O mercado de criptomoedas segue dividindo opiniões no universo dos grandes investidores. Enquanto entusiastas celebram cada nova adoção institucional, especialistas em gestão de patrimônio mantêm cautela diante de um ativo que promete revolucionar o sistema financeiro, mas ainda apresenta características incompatíveis com estratégias de preservação patrimonial.
Para Elias Wigger, assessor de investimentos especializado em clientes de alta renda na EQI Investimentos, a crescente adoção de criptoativos por países como El Salvador e Butão reflete mais curiosidade institucional do que um movimento estrutural consolidado.
“Ainda me parece algo que soma as duas coisas: um pouco da questão de algum modismo, mas também uma certa curiosidade no sentido de entender melhor os funcionamentos e principalmente a dinâmica de mercado dessas moedas”, avalia Wigger.
O especialista destaca que, embora a tecnologia blockchain já esteja consolidada como validador de instrumentos financeiros, os criptoativos em si dependem ainda de “iniciativas pontuais de alguns agentes econômicos e alguns países”, não configurando um movimento verdadeiramente estrutural.
Contrariando narrativas otimistas do setor, Wigger observa que o número de grandes investidores com exposição significativa a Bitcoin e outras criptomoedas “é absolutamente ínfimo”. Na prática, estes ativos competem com outras alternativas como fundos de private equity, contratos futuros e derivativos na categoria de investimentos alternativos.
“99% das carteiras dos investidores de grande poder aquisitivo que nos procuram é para proteção patrimonial e diminuição de volatilidade – justamente o que a gente ainda não observa nas criptomoedas”, explica o assessor.
A barreira da volatilidade
O principal obstáculo para maior adoção institucional permanece sendo a volatilidade extrema dos criptoativos. A possibilidade de transformar R$ 100 mil em R$ 300 mil ou em R$ 30 mil em questão de horas é exatamente o oposto do que busca um investidor focado em perenidade de capital.
“Isso é tudo que, em geral, o investidor mais longo prazista, que está pensando em perenidade de capital, não deseja”, enfatiza Wigger.
Acesso institucional: segurança em primeiro lugar
Quando investidores institucionais decidem ter exposição a criptoativos, a preferência recai sobre veículos regulamentados como ETFs e fundos de investimento, em vez da compra direta dos ativos.
“A maior parte dos investidores institucionais tem preferido fazer isso através de uma camada adicional de segurança”, observa o especialista. “O cliente quer saber com quem ele briga, na porta de quem ele bate.”
O paradoxo regulatório
A regulação representa um dos maiores paradoxos do mercado de criptomoedas. Enquanto marcos regulatórios poderiam atrair investidores institucionais em busca de segurança jurídica, eles vão de encontro à filosofia original dos criptoativos de descentralização e independência de autoridades monetárias.
Wigger traça um paralelo histórico: “A moeda que era a moeda de referência de Roma, o denário, foi amplamente utilizada porque era assegurada pela institucionalidade romana. As pessoas querem segurança, elas querem ter certeza de que aquela moeda tem lastro.”
O investidor brasileiro está preparado?
Segundo a avaliação do especialista, o perfil do grande investidor brasileiro não está mais preparado para criptomoedas do que para o próprio mercado de ações. Em um país historicamente marcado por alta inflação, juros elevados e instabilidade monetária, prevalece uma mentalidade especulativa sobre estratégias de longo prazo.
“Em geral, no Brasil, a visão longo prazista é casuisticamente substituída por um movimento especulativo”, analisa Wigger. “A gente não vê o investidor médio olhando para um ativo como um ativo fiduciário, pensando no longo prazo.”
Leia também:
Recomendações para Family Offices
Para family offices e investidores institucionais que consideram exposição a criptoativos, Wigger sugere extrema cautela. A recomendação é limitar a exposição a no máximo 1% a 2% do patrimônio, sempre através de veículos institucionais regulamentados.
“Dado todas as características que eu mencionei, me parece que ainda faz mais sentido, ao invés de ter esses ativos diretos, você fazer isso através de algum veículo institucional, um fundo, um ETF, em valores muito pequenos”, aconselha.
O futuro dos ativos digitais
Apesar do ceticismo em relação aos criptoativos atuais, Wigger acredita que “o criptoativo que vai realmente revolucionar a forma como a gente lida com dinheiro ainda está para surgir”, provavelmente baseado na tecnologia blockchain mas com lastro institucional ou nacional.
