Uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino abriu uma nova frente de tensão entre o Judiciário brasileiro e o sistema financeiro global. O magistrado determinou que ordens, leis e sanções emitidas por governos estrangeiros só terão validade no Brasil após homologação pela Justiça nacional.
A medida, embora tenha origem em um processo envolvendo o setor de mineração, é interpretada no mercado como uma tentativa de blindar autoridades brasileiras de sanções externas, como a Lei Magnitsky, que atinge o também ministro do Supremo, Alexandre de Moraes. No entanto, bancos consideram a determinação “impossível de ser cumprida” na prática.
Flávio Dino e a Lei Magnitsky: “Não tem como ignorar”
De acordo com o colunista Lauro Jardim, de O Globo, o diretor de um dos maiores bancos do país afirmou que as instituições financeiras estão de mãos atadas diante das normas emitidas por órgãos de controle norte-americanos, como o Departamento do Tesouro dos EUA.
“Não tem a menor possibilidade de um banco brasileiro ignorar essas determinações. Quem manda é a OFAC, e não o STF”, disse, em referência ao Office of Foreign Assets Control, que administra sanções internacionais.
O executivo lembrou que os bancos brasileiros utilizam infraestrutura e serviços de empresas norte-americanas. Caso desrespeitem as sanções, correm o risco de perder acesso imediato a contratos essenciais, sistemas de compensação em dólar e até mesmo à possibilidade de realizar transações internacionais.
“Essa decisão do ministro Dino é ‘incumprível’. Os bancos vão acabar cumprindo as sanções, queira ele ou não”, concluiu.
O que decidiu Flávio Dino
Na decisão que gerou repercussão, Dino estabeleceu que leis estrangeiras, atos administrativos e ordens executivas não têm efeito automático no Brasil. Para valerem no território nacional, precisam ser previamente homologados pelo STF.
O ministro argumentou que aceitar a aplicação imediata dessas medidas equivaleria a submeter o Brasil à jurisdição de outro Estado, o que representaria uma violação da soberania nacional. Segundo ele, restrições de direitos, bloqueios de ativos e cancelamentos de contratos impostos por autoridades de fora só podem ser implementados no país com autorização judicial brasileira.
Esse entendimento atinge em cheio a aplicação da chamada Lei Magnitsky, utilizada por Washington para sancionar indivíduos acusados de violações de direitos humanos e corrupção. Pela lógica de Dino, nenhuma sanção determinada pelos EUA poderia ser automaticamente cumprida no Brasil — inclusive aquelas que já afetam autoridades brasileiras de alta projeção.
Impacto direto sobre autoridades
A polêmica ganhou contornos políticos porque, na prática, um ministro do STF já sofre efeitos dessas restrições. Hoje, Alexandre de Moraes não consegue realizar operações em dólar, tampouco utilizar cartões de crédito internacionais das principais bandeiras, como Visa, Mastercard e American Express. Também está limitado em investimentos que envolvam ativos nos Estados Unidos.
Bancos avaliam que tais restrições tendem a se expandir, caso novas medidas sejam decretadas em Washington. O risco, segundo executivos do setor, é que até mesmo contas em território brasileiro possam ser bloqueadas por determinação externa, sem que haja espaço para recurso junto à Justiça nacional.
Conflito de soberanias
A decisão de Dino foi fundamentada no argumento de que a submissão do Brasil a determinações de tribunais ou governos estrangeiros comprometeria a soberania nacional. Segundo ele, atos unilaterais de outros países não podem impor sanções a cidadãos ou empresas brasileiras sem passar pelo crivo da Justiça.
A tese, defendida por juristas ligados ao governo, busca criar um escudo jurídico contra interferências externas. Porém, no mundo financeiro, prevalece a avaliação de que a pressão internacional é mais forte do que qualquer decisão doméstica.
“Enquanto a ordem for emitida por órgãos de fora, os bancos daqui não terão alternativa”, afirmou outro executivo ouvido por Lauro Jardim.
Alerta ao sistema financeiro
Ciente do impasse, Dino determinou que Banco Central, Febraban e outras entidades do setor fossem notificadas de sua decisão. Na prática, porém, analistas avaliam que a medida cria insegurança jurídica sem resolver o problema central: o alcance global das sanções e a dependência brasileira da infraestrutura financeira norte-americana.
“Não adianta fingir que a sanção não existe. O sistema financeiro internacional vai continuar cobrando obediência imediata. É uma situação em que o Brasil pouco pode fazer”, disse um especialista em regulação bancária.
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