Em um cenário global marcado por incertezas geopolíticas, ciclos monetários imprevisíveis e aumento da volatilidade cambial, o ouro voltou a ganhar protagonismo no portfólio, como instrumento de proteção patrimonial, especialmente para a alta renda
A demanda pelo metal reflete um movimento que também é observado entre bancos centrais, que vêm ampliando suas reservas como forma de defesa sistêmica diante de riscos geopolíticos e cambiais.
Para Elias Wiggers, assessor de wealth management da EQI Investimentos, o ouro cumpre a função de hedge de portfólio — mas sua alocação deve ser estratégica. Segundo ele, a exposição ideal varia entre 5% e 10% da carteira, com preferência por ativos de alta liquidez, como ETFs e fundos lastreados no metal.
“O motivo para utilizarmos ouro é o mesmo que tem levado bancos centrais do mundo inteiro a aumentar posição: diminuir a dependência do dólar e proteger o portfólio em meio aos atuais ruídos geopolíticos, fiscais e políticos”, explica Wiggers.
Segundo ele, o metal volta ciclicamente a ganhar relevância sempre que cresce a percepção de risco no mundo e de desvalorização monetária.
Por que o ouro se mantém como proteção clássica?
Historicamente, o ouro é visto como reserva de valor. Mesmo sem gerar fluxo de caixa como empresas ou títulos de renda fixa, ele atravessou séculos como instrumento de proteção em momentos de instabilidade econômica.
“O ouro tem valor intrínseco, tem lastro. É um metal raro, difícil de ser obtido e com múltiplas aplicações, especialmente na indústria. Além disso, seu valor não depende de um governo, de um político ou de um banco central específico. Essa independência é o que faz do ouro um ativo atrativo há milênios”, afirma Wiggers.
A busca por proteção patrimonial aumenta em momentos de estresse financeiro. Com as tensões no Oriente Médio, guerra na Ucrânia, polarização política global e endividamento recorde dos Estados Unidos, o metal se fortaleceu recentemente como alternativa contra incertezas macroeconômicas. Em 2025, a onça-troy chegou a ultrapassar US$ 4 mil, acumulando valorização recorde.
Qual a porcentagem ideal de ouro na carteira?
A pergunta central não é se vale a pena comprar ouro, mas quanto ter na carteira.
Grandes investidores, como Ray Dalio, já defenderam alocações de até 15% em ouro para proteção contra desequilíbrios estruturais.
Para a realidade brasileira, porém, Wiggers defende uma abordagem mais equilibrada: “O hedge tende a ser uma posição menor, entre 5% e 10%. Entendo que seja uma alocação adequada para carteiras de alta renda”.
Ele reforça que posições muito pequenas não cumprem o papel de proteção. “Alocar 1%, 2% ou 3% não adianta. Com 3%, por exemplo, o ouro precisaria valorizar 40% para gerar impacto real de proteção. Isso não faz sentido em termos de portfólio. Por isso trabalhamos mais próximos de 10%”, declarou.
A ideia é que o ouro tenha peso suficiente para suavizar crises, sem comprometer a performance de longo prazo da carteira.
Ouro é proteção tática — não estratégia principal
Embora muitos investidores associem ouro a uma reserva permanente, Wiggers faz um alerta: a posição deve ser tática, não estrutural.
“Normalmente o que motiva a alocação em ouro é a proteção da carteira em momentos específicos. É uma posição tática, de resposta a risco e incerteza”, explica.
Segundo ele, o ouro tende a perder força em períodos de normalização dos mercados.
“No meu entendimento, ele é muito mais cíclico do que uma estratégia perene de longo prazo. Vai depender do humor dos mercados. Se os ruídos geopolíticos diminuírem e a confiança econômica retornar, a alocação em ouro naturalmente cai”, afirma.
Ou seja, não se trata de um ativo que compõe permanentemente a base de uma carteira — mas de um instrumento para momentos de estresse e desequilíbrio monetário.
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ETF ou ouro físico? Liquidez é o que importa
Para investidores sofisticados, o debate mais relevante não é sobre possuir ouro, mas qual instrumento usar. Wiggers é claro: liquidez é prioridade.
“A liquidez do ativo é muito maior quando falamos de um ETF ou fundo do que no ouro físico. No ETF, na hora de se desfazer, você simplesmente vende na corretora pelo preço de tela. Já o ouro físico exige encontrar comprador, negociar com ourives, tem spread, tem logística. É ineficiente”, destacou.
Entre os instrumentos mais usados na alta renda estão:
- ETFs de ouro como GOLD11 e AURO11;
- Fundos lastreados em ouro com custódia internacional;
- ETFs offshore, como GLD e IAU (opção para quem já tem estrutura internacional).
Wiggers resume: “Quando falamos de carteira profissional, liquidez vem antes do romantismo do ouro físico”.
Ouro, dólar ou Treasuries? Não é uma disputa — é combinação
Outra dúvida comum entre investidores é: se eu comprar ouro, ainda preciso ter dólar? A resposta é sim. Segundo Wiggers, esses ativos não competem entre si — eles se complementam como proteção.
“O mecanismo de proteção ideal para um investidor brasileiro é conjugado. Nós trabalhamos com a combinação de ouro, títulos americanos e dólar. Uma exposição total entre 10% e 20% em ativos de proteção faz sentido”, afirma.
Na prática, ele sugere dividir a blindagem em três frentes:
Ativo | Função |
Ouro | Proteção contra eventos extremos e desvalorização monetária |
Dólar | Redução do risco Brasil e hedge cambial |
Treasuries | Segurança e previsibilidade em crises globais |
Por que muitos investidores ainda resistem ao ouro
Mesmo com todas as vantagens, Wiggers observa que muitos investidores brasileiros ainda têm resistência ao metal.
“O investidor brasileiro, na raiz, ainda é avesso à volatilidade. Cerca de 70% dos investidores no país não gostam de ativos que oscilam. Na alta renda isso melhorou, mas mesmo assim pelo menos 50% ainda são conservadores”, alertou.
Segundo ele, essa aversão aparece sempre que há queda momentânea no ouro.
“Quando o ouro começa a cair, o cliente pergunta: ‘por que não vendemos?’. Só que o ouro é parte de uma estratégia. Ele faz sentido justamente quando outras coisas não fazem. Não é para entregar retorno, é para entregar proteção”, explica.
Ainda vale comprar ouro agora?
Para Wiggers, sim. “Enquanto não cessarem os ruídos geopolíticos e toda a incerteza das economias globais, o ouro vai continuar atrativo”, afirma.
Ele reforça que a EQI vem ajustando posições mensalmente nas carteiras de alta renda: “Ainda dá para montar posição em ouro. Estamos calibrando o portfólio continuamente.”
A recomendação é clara: quem não tem exposição está desprotegido. Quem já tem ouro na carteira deve manter a posição como hedge, não como aposta direcional.