O trust representa uma das estruturas mais sofisticadas e eficazes para proteção patrimonial e planejamento sucessório no cenário internacional, constituindo um arranjo jurídico tripartite onde uma pessoa (settlor) transfere seus bens para serem administrados por um terceiro de confiança (trustee) em benefício de beneficiários específicos.
Com origem na Inglaterra medieval durante as Cruzadas dos séculos XI e XII, quando proprietários de terras confiavam suas propriedades a cavaleiros nomeados pelo rei durante suas ausências, essa ferramenta jurídica evoluiu ao longo dos séculos, desenvolvendo-se especialmente em países de tradição anglo-saxônica e sendo posteriormente reconhecida internacionalmente através da Convenção de Haia de 1985.
A palavra “trust”, que deriva do inglês e significa “confiança” ou “segurança”, define perfeitamente a essência desta estrutura que oferece flexibilidade, proteção e eficiência tributária.
No Brasil, embora o instituto não faça parte do ordenamento jurídico nacional, trusts validamente constituídos no exterior são reconhecidos e aceitos, tendo ganhado destaque especialmente após a regulamentação tributária estabelecida pela Lei 14.754/23, publicada em dezembro de 2023, que marcou um importante marco regulatório para brasileiros que utilizam trusts internacionais, tornando-se uma opção atrativa para famílias com patrimônio significativo, empresários e investidores que buscam otimizar a transmissão de seus bens às futuras gerações.
Estrutura e funcionamento do Trust
O funcionamento de um trust depende da interação entre três figuras essenciais, cada uma com responsabilidades específicas e bem definidas.
- O settlor é o criador e financiador inicial do trust, responsável por definir todas as regras e diretrizes que nortearão a gestão patrimonial. Durante a constituição, deve detalhar minuciosamente suas intenções, estabelecendo critérios para distribuição de recursos, condições para acesso dos beneficiários e limites para atuação do administrador. Esta fase inicial é crucial, pois determinará como o patrimônio será gerido durante toda a existência da estrutura.
- O trustee, que pode ser pessoa física ou jurídica, assume a propriedade legal dos bens e a responsabilidade por sua administração. Suas funções incluem a gestão dos investimentos, diversificação do patrimônio conforme as diretrizes estabelecidas, prestação de contas periódica e distribuição de recursos aos beneficiários. O trustee deve agir sempre no melhor interesse dos beneficiários, seguindo rigorosamente as instruções deixadas pelo settlor.
Os beneficiários são as pessoas ou entidades que usufruirão dos bens ou rendimentos do trust. Podem ser beneficiários imediatos, que recebem distribuições regulares, ou futuros, que terão acesso ao patrimônio em datas ou condições específicas. A flexibilidade na definição dos beneficiários permite adaptações às necessidades familiares e objetivos de longo prazo.
- Além dos participantes obrigatórios, muitos trusts incluem um protector, cuja função é supervisionar a atuação do trustee e assegurar que a administração esteja alinhada com os objetivos originais do settlor. O protector pode ter poderes de veto sobre certas decisões, aprovar mudanças de investimento ou até mesmo substituir o trustee caso necessário. Esta figura adicional proporciona maior segurança e controle, especialmente importante em estruturas de longo prazo.
Letter of Wishes
A letter of wishes (carta de desejos) é um documento complementar opcional que permite ao settlor fornecer orientações adicionais e mais detalhadas sobre suas intenções. Funciona como um manual de instruções que complementa o documento formal de constituição, podendo incluir preferências sobre distribuições, condições especiais para beneficiários ou interpretações de situações específicas.
Por exemplo, se um trust foi criado para custear a educação dos filhos no exterior, a carta de desejos pode especificar se cursos de idiomas de curta duração estão incluídos ou se o benefício se restringe à graduação universitária. Este documento oferece flexibilidade interpretativa sem alterar a estrutura formal do trust.
Quais são os tipos de Trust?
Confira as diferenças entre o Trust Revogável e o Trust Irrevogável.
Trust Revogável
O trust revogável oferece máxima flexibilidade ao settlor, que mantém o direito de alterar, modificar ou extinguir completamente a estrutura durante sua vida. Neste formato, o criador preserva controle significativo sobre os bens transferidos, podendo reaver o patrimônio a qualquer momento.
Quando o settlor falece, o trust revogável tipicamente se transforma em irrevogável, continuando a operar conforme as diretrizes originais. Alternativamente, pode ser extinto, com o patrimônio sendo distribuído diretamente aos beneficiários. A primeira opção é mais comum, pois preserva o propósito original de gestão patrimonial de longo prazo.
A flexibilidade do trust revogável tem custos: os bens permanecem considerados propriedade do settlor para fins fiscais e sucessórios, oferecendo proteção limitada contra credores ou processos judiciais. No entanto, ainda proporciona benefícios organizacionais e facilita o planejamento sucessório.
