O início da superturnê da cantora norte-americana Taylor Swift nos Estados Unidos, em março, mostrou que os fãs estavam dispostos a fazer de tudo para terem a chance de ouvir suas canções favoritas ao vivo. Além da grande busca por ingressos para uma das mais de 50 datas da The Eras Tour, a demanda em excesso chegou a criar uma “economia paralela”. Agora, com Taylor Swift no Brasil, qual deve ser o impacto no país?
Nos EUA, cerca de 14 milhões de pessoas se reuniram no site da Ticketmaster na esperança de conseguir ingressos, sendo que a maioria não teve sucesso. Aqui no Brasil, a história se repetiu: em cerca de meia hora de vendas abertas, não havia mais ingressos disponíveis. O caso chegou a gerar milhares de queixas contra a T4F ($SHOW3), notificação do Procon, pedido de investigação de uma deputada ao Ministério Público e Projeto de Lei.
Além da grande demanda por ingressos, os fãs frequentaram estacionamentos para ouvir os shows, compraram ingressos de sites de revenda, e até fizeram com que ações de entretenimento disparassem ao redor do mundo. E há registros disso no Livro Bege do Federal Reserve, o banco central norte-americano, em 12 de julho. Na época, a turnê de Taylor foi citada pelo impacto econômico na cadeia de turismo.
Em São Paulo, a SPTuris projeta uma injeção de R$ 128 milhões em favor da economia da cidade somente pelos turistas no fim de semana dos shows. Acompanhe.
Taylor Swift no Brasil: o céu é o limite?
A cantora realiza a primeira turnê em solo brasileiro, com seis datas de shows esgotadas — as três primeiras no Rio de Janeiro, e as três últimas em São Paulo.
Devido ao calor excessivo devido a fenômeno climático e à morte de uma fã no primeiro show do Rio de Janeiro, o segundo show da artista foi reagendado para esta segunda-feira (20) – assunto que teve ampla repercussão nas redes sociais, com muitos internautas acusando a T4F por não liberar a entrada de garrafas e copos d’água no estádio, mesmo com a sensação térmica de 60 graus que chegou a fazer no primeiro show no Engenhão do Rio de Janeiro.
Mesmo com os contratempos, o evento segue amplamente aguardado pelos fãs de Swift, que tem quase 20 anos de carreira. A cantora veio brevemente ao Brasil em 2012, para promover seu quarto álbum de estúdio, “Red”, em um pocket show exclusivo para convidados.
Em 2019, a Lover Fest, que seria a sexta turnê da artista, foi anunciada e teve dois shows cotados em São Paulo. Em 2020, todas as datas foram canceladas devido à pandemia de covid-19.
Agora, em um contexto pós-pandemia e com uma demanda extremamente reprimida, uma Taylor Swift ainda mais famosa volta ao país.
João Figueiredo, economista e coordenador da Pós-graduação em Economia Criativa da ESPM, explica a forte relação entre os artistas mais escutados nas plataformas de streaming e os shows mais demandados. Isso porque o mundo da música passou por toda uma transformação com o surgimento do streaming: “Esses artistas mais tocados nas plataformas não costumam ser pagos pelas reproduções com um valor considerado justo. Com isso, se dedicam mais aos shows – é a grande fonte de receita para eles. A partir disso, o show vira um produto efetivamente único, que não tem substituição”, diz.
Outro ponto muito presente no universo do entretenimento, e que Taylor Swift faz muito bem, é o desenvolvimento de uma relação muito próxima com os fãs, o que faz com que seu show seja muito demandado, gerando filas enormes, a criação de um mercado paralelo e pessoas pagando fortunas pelo ingresso.
Um estudo de Alan Krueger, economista e ex-assessor dos exs-presidentes Bill Clinton e Barack Obama, aponta que 60% do faturamento do mercado de shows está concentrado em 1% dos artistas. Certamente, Taylor Swift faz parte desta parcela.
Desde o segundo trimestre de 2023, a T4F vem reportando resultados com o impacto dos shows de Taylor Swift sobre seus números. No período, a companhia responsável pelas vendas dos ingressos da The Eras Tour reportou lucro líquido de R$ 16,3 milhões, com alta de 89% na base anual. O 2TRI23 foi influenciado positivamente por um valor mais alto de contas a receber, com a concentração de vendas de ingressos para a cantora no cartão de crédito em junho.
As vendas para as apresentações de Swift no Brasil tiveram início em 6 de junho, com mais de 5 meses de antecedência – algo que permitiu o planejamento dos fãs, que vieram de todo o país.
A Accor (AC), responsável por cadeias como Ibis, Mercure, Adagio e Novotel no Brasil, já vinha observando durante todo o segundo semestre uma demanda crescente e um aumento na antecedência das reservas em comparação com o mesmo período de 2022, em decorrência dos grandes eventos de entretenimento no país.
Guilherme Marques, diretor de Revenue Management & Distribuição da Accor Américas, informou que a companhia registrou um aumento de receita das reservas já confirmadas de mais de 128% no Rio de Janeiro e de 60% em São Paulo, nos finais de semana dos shows de Swift, em comparação ao mesmo período de 2022.
