Desde o lançamento do primeiro teaser do filme, a Barbie não sai da boca do povo. Mas poucos conhecem a história de Ruth Handler, a mulher por trás da boneca mais famosa do mundo.
O longa de Greta Gerwig ultrapassou US$1 bilhão nas bilheterias globais em apenas 17 dias de lançamento – o que tornou Barbie o lançamento mais rápido da Warner Bros. (e o oitavo nos 100 anos de história do estúdio) a entrar para o clube de US$1 bilhão. Antes, esse recorde pertencia a “Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2” (19 dias).
Não se contentando com apenas isso, o longa da boneca superou o filme “Batman: O Cavaleiro das Trevas” (2008) e se tornou o filme da Warner com maior bilheteria nos EUA.
Além disso, Barbie tornou Gerwig a primeira cineasta solo feminina a ter um filme de bilhões de dólares.

Em uma cena do filme, durante a aventura de Barbie (interpretada por Margot Robbie) pelos escritórios da Mattel (MAT), a personagem entra em uma sala com um design dos anos 50 e fica cara a cara com uma mulher misteriosa. Antes de descobrirmos o nome dessa mulher, a Barbie tem que correr – mas mais tarde, em um momento crucial, vem a revelação.
No final do filme, os funcionários da Mattel finalmente se encontram com Barbie após passarem o filme inteiro perseguindo-a. E com eles está a mulher que Barbie conheceu naquela sala – Ruth Handler (interpretada por Rhea Perlman), a sua criadora.
No filme, Ruth conta a Barbie que ela criou a Barbie para sua filha, passou por uma mastectomia dupla e teve problemas fiscais com o IRS (Internal Revenue Service). E tudo realmente aconteceu.
Então, vamos descobrir quem é Ruth Handler e como a boneca mais conhecida do mundo veio a ser criada.
Ruth antes da Barbie
Ruth Marianna Mosko nasceu em uma família de imigrantes judeus-poloneses em Denver, Colorado, em 4 de novembro de 1916. Ela era a mais jovem de 10 filhos.
O pai de Ruth, Jacob Mosko, era ferreiro e sua mãe, Ida Mosko, chegou aos Estados Unidos na seção de terceira classe de um navio a vapor. A saúde da mãe de Ruth era frágil, então foi criada por sua irmã mais velha, Sarah, desde os seis meses de idade.
Foi na farmácia da irmã que Ruth desenvolveu seu entusiasmo pelos negócios, tendo crescido em uma família em que a ideia de mulheres trabalhando fora de casa não era incomum.
Em 1938, ela se casou com seu namorado do ensino médio, Elliot Handler, e eles se mudaram para Los Angeles.
Os parceiros no casamento também se tornaram parceiros nos negócios. Depois que seu marido decidiu fazer seus móveis com dois novos plásticos, Lucite e Plexiglas, Ruth sugeriu que ele transformasse a fabricação de móveis em um negócio – fazendo e vendendo itens como tigelas, molduras e relógios de sua garagem na Califórnia.
Sempre atenta para oportunidades, ela atuou como a força de vendas, fechando um grande acordo com a Douglas Aircraft Company, entre outros.
Em 1945, o casal co-fundou uma empresa de brinquedos com o designer industrial Harold “Matt” Matson. Embora Ruth não estivesse representada no nome Mattel Creations (uma combinação de “Matt” de Mattson + “El” de Elliot), ela atuou como a primeira presidente da empresa e permaneceu na posição por quase 30 anos.
Nos finais de semana em casa durante os deveres de guerra no Campo Robert, Califórnia, Elliot fabricava móveis de brinquedo para Ruth vender. Alguns anos depois, a empresa estaria obtendo receitas de $2 milhões ($33,9 milhões em dólares de 2023).
De acordo com o New York Times, ela foi em grande parte responsável pela decisão da Mattel em 1955 de gastar US$500.000 – quase todo o valor líquido da empresa na época – em anúncios do Mickey Mouse Club, um risco de marketing que impulsionou a empresa para o sucesso nacional.
A Mattel presidiu uma febre de ukuleles de plástico, vendeu pianos de brinquedo e lançou uma caixa de música que vendeu 20 milhões de unidades até 1952.
O casal teve dois filhos, Barbara e Kenneth. Seus filhos mais tarde se tornaram inspiração para as icônicas bonecas Barbie e Ken.
Como Ruth Handler criou a Barbie
Ao crescer, a filha de Handler, Barbara, brincava com bonecas de papel com suas amigas. Ruth ficava fascinada pela maneira como elas imaginavam as bonecas como versões mais velhas delas mesmas. Em sua autobiografia, “Dream Doll: The Ruth Handler Story”, Handler descreve o momento crucial. “Descobri algo muito importante. Elas estavam usando essas bonecas para projetar seus sonhos de seus futuros como mulheres adultas”, disse ela.
E daí surgiu a ideia: “Não seria ótimo se pudéssemos pegar esse padrão de brincadeira e tridimensionalizá-lo?”
Handler pensou que criar uma boneca realista seria útil para as crianças, mas sua ideia foi inicialmente rejeitada. Ela apresentou o conceito ao marido e ao parceiro comercial da Mattel, Harold “Matt” Matterson, mas ambos os homens achavam que era impraticável.
“Toda menininha precisava de uma boneca através da qual projetar-se em seu sonho de futuro”, Ruth Handler disse posteriormente ao The New York Times. “Se ela fosse brincar de representar o que seria quando tivesse 16 ou 17 anos, era um pouco bobo brincar com uma boneca de peito plano. Então, dei a ela seios bonitos.”
