As companhias aéreas Azul e Gol estão ajustando suas estratégias para lidar com os desafios econômicos que o setor enfrenta, optando por cortes significativos no serviço de bordo. Ambas reduziram a oferta gratuita de snacks e bebidas durante os voos, uma decisão que reflete a necessidade de adaptação a um cenário de custos operacionais cada vez mais elevados.
A Azul (AZUL4) já havia feito mudanças nesse sentido em meados de 2023, quando eliminou a política de snacks ilimitados a bordo, restringindo a distribuição gratuita de latinhas de refrigerante e chocolates premium, como Kinder. Agora, a Gol (GOLL4) seguiu um caminho semelhante, suspendendo totalmente o serviço de bordo gratuito em voos com duração inferior a uma hora. Nestes casos, os passageiros terão apenas água disponível, caso solicitem. Na ponte aérea Rio-São Paulo, no entanto, a companhia decidiu manter o serviço atual.
Essa movimentação não acontece por acaso. O setor aéreo tem enfrentado um período de grande pressão financeira, causado por fatores como a valorização do dólar e a alta do combustível de aviação (QAV). Nos últimos meses, o câmbio atingiu patamares preocupantes para as empresas, tornando os custos operacionais ainda mais pesados. No Brasil, aproximadamente 60% dos gastos das companhias aéreas são dolarizados, incluindo o leasing de aeronaves, manutenção e aquisição de peças. Além disso, o preço do QAV registrou um aumento expressivo de 15,6% entre dezembro de 2024 e janeiro de 2025, de acordo com a Petrobras.
Outro fator relevante é a inflação de alimentos, que impacta diretamente os custos das companhias com o serviço de bordo. Empresas como Azul e Gol vêm tentando renegociar contratos com fornecedores para mitigar os impactos financeiros, mas os reajustes no preço dos insumos têm sido inevitáveis. Esse cenário não é exclusivo do Brasil; o setor aéreo global tem lidado com desafios semelhantes, levando muitas empresas a reverem suas estratégias e reduzirem custos.
Latam mantém abordagem diferente e investe na experiência do cliente
Enquanto Azul e Gol optam por cortar custos no serviço de bordo, a Latam segue uma estratégia oposta. A companhia chilena-brasileira mantém a oferta gratuita de snacks e bebidas como um diferencial competitivo e uma forma de fidelizar clientes.
Essa posição mais confortável da Latam se deve, em parte, à sua reestruturação financeira. A empresa passou por um processo de recuperação judicial nos Estados Unidos (Chapter 11) entre 2020 e 2022, o que lhe permitiu reorganizar sua estrutura de custos e melhorar sua liquidez. Atualmente, sua posição de caixa é mais favorável, possibilitando investimentos na experiência do passageiro.
Entre as iniciativas recentes da Latam está o programa “Sabor à Brasileira”, lançado em agosto de 2024, que oferece pratos assinados por chefs sul-americanos nos voos de longa distância. Para os voos domésticos, a companhia reformulou seu cardápio de snacks gratuitos em outubro de 2023, mantendo uma proposta diferenciada para os clientes.
Essa diferença de abordagem entre as companhias levanta um debate sobre o impacto na percepção dos passageiros. Especialistas do setor apontam que os cortes no serviço de bordo podem afetar o índice de satisfação do cliente (NPS), especialmente se os preços das passagens não refletirem essas mudanças, segundo informações do Valor.
Em mercados como o europeu, há um contraste maior entre as empresas de baixo custo, como Ryanair, que oferecem tarifas significativamente mais baratas, e as concorrentes que mantêm um serviço mais completo. No Brasil, entretanto, as tarifas das companhias não variam tanto, o que pode gerar insatisfação nos clientes ao perceberem uma redução no serviço sem uma contrapartida em preço.
Mudanças refletem reestruturação e modelo de negócio
A decisão da Azul e da Gol de reduzir o serviço de bordo não se baseia apenas nos custos imediatos, mas também em mudanças estruturais dentro das empresas. A Azul, por exemplo, tem uma malha aérea na qual opera sozinha em cerca de 80% das rotas, o que lhe dá uma margem maior para fazer ajustes sem perder muitos passageiros para a concorrência. Fontes indicam que a empresa vê essa redução como uma adaptação ao mercado e que a estratégia pode se tornar permanente, alinhando-se a modelos de baixo custo praticados por algumas companhias internacionais.
Além disso, a Azul tem um novo perfil acionário desde que a Avianca tornou-se uma de suas acionistas. A companhia colombiana passou por um processo semelhante ao da Latam, reestruturando-se financeiramente nos EUA, e adotou um modelo de operação mais próximo do low-cost, ainda que não se autodenomine como tal. Com essa nova composição societária, é possível que a Azul siga um caminho de eficiência operacional semelhante ao da Avianca, focando na redução de custos e na oferta de serviços opcionais pagos.
Já a Gol, que tradicionalmente tem uma estrutura de baixo custo, busca alinhar suas operações a um modelo ainda mais enxuto. Especialistas apontam que a empresa pode estar cortando até mesmo os serviços mais básicos, o que pode gerar desafios na experiência do passageiro e na fidelização de clientes no longo prazo.
Impacto global e tendências para o futuro
O cenário enfrentado pelas companhias aéreas brasileiras não é isolado. Em diversas partes do mundo, as empresas têm sido forçadas a repensar suas operações devido à inflação e ao aumento dos custos. Segundo Carlos Bittar, presidente regional da Gategroup para a América Latina, empresa líder em catering aéreo, o setor está buscando formas de otimizar custos sem comprometer a qualidade. Uma das estratégias utilizadas inclui a substituição de ingredientes caros por opções mais acessíveis e localmente disponíveis. No Brasil, por exemplo, frutas tropicais como açaí e cupuaçu passaram a ser usadas em substituição a frutas vermelhas importadas.
A tendência é que as companhias continuem buscando maneiras de equilibrar custos e manter um serviço atrativo para os passageiros. Azul e Gol já indicaram que seguem avaliando novas possibilidades e que qualquer mudança definitiva será amplamente comunicada.
Por outro lado, a reação dos passageiros será um fator determinante para os próximos passos das empresas. Se a redução no serviço de bordo impactar significativamente a experiência do cliente e resultar em perda de mercado para concorrentes como a Latam, Azul e Gol poderão ser obrigadas a rever suas decisões. Entretanto, se os passageiros aceitarem a mudança sem grandes impactos na demanda, é provável que a redução do serviço se torne um novo padrão no setor aéreo brasileiro.
O que resta agora é observar como o mercado reagirá a essa nova realidade e se, no longo prazo, o modelo de serviço mais enxuto será sustentável para Azul e Gol diante da concorrência.
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