“Eu entendo que provavelmente vai passar pela tecnologia do blockchain. Essa, para mim, hoje é meio ponto pacífico”, conclui o especialista.
O debate entre hype e realidade no mercado de criptomoedas para grandes investidores parece longe de uma resolução definitiva. Enquanto a tecnologia subjacente ganha aceitação, os ativos em si ainda precisam superar barreiras fundamentais de volatilidade e institucionalidade para conquistar de fato o interesse dos gestores de grandes patrimônios.
Leia a entrevista com Elias Wigger na íntegra:
Em relação ao aumento observado na adoção institucional de alguns criptoativos, vemos países que se destacaram nesse movimento, como El Salvador e o Butão. A China chegou a proibir essas moedas, mas mantém conversas reiteradas sobre o lançamento de uma moeda digital própria do Estado.
Ainda me parece algo que soma as duas coisas: um pouco da questão do modismo, mas também uma curiosidade genuína no sentido de entender melhor os funcionamentos e principalmente a dinâmica de mercado dessas moedas. Isso está alinhado com a visão de que, no futuro, algo muito similar ao que acontece hoje nos criptoativos deve ser implementado.
Acredito que uma das tecnologias que veio para ficar neste mundo pós-pandemia é o blockchain, que hoje já é mais aceito como validador de uma série de outros instrumentos. O blockchain já está consolidado, e há um entendimento pacificado de que ele vai determinar ou alterar algumas relações de comércio e mercados.
Mas particularmente em relação aos criptoativos – que são um dos produtos obtidos a partir da tecnologia blockchain –, vejo um misto de curiosidade de entendimento e também um pouco de modismo. Não vejo ainda como um movimento estrutural, porque ele depende mais de iniciativas pontuais de alguns agentes econômicos e países.
Para ser estrutural, seria necessário um estímulo global, com discussões mais amplas em fóruns mundiais. Hoje, até o nível de liquidez desses mercados fica difícil de ser mensurado. Sabemos que há muito dinheiro circulando nas criptos, como foi possível notar no último acontecimento que envolveu a tentativa de hackers de transformar reservas do Banco Central em criptomoedas.
Existe muito dinheiro que circula nas criptos, e os países não sabem exatamente como evitar esse tipo de situação. Isso faz parte do próprio processo e da filosofia por trás dos criptoativos: serem descentralizados. Creio que existe também uma necessidade dessas nações entenderem as dinâmicas de mercado dos criptoativos e, por isso, vários têm aceitado mais essas transações econômicas. Mas ainda me parece mais pontual.
Na atual conjuntura, mesmo considerando o planejamento estratégico de finanças para grandes investidores – que em geral estão preocupados com o processo sucessório –, o que observamos é que é absolutamente ínfimo o número de grandes investidores que investem em Bitcoin. Eventualmente, existem grandes investidores, investidores institucionais e famílias que têm predileção porque gostam particularmente do ativo e mantêm carteiras robustas em criptoativos, mas não é um movimento institucional consolidado. Vejo ainda como muito pequeno.
Os criptoativos entram numa classe de alternativos que competem com fundos de private equity, fundos fechados, ouro, contratos futuros, hedge e derivativos – fazem parte dos ativos alternativos. Não é um movimento consolidado que traria argumentos sólidos para justificar a entrada de criptoativos. Eles entram dentro de uma análise mais ampla de ativos alternativos que pretendem capturar movimentos de mercado ou movimentos exógenos.
Nesse caso, seria uma exposição a um ativo com grande potencial de rentabilidade. Porém, a característica de 99% das carteiras dos investidores de grande poder aquisitivo que nos procuram é proteção patrimonial e diminuição de volatilidade – justamente o que ainda não observamos nas criptomoedas, porque os criptoativos ainda são extremamente voláteis e não trazem necessariamente a noção de perpetuidade daquele valor ou capital.
Não entenderia como barreira, mas sim como risco. O principal deles é a volatilidade. A grande volatilidade que vemos ainda nos criptoativos tem várias motivações, sendo uma delas principalmente o fato de não haver muita institucionalidade – ainda não são muitas pessoas que aceitam esses ativos.