“Eventos como shows internacionais promovem uma interconexão entre as indústrias do entretenimento e hotelaria, que tem funcionado como um catalisador nos resultados dos hotéis da Accor”, comentou o diretor.
Segundo a Decolar, a busca por hospedagem na cidade de São Paulo cresceu 180% entre 1° de novembro e 11 de dezembro, com a chegada de shows internacionais no final do ano, em relação ao mesmo período de 2022. Os maiores emissores de turistas para a capital paulista são de Salvador, Porto Alegre e Recife.
Ao portal, a SPTuris informou que considerando a capacidade do Allianz Parque para shows – variação de 50 mil a 60 mil pessoas dependendo do tipo de montagem –, a expectativa é que as apresentações de Taylor Swift recebam pelo menos 30% do público vindo do interior paulista, outros estados e países: ou seja, cerca de 50 mil turistas. A expectativa se baseia no perfil do público dos eventos de entretenimento que normalmente vêm para a cidade.
Levando em conta o gasto médio per capta de R$ 2.563,00 (média de eventos similares), a projeção é de uma injeção de R$ 128 milhões em favor da economia da cidade somente pelos turistas. Somado o gasto médio dos próprios moradores da cidade ou da grande São Paulo, o número sobe para R$ 240 milhões. Esta simulação não considera os gastos em montagem, locação do estádio, os salários, a captação das imagens, os ingressos e outros custos estruturais do evento.
Os impactos indiretos abarcam toda a movimentação econômica gerada na cadeia produtiva do evento, inclusive, a ocupação hoteleira. Os hotéis próximos ao Allianz Parque, bairros de Perdizes e Sumaré principalmente, estão 100% ocupados, informou a SPTuris.
O portal EuQueroInvestir entrou em contato com a Secretaria de Turismo do Rio de Janeiro, que não retornou.
Economia paralela
Com os ingressos rapidamente esgotados, os fãs de Taylor Swift passaram a procurar o mercado secundário de vendas de ingressos. Com as revendas, a maioria dos vendedores externos consegue obter lucros exorbitantes sobre as entradas que foram originalmente adquiridas.
Em uma plataforma de revenda de ingressos, os passes do setor cadeira inferior para um dos shows em São Paulo chegam a custar até R$ 3.712. Nas vendas pela T4F, os ingressos para o setor custavam R$ 750 (inteira) ou R$ 375 (meia-entrada).
“Diferentemente do streaming, o show reforça a sensação de escassez. O show tem uma demanda específica pelo número de eventos e pela lotação da casa. A ideia de escassez, fundamental na economia, é a base aqui: tudo o que é escasso é muito mais valorizado”, reforça o professor da ESPM.
“Quando o fã não consegue ter acesso ao ingresso formal, busca outros caminhos – e muitas vezes está disposto a pagar muito por isso. Taylor Swift tem uma relação com os fãs muito bem construída, o que gera outros comportamentos: os fãs se vestem de acordo com a estética dos álbuns; compram miçangas e trocam pulseiras nos shows, o que gera todo um impacto no comércio local para além do evento, que já é grande por si.”
Léo Morel, professor de MBAs da FGV, complementa dizendo que artistas de grande popularidade no público infanto-juvenil costumam motivar essas economias paralelas por conta do alto nível de engajamento e grande propensão a gastar dinheiro com produtos e serviços relacionados. “O caso de Taylor Swift é peculiar, pois desde 2018 a artista não se apresenta ao vivo.”
Um show da The Eras Tour poderia ser facilmente comparado a um desfile. Os milhares de fãs que lotaram os estádios dos EUA chegavam com roupas típicas, semelhantes a um dos 10 álbuns de estúdio de Taylor Swift, usando diversas pulseiras de miçangas nos braços, com um “13” desenhado nas mãos – o número da sorte da cantora. Tudo isso representa a cultura criada pela artista, compartilhada pelos fãs, ao longo dos 17 anos de carreira.
“No caso de Taylor Swift, há um comportamento de consumo que não está apenas associado à ida ao show, mas à construção de uma identidade entre os fãs”, observa o professor João Figueiredo. A prática, na visão do especialista, se torna uma ótima oportunidade para o benefício do comércio, que certamente se prepara para o evento.
“Isso não acontece em qualquer evento, ainda que os grandes shows ou festivais promovam uma oferta maior naturalmente, especialmente pelo fluxo turístico. O que acontece neste caso não é algo trivial: é algo provocado pela relação de extrema proximidade com os fãs ao longo de anos”, conclui.
A professora de Marketing da FAAP, Carla Abdalla, explica que essa relação vem da grande identificação das gerações Y e Z com Taylor Swift, que se intensifica com a oportunidade de participar de sua primeira turnê pela América Latina. “Ainda temos o momento pós-pandemia, em um momento de guerra e com a economia mundial em crise. A tendência é que o consumidor busque o consumo escapista, de coisas leves e alegres, que trazem um momento de diversão sem pensar em problemas mais sérios.”