A tendência de dólar mais fraco, observado hoje no mercado, tem origem em transformações profundas na política fiscal, monetária e corporativa dos Estados Unidos, segundo o analista internacional da EQI Research, Marink Martins.
Martins aponta que o enfraquecimento da moeda americana não é pontual, mas sim resultado de uma série de incentivos e escolhas econômicas que estão alterando o funcionamento do próprio sistema.
Entre os principais fatores, o analista destaca o impacto do plano orçamentário “One Big and Beautiful Bill”, proposto pelo presidente Donald Trump. A medida permite que as empresas amortizem 100% dos investimentos em capital fixo (capex) de forma imediata, o que estimula fortemente os gastos corporativos.
“Os investimentos em capex se tornaram a grande estrela do PIB americano”, explica Martins.
No entanto, essa política tem um efeito colateral direto sobre o dólar.
“As empresas pagam menos impostos, o governo arrecada menos e, para sustentar seus estímulos fiscais — de cerca de US$ 600 bilhões ao longo de cinco anos —, o Tesouro precisa recorrer à emissão de moeda”, afirma.
Esse aumento de liquidez, somado ao endividamento elevado, contribui para o cenário de repressão financeira e pressiona a cotação da moeda norte-americana.
O analista cita a valorização do ouro como um sintoma desse processo.
“O ouro sobe quando o mercado percebe que o poder de compra do dólar está sendo corroído. É como um termômetro de febre na economia: quando o metal dispara, é sinal de desequilíbrio no sistema.”
Dólar mais fraco: foco no PIB nominal
Martins também chama atenção para uma mudança de narrativa na política econômica americana: o foco no Produto Interno Bruto (PIB) nominal, e não mais apenas no PIB real.
“Pela primeira vez na história, se discute que o PIB nominal — aquele que inclui a inflação — é o novo motor de crescimento. Isso mostra uma aceitação implícita de que parte do ajuste econômico virá via inflação”, observa.
Na prática, um país que antes buscava crescer 3% em termos reais agora se contenta com um crescimento de 1% somado a uma inflação de 4%, o que, segundo o analista, alivia o peso da dívida, mas enfraquece a moeda.
A perspectiva de juros mais baixos reforça esse quadro. Martins lembra que cinco nomes disputam a sucessão de Jerome Powell no Federal Reserve e todos têm perfil alinhado com a visão de Donald Trump de reduzir os juros.
“Qualquer um desses candidatos pressionará o FOMC a cortar juros reais para níveis negativos. Isso é, estruturalmente, ruim para o dólar”, resume.
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China e o yuan mais forte no horizonte
Segundo Marink Martins, enquanto o dólar perde força, a China dá sinais de fortalecimento econômico e busca reaproximação estratégica com os Estados Unidos.
“Há muita gente olhando para a China com uma lente defasada. O país está reposicionando suas alianças e sinalizando movimentos sutis, mas relevantes”, afirma.
Um exemplo dessa guinada foi o subsídio oferecido pelo governo chinês ao iPhone 17, medida que impulsionou as vendas da Apple no país e ajudou na valorização recente das ações da companhia.
“Esse gesto mostra que Pequim tenta restabelecer o diálogo com o setor corporativo americano — historicamente, o maior aliado da China em Washington”, explica o analista.
Martins acredita que a reunião entre Donald Trump e Xi Jinping, prevista para a próxima semana durante a APEC Summit na Coreia do Sul, pode marcar um ponto de inflexão nessa relação.
“Estou mais otimista com esse encontro. Uma redução das tensões tende a fortalecer o yuan e contribuir ainda mais para o cenário de dólar mais fraco.”
Ele observa, ainda, que os Estados Unidos continuam altamente dependentes da China em áreas estratégicas, como o refino de terras raras, essenciais para a indústria de defesa e o setor automotivo.
“A meta americana de conquistar autonomia nesse campo até 2027 dificilmente será atingida. Essa dependência reforça o poder estrutural da China e, indiretamente, pressiona o dólar”, diz ele.
Para Martins, o atual ciclo global marca uma transição clara: Segundo ele, enquanto os Estados Unidos usam a inflação e o endividamento como motores de crescimento, a China adota incentivos seletivos e busca estabilidade cambial.
“É esse contraste que explica por que o dólar está mais fraco — e por que essa tendência pode durar mais do que muitos imaginam.”