Se há uma história surpreendente, de idas e vindas, é a do BTG Pactual (BPAC11), cuja criação remonta aos anos 1980. A própria sigla – BTG – é uma referência a esse percurso, pois corresponde à abreviação da expressão em inglês back to the game (“de volta ao jogo”).
O livro De Volta ao Jogo – A história de sucesso, dramas e viradas do BTG Pactual relata, com apuro de reportagem, a trajetória de ascensão, queda e retorno do maior banco de investimentos da América Latina. Com base em mais de cem entrevistas e extensa pesquisa, a autora, a jornalista Ariane Abdallah, reconstrói as origens do banco nos anos 1980, os embates por liderança, os escândalos, as fusões e as transformações que moldaram o BTG Pactual contemporâneo.
Dois nomes marcam a narrativa: Luiz Cezar Fernandes, fundador da geração inicial, e André Esteves, que ingressou no banco como estagiário e liderou a fase de retomada. A autora mostra como eles personificam visões opostas — o “rolo compressor” de Fernandes e o “nerd cerebral” de Esteves — em um ambiente de forte pressão, competição intensa e meritocracia.
A meritocracia implementada no banco era extrema: “Você teve uma vida boa até agora, vai querer se matar de trabalhar?”, era o tipo de pergunta usada como filtro, segundo relatos citados por Abdallah.

De volta ao jogo: Pactual e o começo com Guedes, Jakurski e Fernandes
A história do BTG Pactual começa no Rio de Janeiro, nos anos 1980, quando um banqueiro autodidata, um trader talentoso e um economista de formação acadêmica sólida decidiram fundar uma distribuidora de valores mobiliários. O que começou como um pequeno empreendimento se transformaria, com o tempo, em um dos maiores bancos de investimento da América Latina, reconhecido por suas apostas certeiras e pela capacidade de reter talentos em um setor altamente competitivo.
Ao longo das décadas seguintes, a trajetória do BTG foi marcada por fusões, disputas internas e negociações agressivas. O banco atravessou crises econômicas e políticas do país com um diferencial notável: não apenas resistia às turbulências, mas conseguia lucrar com elas. Essa postura ousada o levou a cruzar caminhos com gigantes globais, como o Goldman Sachs, e a ser adquirido pelo suíço UBS — antes de retornar ao controle brasileiro, em uma das reviravoltas mais emblemáticas da história corporativa nacional.
Com base em mais de cem entrevistas e ampla pesquisa, a jornalista Ariane Abdallah reconstrói essa trajetória em uma narrativa que expõe os bastidores do poder financeiro. No centro da história estão Luiz Cezar Fernandes e André Esteves, representantes de duas gerações de banqueiros que chegaram ao topo do mercado. O relato revela um universo em que ambição, ego e influência política se entrelaçam, compondo um retrato intenso das forças que moldaram o sistema financeiro brasileiro contemporâneo.
“O livro traz vários episódios inéditos. Mesmo em histórias já conhecidas, ele apresenta novos elementos, aprofundamentos e esclarecimentos”, explica a autora.
Logo no início de suas atividades, o Pactual se destacou por uma política de meritocracia inovadora para a época, na qual os melhores funcionários eram convidados a se tornarem sócios da companhia. A autora traz à tona histórias tão detalhadas que alguns personagens chegaram a admitir não se lembrar de certos episódios.
“Uma vez, um deles me disse: ‘você sabe da história mais do que eu, que estava lá’”, contou Abdallah.
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A cultura de desempenho que moldou o poder
O domínio do BTG Pactual no mercado financeiro brasileiro não nasceu por acaso, mas de uma cultura institucional profundamente enraizada. Segundo a autora, o embrião dessa mentalidade competitiva surgiu em 1983, com a fundação do banco. Desde o início, a instituição implementou um modelo de meritocracia rígido, baseado em avaliações de desempenho que ofereciam aos funcionários a possibilidade de se tornarem sócios. O objetivo era claro: atrair as mentes mais brilhantes, independentemente de sua origem profissional, e recompensar quem entregasse resultados.
