Na noite de quarta-feira (22), a EQI Research realizou uma live especial sobre o cenário econômico da China e a nova ordem global, reunindo a jornalista Olívia Alonso, o analista Marink Martins e a convidada Amanda Scupinari, economista e especialista em economia chinesa, que participou diretamente do país asiático.
A transmissão trouxe uma visão humana e didática sobre a complexidade da economia chinesa, o avanço de suas políticas industriais e a forma como o país responde às pressões comerciais impostas pelos Estados Unidos.
Amanda, que há anos estuda o funcionamento do sistema econômico chinês, abriu a conversa destacando a necessidade de se olhar para a China sem os filtros da percepção ocidental.
“O Ocidente vê a China a partir da sua realidade e a visão fica repleta de preconceitos que se desmontam quando você visita e tenta entender o país. São cinco mil anos de história. É outra realidade, não tem como comparar com o Ocidente”, afirmou. Segundo ela, compreender a China exige humildade e um esforço genuíno de contextualização histórica e cultural.
Olívia Alonso reforçou o mesmo ponto de vista: “Nunca subestime a economia da China; na dúvida, visite o país”.
Para Amanda, a força chinesa está em sua capacidade de adaptação ao longo dos séculos.
“O mais brilhante é ver como eles, em cinco mil anos de história, levam a história com eles e se adaptam às novas realidades.”
A China: um gigante que molda o século XXI
Localizada na Ásia Oriental, a República Popular da China é uma das civilizações mais antigas e, hoje, uma das economias mais poderosas do planeta. Com uma área de 9,59 milhões de km² e população de mais de 1,4 bilhão de habitantes — o equivalente a um quinto da população mundial —, o país se consolidou como a segunda maior economia global, atrás apenas dos Estados Unidos.
Desde a fundação da República Popular da China, em 1949, pelo líder revolucionário Mao Tsé-Tung, o país tem passado por sucessivas transformações estruturais. O governo é comandado pelo Partido Comunista Chinês (PCC), que detém o controle político, mas adota práticas econômicas marcadas por um pragmatismo liberal. Essa combinação de planejamento estatal e abertura de mercado transformou o país em um centro industrial e tecnológico de proporções inéditas.
Atualmente, o PIB chinês está em desaceleração, mas ainda assim cresce a taxas robustas em comparação ao restante do mundo: 4,8% no terceiro trimestre de 2025, impulsionado pela produção industrial. Apesar de enfrentar desafios como a crise imobiliária e o endividamento, a China continua a avançar em direção à autossuficiência tecnológica e mantém papel central no comércio internacional. É o maior exportador de bens do mundo e um dos destinos mais atraentes para investidores estrangeiros.
Deng Xiaoping e a reinvenção da China
Para entender o sucesso contemporâneo chinês, Amanda Scupinari destacou a importância de Deng Xiaoping (1904–1997), o líder que sucedeu Mao Tsé-Tung e foi responsável por abrir o país ao capitalismo de mercado.
Quem foi Deng Xiaoping?
Deng foi um dos mais poderosos e influentes líderes do Partido Comunista Chinês nas décadas de 1980 e 1990. Companheiro de Mao, ele chegou a ser afastado do poder por defender ideias consideradas liberais demais, mas voltou à liderança após a morte do líder chinês em 1976. A partir daí, promoveu uma série de reformas que combinavam o controle político centralizado com a liberdade econômica para empreender — uma revolução silenciosa que transformou o país em um gigante global.
Amanda explicou que a China, devastada após o colonialismo europeu e as guerras internas, encontrou em Deng o impulso necessário para “se reinventar”.
“Eles tinham duas opções: continuar destruídos ou se adaptar”. Para ela, Deng foi a figura que entendeu que o caminho seria absorver o melhor do capitalismo sem abandonar o controle estatal.
Confucionismo, disciplina e o motor da sociedade chinesa
Na análise de Amanda, outro ponto fundamental para compreender a China atual é o confucionismo, tradição filosófica que prega harmonia social, respeito às hierarquias, educação e responsabilidade coletiva.
“A China é mais confucionista do que socialista soviética. É uma sociedade onde o valor do esforço e do aprendizado está no centro”, afirmou.
Para ela, mais do que um modelo econômico, o desenvolvimento chinês é sustentado por uma cultura que valoriza a disciplina, o estudo e a meritocracia. Essa mentalidade se reflete, sobretudo, no sistema educacional.
“Não importa aonde você vá na China, as pessoas estão estudando de domingo a domingo. Eles são competitivos”, complementou Olívia Alonso, que viveu no país entre 2007 e 2008. Amanda acrescentou que a educação é vista como o pilar do desenvolvimento e que o governo investe pesadamente no setor. “Eles entenderam há muito tempo que investir em inovação é investir em educação, que esse era o caminho.”
Empreendedorismo, subsídios e adaptação
Outro ponto debatido na live foi o dinamismo do setor privado chinês. Segundo Amanda, as pequenas e médias empresas, que movimentam grande parte da economia, precisam ser altamente competitivas para sobreviver, já que não têm fácil acesso a crédito bancário. Isso cria uma cultura de autossuficiência e poupança elevada.
“As empresas aprendem a se alimentar sozinhas, sem depender de subsídios diretos do governo. É uma economia de resiliência”, explicou.
Ela destacou ainda o pensamento pragmático e empreendedor do chinês: “Se não posso vender para os EUA, vou encontrar outro comprador”. Essa mentalidade de adaptação é uma das razões pelas quais o país resiste bem às sanções e tarifas impostas por potências ocidentais.
Geopolítica e rivalidade com os Estados Unidos
A live também abordou o papel da China no tabuleiro geopolítico global. Marink Martins lembrou que as tensões China-EUA se intensificaram a partir de 2018, quando o primeiro governo de Donald Trump impôs sanções à empresa chinesa Huawei.
“Trump ‘quebrou a perna’ da Huawei, mas os chineses aprenderam a lição. Agora jogam de igual para igual. Se os EUA têm petróleo, a China tem as terras raras — e isso é poder estratégico”, destacou.
Amanda complementou que o confronto tarifário atual com Washington acabou fortalecendo o sentimento nacionalista dentro da China.
“Quando Trump começou a ‘cutucar’ a China no início desse ano, o que veio à tona foi um orgulho nacional. O país se uniu ainda mais em torno da ideia de autossuficiência e superação”, afirma. “Os chineses vêm tentando ser eficientes e ultrapassar os EUA há anos. É como se finalmente vissem o resultado. ‘Conseguimos alcançar e ameaçar os caras’! Isso traz um sentimento nacionalista”, complementou.
Um modelo único de desenvolvimento
Apesar das contradições entre controle estatal e livre mercado, a economista reforçou que o modelo chinês é “único e específico”. A combinação entre planejamento de longo prazo, disciplina social e capacidade de execução em larga escala tem permitido ao país ultrapassar obstáculos que paralisariam outras economias.
Amanda concluiu com uma reflexão sobre o contraste entre a estabilidade política chinesa e a volatilidade das democracias ocidentais: no Brasil, por exemplo, os projetos são abandonados a cada eleição. Na China, o governo planeja no longo prazo com mão forte.
Clique no vídeo abaixo para assistir a live na íntegra.
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