Em “Dream Doll”, ela se lembra deles dizendo: “Ruth, não vai funcionar.” Os homens alegaram que seu ceticismo era estritamente comercial, mas Handler tinha uma intuição de que eles estavam preocupados com a forma da Barbie.
Ruth afirma que realmente desistiu da ideia até 1956, quando viu uma boneca alemã chamada Bild Lilli durante uma viagem de férias em família na Europa. As seis bonecas em diferentes roupas de esqui se pareciam muito com uma ideia que Handler havia imaginado cinco anos antes – uma boneca para jovens meninas com corpo desenvolvido e várias roupas.
Handler relata ter pensado: “Aqui estavam os seios, a cintura fina, as pernas longas e afiladas que eu tinha descrito entusiasticamente para os designers todos aqueles anos atrás.”
Handler comprou a boneca e a trouxe de volta para a América, então apresentou-a à sua equipe para provar que eles poderiam produzir algo semelhante. Pouco depois, o primeiro protótipo da Barbie foi feito.
Batizada em homenagem a Barbara, a boneca estreou na American Toy Fair de 1959 na cidade de Nova York, usando o icônico maiô listrado preto e branco – o mesmo que a Barbie de Margot Robbie veste na abertura do filme.
A primeira boneca Barbie foi bem recebida e é creditada como o primeiro brinquedo produzido em massa nos Estados Unidos. Segundo o Los Angeles Times, a Barbie acabou vendendo mais de 350.000 unidades no primeiro ano.
Até o início da década de 1960, a Barbie era supostamente responsável pela maior parte dos lucros de vendas da Mattel. Ela foi complementada com muitos acessórios, incluindo seu namorado, Ken, nomeado em homenagem ao outro filho de Handler, Kenneth.
O currículo (e o guarda-roupa) da Barbie eventualmente se expandiu para abranger praticamente todas as carreiras, fazendo a transição de uma boneca de moda que apenas brincava de se vestir para uma mulher de carreira – que se vestia como médica ou astronauta, além de ser uma fashionista.
A primeira boneca Barbie chegou ao mercado três anos depois, juntamente com roupas que podiam ser compradas separadamente. As vendas explodiram e a empresa foi avaliada em US$10 milhões quando abriu capital em 1960, segundo a PBS.
Problemas com a Receita
Nos anos 1970, começaram a surgir relatos de que os executivos da Mattel haviam mentido nos relatórios financeiros para dar a impressão de que os ganhos eram fortes quando a empresa estava na verdade perdendo milhões de dólares.
Em 1972, as vendas da Mattel começaram a cair. Em fevereiro de 1973, a empresa emitiu dois relatórios contraditórios sobre os ganhos em um intervalo de três semanas, segundo o The New York Times. O primeiro relatório afirmava que teriam ganhos sólidos, e o segundo afirmava que a empresa havia perdido US$ 32,4 milhões no ano fiscal.
As ações da Mattel despencaram e, em outubro de 1975, os Handlers renunciaram aos cargos de co-presidentes do conselho e cortaram completamente os laços com a empresa que co-fundaram. Mas isso não foi o bastante para evitar uma investigação por evasão fiscal.
A Comissão de Valores Mobiliários (SEC) investigou Ruth e outros ex-executivos da Mattel e alegou que a administração havia emitido declarações deliberadamente falsas para dar uma ilusão de crescimento impressionante nas vendas em 1971, 1972 e 1973.
Em 1978, um grande júri indiciou Ruth e quatro ex-executivos da Mattel sob acusações de conspiração, fraude e apresentação de declarações financeiras falsas à Comissão de Valores Mobiliários. Ruth se declarou sem contestar, foi multada em US$57.000 e recebeu uma sentença de serviço comunitário de 2.500 horas.
Câncer de mama e próteses para sobreviventes
Handler não foi apenas uma pioneira no mundo dos brinquedos. Durante uma cena em Barbie, Ruth faz referência à sua mastectomia, e a criadora da boneca realmente lutou contra o câncer de mama.
Nos anos 80, Handler lançou uma linha de próteses mamárias inovadoras após descobrir a doença em 1970 e realizar uma mastectomia. Ela percebeu a necessidade de próteses realistas e confortáveis, projetadas por e para mulheres – assim surgiu a linha “Nearly Me”.
Ruth liderou uma equipe de oito mulheres, a maioria das quais eram sobreviventes de câncer de mama, que visitavam lojas de departamentos e treinavam a equipe de vendas para ajustar os produtos aos clientes.
Ruth garantiu que as próteses teriam a mesma sensação de seios reais, e suas táticas de venda incluíam o que ela chamava de seu “ato de tirar a roupa”, que envolvia abrir sua camisa durante entrevistas e pedir aos repórteres para tocarem seus seios e adivinharem qual era o real.
A linha era acessível (entre US$98 e US$130) e incluía mais de 70 tamanhos diferentes, com opções para o seio direito e esquerdo.
Ruth Handler chegou a ajustar uma prótese para a ex-primeira-dama Betty Ford após sua mastectomia. Eventualmente, a pioneira vendeu a empresa nos em 1990.
No final de sua vida, Handler refletiu sobre sua trajetória como inventora de uma boneca com corpo de adulto e pioneira em próteses. De acordo com o Los Angeles Times, ela gostava de dizer: “Vivi minha vida de seio a seio.”
Ruth Handler faleceu aos 85 anos de idade, em 27 de abril de 2002, devido a complicações decorrentes de uma cirurgia de cólon para tratar um câncer no órgão.