O chairman e sócio sênior do BTG Pactual, André Esteves, afirmou que o Brasil precisa alinhar as políticas fiscal e monetária e usar melhor seu “soft power” global para consolidar uma posição de destaque entre os mercados emergentes.
Durante palestra no Milken Institute, o executivo defendeu uma agenda fiscal mais responsável, juros mais baixos e uma estratégia voltada à produtividade e à diplomacia econômica, ressaltando que o país tem potencial para ser um provedor mundial de alimentos e energia limpa.
Ele também avaliou o impacto dos Estados Unidos e da revolução da inteligência artificial sobre os mercados globais, reforçando que o Brasil deve aproveitar o novo ciclo econômico com uma agenda pró-negócios.
Fim do “excepcionalismo americano” e reequilíbrio dos mercados
Para Esteves, os movimentos recentes dos mercados ainda são determinados pelo que ocorre nos Estados Unidos, embora a hegemonia americana tenha perdido força ao longo do ano.
“O que está movendo os mercados é o que se passa nos Estados Unidos. No fim do ano passado, a principal conversa era o excepcionalismo americano, com um ambiente de atração enorme de capitais para dentro do país”, afirmou o executivo.
Segundo ele, o otimismo inicial com a economia americana deu lugar a uma percepção mais volátil, impulsionada por fatores como tarifas e instabilidade política. Esse cenário, acrescentou, favoreceu uma diversificação global de portfólios, com valorização de moedas e bolsas em outros mercados, incluindo emergentes.
“Havia uma hiperconcentração nos Estados Unidos e no dólar. Isso se aliviou ao longo do ano, e os mercados emergentes tiveram performance espetacular”, disse.
“Corrida da IA” aquece a economia, mas traz riscos de bolha
Ao comentar o impacto da inteligência artificial (IA) na economia, Esteves alertou que o volume de investimentos pode estar inflando o setor e criando uma nova fase de incerteza.
“As empresas de tecnologia estão investindo cerca de US$ 350 bilhões em capex ligados à IA. É um volume significativo, comparável ao suporte fiscal americano na pandemia. Isso aquece a economia, mas levanta dúvidas sobre um possível excesso de valuation”, pontuou.
O executivo destacou que o novo ciclo tecnológico deve gerar ganhos de produtividade em escala global, mas alertou que as economias emergentes devem participar com pragmatismo.
“Não adianta o Brasil querer fabricar chips. Não temos vocação para isso. Mas podemos ser provedores de infraestrutura, com energia limpa e barata e 85% da matriz energética renovável”, ressaltou.
Brasil e o novo mapa geopolítico
Em relação à geopolítica, Esteves avaliou que o mundo caminha para um modelo menos multilateral, marcado pela disputa entre Estados Unidos e China. Ainda assim, ele vê o Brasil e a América Latina como possíveis vencedores desse rearranjo global.
“O Brasil é uma friendly nation, tem boas relações com os Estados Unidos, Europa, China e seus vizinhos. É uma nação pacífica e com enorme potencial de ser provedora de segurança alimentar e energética global”, afirmou.
Para o banqueiro, o país deve aproveitar seu “soft power” e a estabilidade diplomática para atrair investimentos produtivos. “Temos posição geopolítica privilegiada. Só precisamos usar melhor esse poder de influência”, completou.
Críticas à falta de coordenação entre política fiscal e monetária
Ao tratar do cenário doméstico, Esteves reforçou a necessidade de maior coordenação entre as políticas fiscal e monetária, afirmando que o atual descompasso prejudica o crescimento.
“Preferia ver a política fiscal mais apertada e a monetária mais solta. Hoje é como dirigir com um pé no acelerador e outro no freio”, declarou.
O executivo também considerou que os juros brasileiros estão excessivamente altos, mas previu início de um ciclo de queda em breve.
“A taxa de juros não merecia estar em 15%. Acho que começa a cair logo, talvez no início do ano, mas o que precisamos saber é onde vai parar: em 11% ou em 7%”, disse.
Ele ainda defendeu um ajuste fiscal de cerca de 2% do PIB, argumentando que “há espaço de sobra” para contenção de despesas.
“O Brasil tem desemprego praticamente zero e uma rede de proteção social maior que a de países como França e Suécia. É hora de reavaliar programas e empurrar mais gente para o mercado de trabalho formal”, afirmou.
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Agenda pró-negócios e otimismo cauteloso
Na parte final da conversa, Esteves defendeu uma agenda microeconômica pró-business, com foco em produtividade e desburocratização.
“Hoje qualquer empresa de infraestrutura pode emitir uma debênture de 20 anos em duas semanas. Isso nunca aconteceu antes. Precisamos continuar nessa direção, simplificando licenças e reduzindo travas regulatórias”, disse.
Apesar dos desafios, ele encerrou sua fala com uma mensagem otimista.
“A boa notícia é que só depende da gente. O Brasil não precisa de nenhuma grande potência ou associação internacional. Se fizermos o certo, vamos em frente e geraremos oportunidades para todos”, concluiu.
Contexto
O Milken Institute é uma organização norte-americana sem fins lucrativos, sediada em Los Angeles, que promove debates globais sobre finanças, economia e inovação.
O painel que contou com a presença de André Esteves foi mediado pela jornalista Christiane Pelajo, da CNBC, e discutiu os caminhos para os mercados emergentes diante da revolução tecnológica e do novo equilíbrio geopolítico mundial.
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