Após perceber que diversas empresas estavam iniciando programas de recompra de ações, algo chamou minha atenção quanto ao estoque de ações. Costumo acreditar que o controlador – dono da empresa – é a pessoa que mais entende do negócio e, portanto, se ele está comprando é porque acredita estar fazendo um bom negócio.
Comecei, então, a me aprofundar no assunto e li uma carta da gestora Alpha Key que dizia: “Vai faltar ação na Bolsa na hora que o mercado virar”, tese essa que vamos compartilhar.
Desde o último IPO na B3, em setembro de 2021, quando a Vittia Fertilizantes ($VITT3) abriu capital, a bolsa brasileira não testemunhou novas listagens. São três anos e meio anos sem IPOs.
Em contraste, o número de empresas listadas vem diminuindo gradativamente. De acordo com a carta da Alpha Key, em janeiro, o Brasil contava com 385 empresas listadas. Agora, esse número caiu para 335 no final de 2024, representando uma redução de 15% no total de empresas listadas, como você pode ver na tabela abaixo.

Estoque de ações: o que está acontecendo?
O movimento é impulsionado por uma combinação de fusões e aquisições e um crescente número de processos de fechamento de capital.
Em muitos casos, controladores e sócios estratégicos optam por uma OPA (Oferta Pública de Aquisição), o caminho inverso ao IPO, retirando as empresas da bolsa. A consequência disso é um mercado acionário cada vez mais enxuto.
Parece que ninguém mais tem ações…
Desde 2020, o total de ativos dos fundos de ações vem diminuindo, enquanto outras classes de fundos continuam a crescer. Como resultado, a participação de ações na indústria de fundos atingiu seu menor nível histórico. Isso aconteceu tanto pela queda nos preços das ações, quanto pelo forte volume de resgates nesses fundos, que foram forçados a vender ativos enquanto os investidores migravam para o CDI.
Dê uma olhada no próximo gráfico. A fatia dos fundos de ações dentro do total de ativos sob gestão da indústria de fundos no Brasil está em seu menor patamar desde 2000, início da série histórica.
Se essa participação retornasse à sua média histórica de 12,7%, considerando o tamanho atual da indústria, seria necessário um aporte de R$ 310 bilhões na Bolsa brasileira — um fluxo que certamente impactaria positivamente os preços dos ativos.
Além disso, conversas com assessores de investimentos indicam que muitos clientes seguem com baixa exposição em ações, reforçando o sentimento geral de aversão ao risco no mercado.

O poder das recompras
Se o número de empresas listadas está diminuindo, o volume de ações em circulação disponível para negociação no mercado, conhecido como free float, está acompanhando essa tendência.
Nos últimos anos, os investidores institucionais – tanto locais quanto estrangeiros – foram grandes vendedores da bolsa brasileira. No entanto, isso não resultou em uma queda ainda mais acentuada do mercado, porque as próprias empresas entraram como compradoras, implementando robustos programas de recompra de ações (as empresas recompram ações e cancelam as mesmas, retirando-as de circulação).
A recompra reduz a quantidade de ações disponíveis no mercado, aumentando o valor relativo da participação dos acionistas remanescentes. Essa dinâmica, combinada à ausência de novas ofertas, tem um impacto claro: o free float da bolsa encolhe continuamente.
O ano passado bateu o recorde de processos de recompra abertos, segundo dados da CVM. As empresas anunciaram 101 processos desse tipo, quase três vezes mais do que os 35 registrados em 2023. Esse é o maior volume desde 2013, indicando um aumento na estratégia das companhias de adquirir suas próprias ações no mercado.

A gestora Alpha Key estimou em sua carta que entre janeiro de 2022 e o final de 2024 as recompras reduziram pelo menos R$ 60 bilhões de valor de mercado de ações que poderiam estar sendo negociadas.
Além disso, a relação entre o free float da bolsa e o M4 (indicador amplo da liquidez na economia) revela um mercado acionário cada vez menor em relação ao volume de dinheiro disponível, como fica bem claro no gráfico abaixo:

E se o cenário mudar?
Se o fluxo de capital para a bolsa brasileira se normalizar – seja por uma redução dos juros, uma melhora no cenário fiscal, ou até mesmo um reajuste nas expectativas sobre o futuro do país – a demanda por ações pode crescer rapidamente. No entanto, a oferta de ações disponíveis está muito menor do que nos últimos anos.
Para os investidores, o processo cria uma situação rara: se o humor do mercado melhorar, a valorização pode ser muito mais intensa do que em ciclos anteriores, já que haverá menos ações disponíveis para absorver o aumento da demanda.
Estoque de ações: no pior cenário, proteja-se!
As eleições presidenciais de 2026 trazem incertezas para o rumo da política econômica brasileira. Se um novo governo apresentar uma abordagem fiscal mais austera, os mercados podem reagir positivamente.
E, mesmo que isso não aconteça, e o Brasil entre em um ciclo de maior inflação e deterioração dos indicadores fiscais, minha opinião é a de que as ações de empresas sólidas ainda podem ser uma melhor proteção do que títulos públicos.
Olhando para a Argentina, vemos um exemplo claro disso: mesmo antes da eleição de Javier Milei, o índice Merval teve uma performance superior à Leliq (taxa de juros, que ultrapassou 100% ao ano). Isso ocorreu porque empresas têm a capacidade de repassar a inflação aos preços, enquanto os títulos de dívida são corroídos pelo ambiente inflacionário.

Portanto…
O momento atual exige disciplina e seletividade. Há boas oportunidades na bolsa, mas a chave para o investidor será escolher ativos que possam capturar um cenário de melhora, mas que também consigam sobreviver e repassar preços em um ambiente mais adverso.
Com a oferta de ações diminuindo e uma recuperação potencial à frente, acreditamos que o investimento em renda variável, especialmente em ativos reais, pode ser uma estratégia inteligente para os próximos anos.
Na nossa carteira de Dividendos, fazemos uma seleção criteriosa de empresas sólidas, com robusto fluxo de caixa e que podem também se beneficiar de um cenário mais otimista.
Por João Zanott, analista CNPI da EQI Research
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