O principal problema é a possibilidade de transformar R$ 100 mil em R$ 300 mil ou também em R$ 30 mil em questão de poucas horas ou dias. Isso é tudo que, em geral, o investidor de longo prazo, que pensa em perenidade de capital, não deseja. A principal questão é essa insegurança que está refletida na volatilidade do ativo.
Para mim, essa é a principal barreira que dificulta muito a adoção de exposições significativas. Porque qualquer exposição pequena, se cair tudo ou subir muito, não terá grande impacto. Então, para exposições realmente capazes de sensibilizar a carteira, a principal barreira me parece ser realmente a volatilidade.
A maior parte dos investidores institucionais tem preferido fazer isso através de uma camada adicional de segurança, que é a constituição de ETFs ou fundos – instrumentos e veículos de aplicação regulamentados. Embora as criptos de fato não sejam regulamentadas, o veículo é.
O cliente quer saber com quem pode reclamar, na porta de quem pode bater. Se é um fundo registrado, por exemplo, no Brasil na Anbima, ele tem a quem acionar.
Hoje, seguramente, quase a totalidade desses investidores institucionais tem feito isso através de instrumentos como fundos ou ETFs.
Embora haja alguma melhora na direção de tornar o mercado mais crypto-friendly, ainda falta essa questão do lastro institucional. Não é um movimento estrutural. Enquanto isso não acontece, ainda acaba sendo muito especulativo, muito baseado nos entusiastas do mercado e nas dinâmicas de especulação: vai subir, compra; vai cair, vende. Institucionalmente, esses movimentos ocorrem de forma diferente.
Essa especulação toda acaba mais atrapalhando, gerando um atraso ou uma dificuldade maior em consolidar esse movimento.
Aqui sempre ficamos entre a cruz e a espada, porque os defensores mais ferrenhos do anarcocapitalismo e do liberalismo defendem uma moeda independente que não fique à mercê das determinações de política monetária de uma autoridade ou governo. Faz parte da filosofia dessa quebra de protocolos, que foi o que levou o Bitcoin e os criptoativos de modo geral a se tornarem objetos de desejo, especulação e alta valorização.
Mas exatamente o oposto disso é que impede a grande migração. É justamente o fato de não ter uma regulação, uma centralização, alguma autoridade onde se possa reclamar, algo que vemos nas autoridades monetárias. Historicamente, isso é bastante comum nas sociedades. Mesmo na história antiga, a moeda de referência de Roma, o denário, foi amplamente utilizada mesmo em países que não a tinham como principal moeda de referência, mas porque era muito aceita e assegurada pela institucionalidade romana.
Como Roma fornecia segurança física para as nações conquistadas ou submetidas ao seu poder, isso gerava confiabilidade para quem utilizava aquela moeda, que se tornou a principal moeda de referência em todos os territórios sob domínio romano.
Isso é uma clara evidência de que as pessoas querem segurança, querem ter certeza de que aquela moeda tem lastro e pode ser aceita e trocada por alguma coisa. Como isso ainda não existe no Bitcoin e nas criptomoedas, existe realmente um movimento no sentido de melhorar a regulação, mas ela vai de encontro à própria filosofia do ativo. Você fica nessa dualidade que é difícil de equacionar.
A mentalidade do grande investidor brasileiro está tão pronta para o mercado de cripto quanto está para o mercado de ações. E faço essa brincadeira porque acredito que o brasileiro nem mesmo para o mercado de ações está 100% pronto, nem entre os grandes investidores.
Em geral, no Brasil, a visão de longo prazo é casualmente substituída por um movimento especulativo. Em um país com juros estruturalmente muito altos, inflação alta, uma moeda que se desvaloriza muito em relação a outros pares globais e uma economia de ciclos muito severos, que viveu uma enormidade de planos econômicos que destituíram moedas e colocaram outras que não davam confiabilidade para o sistema monetário como um todo, vemos isso refletido nas ações e no movimento especulativo.
Aqui no Brasil não vemos em geral o investidor médio – e quando digo médio, incluo os grandes investidores – olhando para uma ação de uma empresa como um ativo fiduciário, pensando no longo prazo. Ele eventualmente até menciona isso, mas isso é facilmente substituído por uma reação momentânea a um cenário de cisne negro, onde todos fazem um sell-off.
