Enquanto a bolsa brasileira mantém o bom desempenho em 2025, com o Ibovespa acumulando alta de 13% no ano e as small caps avançando impressionantes 25%, o governo federal avança na direção oposta em relação à tributação dos investimentos.
Na noite desta quarta-feira (12), a EQI Research promoveu uma live para debater esses dois movimentos. Horas depois, o governo publicou oficialmente a Medida Provisória (MP) que altera de forma ampla a tributação do mercado financeiro brasileiro, com impacto direto na rentabilidade líquida dos investidores.
Durante a transmissão da live, Felipe Paletta e João Zanott, analistas da EQI Research, destacaram o aparente paradoxo:
“Estamos vendo a bolsa subir enquanto o governo aumenta a carga tributária sobre o investidor. É uma contradição que exige cautela e compreensão do cenário mais amplo”, afirmou Paletta.
A tributação dos investimentos e a bolsa:Movimento global favorece o Brasil
O desempenho positivo da bolsa brasileira, segundo os analistas, está muito relacionada a fatores externos. Com a perda de força da economia americana e ajustes na geopolítica global, o Brasil tem se beneficiado de fluxos de capital de investidores estrangeiros em busca de ativos descontados e com bom potencial de retorno.
“Não é que o problema fiscal tenha sido resolvido. Pelo contrário: ele continua desafiador. Mas o Brasil tem conseguido se posicionar, atraindo capital estrangeiro”, explicou Zanott.
A MP publicada: novas regras de tributação
A Medida Provisória publicada na noite de quarta traz uma série de mudanças significativas, previstas para vigorar a partir de 2026, e que atingem praticamente todos os produtos de investimento. Entre os principais pontos estão:
Renda fixa: Extinção da tabela regressiva, com alíquota única de 17,5% de Imposto de Renda, prejudicando o investidor de longo prazo, antes beneficiado com a alíquota de 15% para prazos superiores a dois anos.
Fundos de renda fixa e multimercados: Alíquota única de 17,5%. Ainda há expectativa de mudanças no modelo de come-cotas, mas sem definição oficial.
Mercado de ações: A isenção de IR passa a ser trimestral (R$ 60 mil por trimestre em vendas). Qualquer ganho acima disso será tributado em 17,5%, inclusive day trade.
Criptoativos: Fim da isenção atual de R$ 35 mil mensais. Todo ganho passa a ser tributado em 17,5%.
FIIs e Fiagros: Dividendos passam a ser tributados em 5%, encerrando uma das maiores vantagens desses fundos para o investidor pessoa física. CRIs e CRAs mantidos dentro dos fundos de papel continuam isentos.
Títulos isentos (LCI, LCA, CRI, CRA, debêntures incentivadas, entre outros): Passam a ter tributação de 5% sobre o rendimento.
Pequenos impactos individuais, forte arrecadação agregada
Apesar da sensação de forte impacto para o investidor, a EQI Research analisou que, em muitos casos, o efeito prático sobre a rentabilidade final pode ser limitado, especialmente no mercado acionário.
“O dividend yield médio do Ibovespa cairia de 6,6% para 6,4% com a mudança nos Juros sobre Capital Próprio (JCP). O impacto maior será concentrado nos setores que distribuem volumes significativos de JCP, como bancos, seguradoras e utilities”, explicou Zanott.
“Vai diminuir um pouco o rendimento de quem tem empresa na carteira que paga provento em JCP, como Isa Energia, Localiza, Lojas Renner, Multiplan, Suzano, Telefoninca, Brasdesco, Banco do Brasil, B3, Porto Seguro, entre outras”, apontou.
Por outro lado, o efeito fiscal para o governo será relevante. Somente com o ajuste no JCP, o governo pode arrecadar algo como R$ 5 bilhões. Já com a tributação de produtos de renda fixa hoje isentos, a arrecadação adicional pode chegar a R$ 4 bilhões.
Entretanto, ao tentar ampliar a arrecadação, o governo cria riscos de distorções futuras.
“Tributar de forma única a renda fixa pode desestimular investimentos de longo prazo, dificultando o próprio financiamento da dívida pública, que depende da venda de títulos mais longos”, avaliou Paletta.
Governo tenta compensar recuo no IOF
As novas medidas surgem como alternativa ao aumento do IOF sobre crédito, câmbio e cartões internacionais, que foi parcialmente revertido após forte resistência do Congresso e do próprio mercado. A equipe econômica agora busca outras fontes de arrecadação que possam ajudar no ajuste fiscal ainda em 2025.
A MP tem vigência imediata, mas precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias para não perder validade. A expectativa é que boa parte dos detalhes ainda seja negociada durante a tramitação, com possibilidade de ajustes e concessões.
Orientação: paciência e visão de longo prazo
Apesar das turbulências fiscais, a equipe da EQI Research reforçou na live que não recomenda movimentos precipitados nas carteiras neste momento.
“Muita coisa ainda será discutida no Congresso. Não é hora de desmontar posições ou antecipar mudanças. O investidor deve manter a disciplina, com foco no longo prazo”, recomendou Paletta.
“Ficou mais vantajoso, por exemplo, investir em títulos de renda fixa de longo prazo nesse momento, alongar um pouco o vencimento da sua carteira, investindo em renda fixa para garantir algumas isenções e aproveitar também que a gente ainda vive um ciclo de juros ainda bastante elevados no Brasil”, pontuou.
Apesar do fiscal, bolsa pode bater os 170 mil pontosano que vem
Mesmo com a alta da carga tributária, os analistas seguem otimistas com o potencial da bolsa brasileira, revisando seu alvo para o Ibovespa para 155 mil pontos em 2025 e 170 mil pontos em 2026, sustentado por valuations atrativos e possível maior fluxo de investidores estrangeiros.
“O investidor estrangeiro não está olhando para o aumento de impostos no Brasil, a questão fiscal está há pelo menos 20 anos nos jornais, nunca deixou de ser um problema no país. O estrangeiro está comprando a bolsa brasileira porque o mundo está passando por uma dinâmica diferente. Ele vê o Brasil bem posicionado globalmente. O cenário internacional está se sobrepondo ao local”, sintetiza Paletta.
“Se o estrangeiro está saindo dos EUA, com 5% de rentabilidade ao ano, que é alto para os padrões de lá e vindo para o Brasil, é porque existe atratividade. A bolsa brasileira está barata, o Brasil segue atraente no cenário global e, apesar do barulho com o fiscal, a visão de longo prazo continua positiva para quem souber ser paciente e seletivo”, concluiu.