveram mais relação com fatores globais do que com política doméstica.
“O fluxo está sendo influenciado por realocações internacionais, e não exclusivamente pelo cenário interno”, disse Paletta.
Carteiras recomendadas: impactos e ajustes
Mesmo com o cenário turbulento, a EQI Research vê impactos limitados sobre suas carteiras recomendadas. Na carteira Buy and Hold, que contém as ações recomendadas para manter no longo prazo, os papéis mais afetados pela tarifa de 50% são Petrobras e Cosan, enquanto empresas como Itaúsa, Eletrobras, Equatorial, Porto, Prio, Alos e Grupo Matheus devem sentir menos os efeitos. Já Gerdau e JBS podem até se beneficiar.
Na carteira de dividendos, com seleção de ações boas pagadoras de proventos, o impacto também é baixo, com destaque negativo apenas para Petrobras. Itaúsa, Copel, Klabin, Bradesco e BB Seguridade aparecem como os nomes mais resilientes.
Temporada de resultados: o que esperar?
Para além das tarifas, a temporada de balanços do segundo trimestre de 2025 começa a ganhar tração tanto nos EUA quanto no Brasil, e também impactam a bolsa.
“É a hora de olhar a saúde real das empresas e ver como elas estão lidando com esse novo cenário”, comentou Zanott.
Nos EUA, cerca de 12% das companhias do S&P 500 já divulgaram seus resultados, e mais de 80% superaram as expectativas. No Brasil, Weg e Neoenergia abriram a temporada, que deve se intensificar nas próximas semanas.
As expectativas são de crescimento modesto: 3% em receita e 5% em lucro nos EUA; 6% e 7%, respectivamente, para o Ibovespa.
O que o investidor deve fazer agora?
A nova tarifa imposta por Trump aumentou a volatilidade e acendeu alertas no mercado brasileiro, mas os analistas da EQI acreditam que o impacto, embora real, é gerenciável.
O investidor, segundo eles, deve manter cautela, diversificar investimentos e olhar com atenção os fundamentos das empresas, especialmente durante a temporada de balanços. Quanto à política, o jogo de 2026 está apenas começando — e os próximos meses prometem ser decisivos para entender se o “trade Tarcísio” voltará a ganhar tração.