A regulamentação das stablecoins no Brasil, formalizada pela Resolução 521 do Banco Central, inaugura uma nova fase para o mercado de ativos digitais no país. Segundo Janny Castro, sócia da Forvis Mazars, o reconhecimento oficial, por meio das novas regras para stablecoins, representa uma mudança estrutural que deve impactar negociações, custos operacionais, fiscalização tributária e mecanismos de combate a crimes financeiros.
Castro explica que a principal implicação imediata das novas normas é o enquadramento prudencial das stablecoins lastreadas em moeda fiduciária. Esse tratamento equipara os ativos digitais indexados a moedas tradicionais à própria moeda, permitindo seu uso em operações de câmbio e transferências internacionais com menos burocracia. Para ela, o reconhecimento regulatório deve ampliar a aceitação das stablecoins no mercado brasileiro e facilitar sua conversão em moedas estrangeiras.
Ao mesmo tempo, o ambiente para usuários e investidores tende a ficar mais seguro, já que empresas com baixa governança estarão sujeitas a penalidades mais rigorosas. Por outro lado, os prestadores de serviços de ativos virtuais (PSAVs) devem enfrentar custos operacionais mais altos para se adaptar às novas exigências.
Castro destaca que, no curto prazo, as novas regras para criptomoedas podem reduzir o número de operações, especialmente envolvendo stablecoins estrangeiras. Plataformas de fora do país que não desejarem cumprir as exigências de autorização e compartilhamento de dados podem perder espaço. Porém, ela avalia que, no médio prazo, o ambiente regulado deve fortalecer a credibilidade do setor e atrair investidores institucionais que antes evitavam o mercado por falta de segurança jurídica.

Novas regras para stablecoins: operações rastreáveis
Em relação aos tributos, a especialista ressalta que a regulamentação não cria novos impostos, mas torna as operações rastreáveis e reportáveis. Isso deve intensificar a fiscalização sobre investidores que utilizavam criptomoedas para evitar declarações ou tributos.
Ela cita como exemplo a venda de ativos virtuais não declarados, que aumentam o patrimônio do contribuinte e podem resultar em cobrança de imposto sobre o valor total da alienação, e não apenas sobre o ganho de capital. Com o novo marco, os PSAVs devem ser obrigados a reportar movimentações de clientes, substituindo o modelo baseado exclusivamente em autodeclaração.
A regulação também reforça o combate à lavagem de dinheiro. Castro afirma que a adoção da Travel Rule — que exige identificação e reporte dos titulares em transferências internacionais — passa a ser plenamente exigível. A identificação dos usuários em movimentações envolvendo carteiras custodiais e autocustodiadas reduz significativamente o espaço para uso ilícito das criptomoedas.
Quanto ao tratamento regulatório de Bitcoin, Ethereum e altcoins, a especialista esclarece que o marco do Banco Central coloca todos os ativos dentro do perímetro de supervisão das PSAVs. No entanto, apenas as stablecoins entram no perímetro monetário e cambial, por dependerem de garantias de lastro. Criptomoedas voláteis permanecem sujeitas aos controles de reporte e compliance, mas não ao mesmo conjunto de regras prudenciais.
Para Castro, o novo ambiente regulatório representa um avanço importante para a confiança no mercado cripto, embora imponha ajustes relevantes durante a fase inicial de transição.
Elevação de ustos operacionais
As novas regras do Banco Central também estão transformando o ambiente de negócios das stablecoins sob a ótica do setor privado. Para Fillipe Trentin, CEO da Oxus Finance, o marco regulatório cria um mercado mais seguro e transparente, mas exige estruturas internas mais robustas das empresas que atuam com ativos virtuais.

Ele explica que a regulamentação impõe uma série de obrigações aos prestadores de serviços, como controles mais rígidos, sistemas de segurança aprimorados e práticas mais avançadas de compliance.
“O mercado tende a ficar mais seguro, mas isso implica custos mais altos — parte deles será inevitavelmente repassada ao consumidor”, afirma.
Trentin avalia que o volume de negociações pode diminuir num primeiro momento, à medida que os players se adaptam às novas exigências. Mesmo assim, ele vê um cenário mais favorável à frente: com o mercado regulado, instituições financeiras e grandes empresas devem adotar stablecoins como ferramenta para remessas internacionais.
“A expectativa é que o volume transacionado supere o atual no médio prazo”, projeta.
A regulamentação não altera a tributação das operações com ativos virtuais. Contudo, Trentin ressalta que a inclusão das stablecoins no mercado de câmbio pode abrir espaço para atualizações legislativas. Segundo ele, é possível que o IOF-Câmbio passe a incidir sobre essas transações no futuro.
A prevenção a crimes financeiros é outro ponto central da nova regulação. As empresas terão de adotar políticas rígidas de compliance, identificar contrapartes e verificar a titularidade de carteiras privadas envolvidas nas operações. Para obter credenciamento do Banco Central, também precisarão comprovar capital social elevado e indicar diretores responsáveis pelo envio de informações ao órgão regulador. “O nível de controle será muito maior, o que ajuda significativamente no combate à lavagem de dinheiro”, afirma.
Embora as stablecoins tenham regras específicas, a Resolução 520/2025 abrange todas as empresas que prestam serviços envolvendo ativos virtuais. Isso inclui operações com Bitcoin, Ether e altcoins. A diferença, explica Trentin, é que apenas as stablecoins podem ser incluídas na política cambial; os demais criptoativos permanecem fora do perímetro monetário, mas seguem sujeitos às mesmas exigências de reporte e compliance.
Para o CEO da Oxus Finance, o reforço regulatório é um movimento natural e deve fortalecer o mercado brasileiro de criptoativos ao longo do tempo.
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