Trust Irrevogável
No trust irrevogável, o settlor renuncia permanentemente à propriedade dos bens transferidos, não podendo alterar ou revogar a estrutura após sua constituição. Esta irreversibilidade oferece vantagens significativas em termos de proteção patrimonial e eficiência fiscal.
Como os bens não pertencem mais ao settlor, ficam protegidos de eventuais ações judiciais, execuções ou problemas financeiros pessoais. Para fins sucessórios, o patrimônio do trust não integra o inventário do settlor, facilitando a transmissão aos beneficiários e potencialmente reduzindo custos e tempo do processo sucessório.
A escolha entre trust revogável e irrevogável depende dos objetivos específicos: se a prioridade é flexibilidade e controle, o revogável é preferível. Se proteção patrimonial e eficiência fiscal são fundamentais, o irrevogável oferece maiores vantagens. Muitos planejadores patrimoniais recomendam uma combinação de ambos os tipos para otimizar benefícios.
Modalidades e poderes de gestão
Os poderes de gestão do trustee podem ser estruturados de forma discricionária ou não discricionária, dependendo do nível de autonomia que o settlor deseja conceder ao administrador.
Na gestão discricionária, o trustee possui amplos poderes para tomar decisões sobre investimentos, distribuições e alocação de recursos. Pode determinar quando, quanto e como cada beneficiário receberá, adaptando-se a circunstâncias imprevistas ou mudanças nas necessidades dos beneficiários. Esta flexibilidade é valiosa em estruturas de longo prazo, mas requer confiança absoluta no trustee.
A gestão não discricionária estabelece limites claros e detalhados para a atuação do administrador. O settlor define precisamente como os recursos devem ser investidos, critérios para distribuições e condições específicas para cada beneficiário. Este formato oferece maior controle, mas pode ser menos adaptável a mudanças imprevistas.
A complexidade das diretrizes de gestão impacta diretamente os custos da estrutura. Quanto mais detalhadas e restritivas as regras, maior será a sofisticação necessária do trustee e, consequentemente, maiores serão as taxas de administração.
Extinção x revogação de um Trust
A extinção de um trust pode ocorrer por diversos motivos, sendo importante distinguir este conceito da revogação. Enquanto a revogação depende da vontade do settlor (apenas em trusts revogáveis), a extinção pode acontecer por iniciativa do trustee, cumprimento do propósito original ou outras circunstâncias previstas no documento de constituição.
Quando um trustee deseja se desligar da administração e não há sucessor designado, o trust pode ser extinto. Para prevenir esta situação, muitas estruturas incluem cláusulas específicas colocando o settlor como beneficiário prioritário em caso de extinção, permitindo que ele reconstitua a estrutura com novo administrador ou distribua diretamente o patrimônio aos beneficiários finais.
Tributação do Trust no Brasil
A Lei 14.754/23 estabeleceu o marco regulatório brasileiro para tributação de trusts, criando regras específicas para estruturas constituídas por residentes fiscais brasileiros. O resultado anual do trust é tributado em 15%, mesmo que os recursos permaneçam no exterior, seguindo as mesmas regras aplicáveis aos fundos exclusivos.
O recolhimento ocorre antecipadamente, com base nos rendimentos anuais apurados, independentemente de distribuição efetiva aos beneficiários. Esta sistemática elimina a possibilidade de diferimento fiscal indefinido, alinhando a tributação brasileira com práticas internacionais.
A mudança de titularidade dos bens do trust para os beneficiários ocorre apenas no momento da distribuição efetiva ou do falecimento do settlor, prevalecendo a primeira situação. Até esse momento, a titularidade formal permanece com o settlor para fins de declaração no Brasil, devendo informar o patrimônio pelo custo de aquisição original.
Impostos incidentes na transmissão
Quando a transferência de bens do trust para beneficiários ocorre em vida do settlor, é caracterizada como doação, incidindo o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) conforme legislação do estado brasileiro competente. Se a transmissão acontece após o falecimento, caracteriza-se herança, também sujeita ao ITCMD.
As alíquotas do ITCMD variam por estado, geralmente entre 4% e 8% do valor dos bens transmitidos. Esta tributação adiciona custos ao planejamento sucessório, devendo ser considerada na análise de viabilidade da estrutura.
Comparação: Trust x Offshore
Embora tanto trusts quanto offshores sejam estruturas internacionais de gestão patrimonial, possuem características e propósitos distintos que devem ser compreendidos para escolha adequada.
O trust opera através de relacionamento contratual entre settlor, trustee e beneficiários, focando especificamente na proteção patrimonial e facilitação da transmissão sucessória. É estrutura mais simples, com custos menores de constituição e manutenção, adequada principalmente para objetivos de planejamento familiar e sucessório.
