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Rebaixamento da nota de crédito dos EUA: impacto real ou barulho de manchete?

Rebaixamento da nota de crédito dos EUA: impacto real ou barulho de manchete?

O rebaixamento da nota de crédito dos Estados Unidos, de AAA para AA1, reacendeu discussões sobre sustentabilidade fiscal e riscos no maior mercado financeiro do mundo. A justificativa da agência é clara: uma combinação da dívida pública crescente com o aumento expressivo do custo para carregar essa dívida, diante de juros elevados e da dificuldade política em implementar cortes de impostos e controle de gastos.

Vale lembrar que rolar dívida com juros próximos de zero é uma coisa; fazer isso com juros na casa dos 4,5% é uma realidade completamente diferente. E esse é justamente o ponto que começa a ganhar mais peso nas discussões.

A reação dos mercados foi, como esperado, marcada por certa tensão, com queda nos futuros dos índices de ações e alta nos futuros de juros. Porém, apesar do barulho, o movimento não parece alarmante a ponto de gerar uma mudança estrutural no comportamento dos investidores, e há razões sólidas para isso.

Primeiro, uma venda em massa dos títulos do Tesouro americano é altamente improvável. Esse é o maior e mais líquido mercado de renda fixa do planeta, com profundidade e segurança que atraem bancos centrais, fundos soberanos e investidores institucionais no mundo inteiro. Essa liquidez é, por si só, uma âncora de estabilidade. Portanto, imaginar uma fuga generalizada desse mercado simplesmente não parece fazer sentido dentro do cenário atual.

Nota de crédito dos EUA: país segue na categoria grau de investimento

Em segundo lugar, é importante contextualizar que a nota AA1 ainda está muito longe de ser considerada um grau especulativo. Muitos fundos institucionais possuem regras rígidas de alocação baseadas em ratings, mas essa mudança não tira os EUA da categoria de grau de investimento. Um rebaixamento para grau especulativo, sim, poderia gerar impacto drástico, mas não é o que está acontecendo.

Por fim, e talvez o mais relevante, é que a capacidade dos Estados Unidos de honrar sua dívida continua absolutamente intacta. Isso se deve, sobretudo, à posição do dólar como moeda de reserva global, à profundidade e resiliência do mercado de capitais americano e à própria riqueza acumulada das famílias e empresas norte-americanas. É uma combinação de fundamentos que simplesmente não encontra paralelo no restante do mundo.

Esse movimento também levanta, naturalmente, uma discussão sobre se o rebaixamento poderia ser um gatilho para uma mudança relevante na política fiscal dos EUA. A resposta, no entanto, é que isso parece improvável.

O problema fiscal americano é, assim como em grande parte das economias desenvolvidas, estrutural, não conjuntural. E o ambiente político moderno impõe grandes desafios a qualquer tentativa de ajuste mais severo.

Governos, em boa medida, tornaram-se prisioneiros das expectativas sociais. A sociedade demanda mais serviços públicos, benefícios, transferências e investimentos, e qualquer movimento no sentido contrário — seja corte de gastos, revisão de benefícios ou reformas estruturais — gera reações sociais intensas, com altíssimo custo político.

Além disso, após a crise de 2008, o mundo se habituou a um cenário de juros muito baixos e abundância de liquidez, o que permitiu que os países postergassem ajustes estruturais. Esse ciclo mudou a partir de 2022, com a elevação das taxas de juros globais, o que tornou o custo da dívida significativamente mais pesado. Mesmo assim, a inércia política segue sendo a maior barreira para qualquer mudança relevante. Afinal, o grande dilema é que o custo político de um ajuste fiscal é imediato, enquanto seus benefícios são difusos, dispersos e se materializam apenas no médio e longo prazo — muito além dos ciclos eleitorais.

Curiosamente, enquanto o rebaixamento domina as manchetes, os investidores em ações parecem mais preocupados com outras variáveis, como as tensões comerciais e geopolíticas.

Em outras palavras, a mudança na nota de crédito dos EUA tem cara de “risco de manchete”: gera barulho, chama a atenção, mas não necessariamente é um gatilho para mudar, no curto prazo, o cenário estrutural.

Quais os caminhos para o investidor?

Diante desse contexto, quais são os caminhos para os investidores? Na renda fixa, faz todo sentido buscar fontes de renda durável e previsível, especialmente em títulos de prazos médios e de alta qualidade. Na renda variável, o caminho parece ser o da seletividade e da estratégia: entrar aos poucos, privilegiando setores resilientes como tecnologia, saúde, e também temas estruturais como inteligência artificial. Na gestão de risco, ativos como ouro, fundos de hedge e estratégias descorrelacionadas seguem sendo importantes como proteção contra eventuais choques de mercado.

Em resumo, sim, estamos diante de uma manchete de impacto. Mas, na prática, o mercado americano segue resiliente e os investidores parecem, neste momento, muito mais atentos a outros fatores que realmente movem os mercados. O episódio ajuda a ilustrar, de forma muito clara, o contraste entre a leitura técnica das agências de rating e a realidade prática dos mercados, onde a posição única da dívida americana e do dólar como moeda global continua sustentando todo o sistema.

No fim, o mais fascinante é observar como se dá essa dança permanente entre a percepção de risco fiscal, a mecânica dos mercados e o comportamento dos investidores.

Por fim, fica uma reflexão importante: se os déficits americanos seguirem elevados, até que ponto o Federal Reserve poderá ser chamado a intervir mais ativamente no mercado de títulos? E, se isso acontecer, como isso pode, no limite, redesenhar o equilíbrio global, a dinâmica dos mercados e até a posição do dólar no longo prazo? A mudança na nota é, sim, relevante. Mas o verdadeiro debate — e os verdadeiros riscos e oportunidades — vai muito além dela.