Esse ambiente de disputa e ambição refletia a própria visão de mundo de seus principais protagonistas. Os sócios fundadores — Luiz Cezar Fernandes, Paulo Guedes e André Jakurski —, além de André Esteves, representam duas gerações marcadas pela busca incessante por poder e protagonismo. Todos foram entrevistados por Abdallah para a obra que reconstitui a trajetória do banco.
Na narrativa da autora, Luiz Cezar surge como uma figura intensa — entusiasmado, caótico e excessivamente confiante. Sem seguir padrões tradicionais de formação, era conhecido por insistir até a exaustão em suas ideias e por reagir mal a discordâncias. Sua personalidade explosiva, embora decisiva para o crescimento inicial do Pactual, também contribuiu para sua queda.
Em 1999, endividado, Cezar foi forçado a vender sua participação no banco que ajudara a fundar. Anos depois, enfrentando nova crise financeira, buscou ajuda justamente de seu antigo estagiário, André Esteves, para evitar o leilão de sua propriedade mais simbólica: a Fazenda Marambaia, em Petrópolis (RJ), com 2,5 milhões de metros quadrados. Esteves aceitou intervir — um gesto que ilustra a complexa relação entre mestre e discípulo em uma história marcada por poder, ambição e ironias do destino.
O subprime e o surgimento do BTG
A trajetória de André Esteves ganhou um novo capítulo em 2006, quando ele teve papel decisivo na venda do Pactual ao suíço UBS. Dois anos depois, em meio à crise global do subprime, Esteves foi convidado a integrar o banco europeu em Londres, assumindo a liderança da divisão global de renda fixa — uma posição de destaque no cenário financeiro internacional.
A integração entre o UBS e o Pactual, no entanto, revelou-se turbulenta. Diferenças culturais e de gestão criaram atritos entre as equipes: de um lado, a formalidade e rigidez dos suíços; de outro, o estilo dinâmico e informal dos brasileiros. O choque de mentalidades acabou levando Esteves a deixar o grupo e iniciar um novo projeto ao lado de antigos parceiros.
Foi em 2008, em pleno colapso dos mercados, que nasceu o BTG. O plano de Esteves era ousado: aproveitar a desvalorização de ativos provocada pela crise para recomprar o Pactual. A estratégia se concretizou no ano seguinte, marcando o retorno triunfal do banco às mãos brasileiras e o surgimento do BTG Pactual — instituição que, em pouco tempo, se consolidaria como o maior banco de investimentos da América Latina.
Quem é André Esteves
Criado pela mãe e pela avó, André Esteves iniciou sua vida acadêmica com um objetivo simples, mas determinante: conseguir um emprego. Em um país marcado pela crise econômica dos anos 1980, o jovem carioca via no mercado de trabalho uma meta quase inatingível.
“Era um ambiente econômico horroroso. Ter um emprego era o mais importante, era o que todo mundo queria. Empreender era um delírio na época”, relembrou Esteves durante um evento promovido pela Fiesp.
Apesar de nutrir múltiplos interesses, as limitações financeiras da família o obrigaram a ser pragmático. Ele precisava de uma universidade pública e de um curso que oferecesse boas chances de inserção profissional.
“Eu era bom aluno e gostava de muita coisa. Mas fui fazer matemática porque tinha emprego. Eu tinha que entrar em uma faculdade que não precisasse pagar e ela tinha que ser boa”, contou.
A escolha o levou à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde ingressou no curso de Matemática com ênfase em Informática — uma área que despontava como promissora no Brasil da época. Ainda estudante, conseguiu o primeiro trabalho dentro da própria universidade, mas logo percebeu que precisava ampliar seus horizontes.
Foi então que o acaso se tornou decisivo. Ao ler um anúncio em um jornal, descobriu que um banco de investimentos estava recrutando jovens talentos. Sem saber exatamente o que era uma instituição desse tipo, decidiu se arriscar.
“Eu não fazia ideia do que era um banco de investimentos, mas coloquei minha melhor roupa e fui”, recorda.
Aquele passo impulsivo marcaria o início de uma das trajetórias mais emblemáticas do mercado financeiro brasileiro — a do estagiário que se tornaria dono do BTG Pactual.