Evidentemente vemos isso em outros mercados, inclusive mercados desenvolvidos como Estados Unidos e Europa, mas com intensidade menor. Lá, esses sell-offs ou grandes compras de ativos acontecem em momentos mais raros, realmente envolvendo situações de cisne negro ou oportunidades pontuais. Aqui acontecem por especulação sobre uma fala de presidente, uma taxação de classe de ativo, o processo eleitoral, a possibilidade de vitória do candidato A ou B, dependendo da dinâmica que o mercado entende que seja necessária implementar.
É difícil. Na média, o investidor brasileiro ainda não entendeu como deveria comprar ações. Talvez justamente pela característica do brasileiro de ter dificuldade em ser um buy and holder, de segurar e não se preocupar em entender que aquela ação é uma empresa bem gerida que vai entregar lucro no longo prazo.
Como têm dificuldade com isso e geram movimentos de mercado mais especulativos, contribuem também para que nossas ações sejam naturalmente mais voláteis. Portanto, na média, não acho que esteja pronto. Isso se aplica integralmente, na minha visão, à criptomoeda.
Quem mais investe em criptomoeda hoje, além de um clube de grandes entusiastas, é o especulador que faz aquela conta tradicional: “subiu 3 mil por cento em quatro meses, olha quanto deixei de ganhar.” Talvez nem capturasse aquilo – com 100% de ganho já teria vendido.
Vejo gente que não conhece muito de criptomoeda investindo em criptomoeda. Não acho que o brasileiro, de modo geral, está preparado ou estudando para isso. O investidor médio não, e o grande investidor tem outras preocupações.
Para terminar, acredito que sim, dependendo do perfil desse investidor ou de um family office que atende um perfil mais arrojado de cliente. Faz sentido, dentro da categoria de investimentos alternativos, ter alguma exposição a criptomoedas. Mas, dadas todas as características que mencionei, me parece que ainda faz mais sentido, ao invés de ter esses ativos diretos, fazer isso através de algum veículo institucional – um fundo, um ETF – em valores muito pequenos.
Pela própria dinâmica ainda muito especulativa do ativo, não entendo que o cliente tenha que ter mais do que 1% ou 2% do patrimônio em ativos dessa classe. Mas isso vai depender de pessoa para pessoa. Acho que institucionalmente ainda falta muito lastro. Então, dentro do conceito mais amplo de planejamento financeiro, acaba nos dando menor previsibilidade.
Aquela questão que envolve tanto a perpetuidade – passar esse patrimônio para as futuras gerações, fazer toda uma organização sucessória – pode ser completamente comprometida se você tiver uma exposição muito grande a um ativo tão volátil como criptomoeda. Teria bastante cuidado no nível de exposição.
Para não ficar em cima do muro, de fato na atual conjuntura não sou um grande entusiasta das criptomoedas. Nem para mim, como pessoa física, por enquanto não tenho investimentos nessa área.
Minha visão particular é que provavelmente o criptoativo que vai realmente revolucionar a forma como lidamos com dinheiro ainda está para surgir. Se ele vai ser muito parecido com o Bitcoin, não sei dizer, mas me parece que ele vai ter um lastro, seja institucional, seja de uma nação. Vai passar pela tecnologia do blockchain, que para mim, como disse no início, hoje é ponto pacífico.
O blockchain já é utilizado para validação de assinaturas digitais, como acontece com os cartórios. Talvez em algum momento no futuro não tão distante já não tenhamos mais cartórios, e isso possa ser feito de forma digitalizada utilizando a mesma tecnologia.
Num país como o Brasil, vejo muita gente séria, que estuda o mercado, não investindo em Bitcoin. Também vejo gente que investe, mas coloca pouco. E vejo que quem investe bastante normalmente não tem muito conhecimento, está indo na manada, e isso me preocupa ainda mais.
Como planejador financeiro e pelas conversas que tenho com colegas que atuam diretamente na alocação de portfólio, sei que a absoluta maioria – mais de 90% do mercado – não tem colocado criptoativos porque considera um ativo ainda muito intempestivo, com falta de materialidade e institucionalidade, extremamente especulativo e com volatilidade muito grande. Isso é tudo que, em geral, um gestor de portfólio de grandes contas e wealth planning não gosta de ter.