A offshore é pessoa jurídica constituída no exterior, com estrutura societária mais complexa. Além da gestão patrimonial, permite operações comerciais entre empresas de diferentes países, investimentos empresariais e maior flexibilidade para atividades econômicas diversificadas.
Critérios de escolha: Trusts x Offshore
A escolha entre trust e offshore depende fundamentalmente dos objetivos específicos do titular do patrimônio. Se o foco é exclusivamente proteger bens e facilitar transmissão sucessória, o trust oferece solução mais simples e econômica.
Para objetivos mais amplos, incluindo operações comerciais internacionais, estruturas societárias complexas ou atividades empresariais no exterior, a offshore proporciona maior flexibilidade operacional, justificando seus custos mais elevados.
Muitos planejamentos patrimoniais sofisticados combinam ambas as estruturas de forma complementar, utilizando trusts para patrimônio familiar e sucessório, enquanto offshores atendem necessidades empresariais e comerciais.
Para quem o Trust é recomendado?
O trust é especialmente recomendado para investidores com patrimônio significativo no exterior, tipicamente superior a US$ 500 mil, que justifique os custos de constituição e manutenção da estrutura. Famílias com múltiplas gerações e necessidades complexas de planejamento sucessório encontram no trust flexibilidade adequada para seus objetivos.
Empresários e profissionais expostos a riscos patrimoniais elevados, como médicos, engenheiros ou executivos, beneficiam-se da proteção oferecida pelo trust irrevogável. A estrutura proporciona blindagem patrimonial contra processos judiciais, protegendo o patrimônio familiar independentemente de problemas profissionais.
Investidores com beneficiários menores de idade ou com necessidades especiais encontram no trust ferramenta valiosa para assegurar gestão profissional dos recursos até que os beneficiários tenham condições de assumir a administração direta.
Objetivos atendidos
O trust atende diversos objetivos patrimoniais específicos. Para planejamento sucessório, elimina necessidade de inventário tradicional, reduzindo custos, tempo e conflitos familiares. A transmissão patrimonial segue regras pré-estabelecidas pelo settlor, proporcionando segurança e previsibilidade aos herdeiros.
Na proteção patrimonial, especialmente no formato irrevogável, o trust oferece blindagem efetiva contra credores e processos judiciais. Os bens transferidos não integram o patrimônio pessoal do settlor, ficando protegidos de contingências futuras.
Para diversificação internacional, o trust facilita investimentos em mercados externos, proporcionando acesso a oportunidades não disponíveis no Brasil. A gestão profissional permite otimização da alocação de ativos considerando condições globais de mercado.
Considerações específicas
A recomendação do trust deve considerar aspectos individuais de cada investidor. Famílias com patrimônio em múltiplas jurisdições beneficiam-se da unificação da gestão através de estrutura internacional reconhecida.
Investidores com objetivos filantrópicos encontram no trust flexibilidade para estruturar doações e atividades caritativas de longo prazo, combinando benefícios fiscais com impacto social planejado.
A complexidade familiar, incluindo casamentos múltiplos, filhos de diferentes relacionamentos ou beneficiários com necessidades específicas, pode ser adequadamente endereçada através das regras personalizadas do trust.
Aspectos regulatórios e compliance
Investidores brasileiros que constituem trusts no exterior devem cumprir rigorosamente as obrigações declaratórias estabelecidas pela legislação nacional. Na Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física, o trust deve ser informado na ficha “Bens e Direitos”, com detalhamento completo da estrutura, valor dos bens e rendimentos anuais.
O Banco Central do Brasil também exige informações sobre a constituição e movimentação de recursos para trusts internacionais através do sistema de informações sobre operações cambiais. O descumprimento dessas obrigações pode resultar em penalidades significativas e questionamentos fiscais.
A transparência é fundamental para manutenção da legalidade da estrutura. Todos os recursos utilizados para constituição do trust devem ter origem lícita e comprovada, com pagamento adequado dos impostos devidos no Brasil.
Escolha da jurisdição
A seleção da jurisdição para constituição do trust é decisão estratégica que impacta significativamente a eficiência e os benefícios da estrutura. Países com tradição em common law, como Ilhas Cayman, Bahamas, Ilhas Virgens Britânicas e Singapura, oferecem frameworks jurídicos maduros e reconhecidos internacionalmente.
Fatores como estabilidade política, sistema jurídico confiável, acordos de bitributação com o Brasil, custos operacionais e reputação internacional devem ser cuidadosamente avaliados. Jurisdições com regulamentação excessivamente permissiva podem gerar questionamentos futuros de autoridades fiscais brasileiras.
A assistência de profissionais especializados em direito internacional e planejamento patrimonial é essencial para navegação adequada dos aspectos regulatórios e otimização dos benefícios fiscais e sucessórios da estrutura.
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