A gestora Kinea publicou na quarta-feira (22) um relatório intitulado “Os mistérios de Chinatech”, no qual recorre a uma analogia cinematográfica para explicar o atual momento das empresas de tecnologia chinesas. Inspirada em Chinatown (1974), filme de Roman Polanski sobre corrupção e segredos na Los Angeles dos anos 1930, a análise compara o enredo sombrio do longa ao percurso recente do setor de tecnologia da China — marcado por declínio, reviravoltas e uma nova fase de otimismo.
“Durante anos, Chinatech parecia uma caixa-preta intransponível”, diz o texto, citando os efeitos da repressão regulatória, da desaceleração econômica e da guerra comercial com os Estados Unidos. Agora, segundo a gestora, “o que parecia ruína começou a revelar tesouros escondidos sob a superfície”, com os índices de tecnologia chinesa subindo mais de 30% em dólar em 2025.
Empresas de tecnologia chinesas: do colapso ao renascimento
O relatório relembra que o setor foi duramente afetado nos últimos anos, especialmente com o aperto regulatório iniciado em 2020 sob a bandeira da “Prosperidade Comum”. O caso de Jack Ma e o cancelamento do IPO do Ant Group são citados como símbolos desse período, quando o índice China Internet (KWEB ETF) chegou a perder 80% de seu valor.
Entretanto, 2025 marcou uma virada. O ponto de inflexão, segundo a Kinea, veio com o surgimento da startup DeepSeek, que lançou um modelo de inteligência artificial (IA) de código aberto com desempenho comparável aos melhores modelos ocidentais. A inovação reacendeu o interesse por empresas locais e impulsionou uma das maiores acelerações tecnológicas recentes na China.
A combinação entre apoio estatal, metas industriais claras e uma sociedade receptiva à adoção tecnológica — de pagamentos digitais a veículos elétricos — criou o ambiente ideal para que a nova onda de IA prosperasse rapidamente.
Alibaba e Tencent: reviravolta na trama
Entre as protagonistas dessa retomada estão Alibaba e Tencent, que, à semelhança das gigantes americanas, vêm se beneficiando do crescimento dos serviços de nuvem e da incorporação de IA em seus ecossistemas.
A divisão de cloud da Alibaba, por exemplo, cresceu 26% no último trimestre em relação ao ano anterior. A empresa também desenvolve o Qwen, seu próprio modelo de inteligência artificial, já embarcado em dispositivos da Xiaomi e em aplicações corporativas como o varejo de luxo da LVMH.
A Tencent, por sua vez, integrou o modelo da DeepSeek ao WeChat, o “superapp” usado por mais de um bilhão de pessoas, elevando o engajamento e fortalecendo receitas de anúncios, jogos e serviços digitais.
O retorno de Jack Ma ao comando da Alibaba, participando de reuniões estratégicas sobre IA e e-commerce, foi interpretado pelo mercado como um sinal de que o governo chinês está flexibilizando o controle sobre o setor — um alívio bem-vindo após anos de incerteza.

E-commerce: o lado sombrio do enredo
Apesar do otimismo, a Kinea alerta que o e-commerce chinês vive uma fase de maturidade e competição intensa. Com mais de 35% das vendas do varejo já realizadas online, o setor enfrenta margens em queda e uma guerra de preços entre gigantes como Alibaba, JD e Meituan.
A Meituan, apontada como a principal força disruptiva do comércio digital chinês, viu sua participação de mercado cair cerca de 10 pontos percentuais entre 2024 e 2025, com lucros comprimidos.
Essa dinâmica leva a gestora a adotar uma postura mais cautelosa com relação à Alibaba, cuja dependência do varejo online ainda é alta. “Preferimos Tencent no momento”, afirma o relatório, destacando sua exposição mais equilibrada entre gaming, serviços digitais e IA.

Novos horizontes: Xiaomi, robótica e semicondutores
Fora do núcleo tradicional do e-commerce, a Kinea identifica novas avenidas de crescimento no ecossistema de tecnologia chinês — especialmente em robótica, semicondutores e veículos elétricos.
A Xiaomi é apontada como um exemplo de adaptação e velocidade de execução: em menos de três anos, passou do anúncio ao lançamento de seu primeiro carro elétrico, o SU7, produzido com altíssimo grau de automação — um veículo a cada 76 segundos.
O relatório ressalta que a China já responde por mais da metade das novas instalações de robôs industriais no mundo, superando 300 mil unidades anuais. Esse avanço marca o que a gestora chama de “revolução industrial silenciosa” do país, que deixou de apenas fabricar produtos de baixo valor agregado para produzir tecnologia de ponta.
A estratégia da Kinea: cautela e foco em IA
A gestora revela preferência por Tencent e Xiaomi, que estão mais expostas a vetores de crescimento ligados à IA, cloud e inovação física, e menos dependentes do e-commerce tradicional.
Já a Alibaba é vista como uma aposta promissora, mas com riscos de curto prazo devido à saturação do varejo online. A Kinea também demonstra cautela com o índice China Internet (KWEB ETF), por sua elevada concentração em subsegmentos maduros e margens comprimidas.
No radar de longo prazo, estão áreas como semicondutores, robótica e veículos autônomos — setores em que o país deve consolidar sua posição estratégica global.
O final em aberto
Segundo a Kinea, a valorização de cerca de 35% das ações de internet chinesas em 2025 reflete tanto o entusiasmo com a inteligência artificial quanto a percepção de que os ativos seguem baratos — negociando a cerca de 12 vezes o lucro, contra 22 vezes no S&P 500.
Mas o relatório encerra em tom de suspense, como no filme que o inspira: “Investir em tecnologia chinesa é como vagar por Chinatown à noite — é preciso navegar por becos obscuros de regulação, mas quem decifra os sinais pode encontrar tesouros escondidos.”
A gestora lembra que, assim como Polanski decidiu o final de Chinatown apenas durante as filmagens, a história de Chinatech ainda está sendo escrita. “Há incertezas, mas também oportunidades únicas”, conclui o texto.
“Você pode achar que sabe com o que está lidando, mas acredite em mim — não sabe.”
A frase que abre o relatório também sintetiza a visão da Kinea: no labirinto de Chinatech, a paciência e a investigação cuidadosa podem ser as chaves para um desfecho lucrativo.
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