Um estudo baseado em dados do Ministério do Desenvolvimento Social e do IBGE indica que cerca de 1,4 milhão de famílias brasileiras podem estar omitindo o cônjuge para continuar recebendo o Bolsa Família, programa social voltado à população de baixa renda. A estimativa, feita pela empresa DataBrasil a pedido do site Poder360, é considerada conservadora — o número real de fraudes pode ser bem maior.
A manobra é simples: ao declarar uma composição familiar incompleta, muitas vezes sem mencionar o marido ou a esposa que tem renda formal, beneficiários conseguem se enquadrar nos critérios de renda exigidos pelo programa, que estabelece limite de R$ 218 por pessoa, conforme a Lei nº 14.601/2023. Isso pode significar que famílias inteiras estejam burlando as regras e recebendo indevidamente o recurso.
O impacto financeiro das omissões
A possível fraude do Bolsa Família, além de ferir princípios de justiça social, representa um rombo nos cofres públicos. Segundo os cálculos da DataBrasil, os pagamentos mensais indevidos a essas 1,4 milhão de famílias somam cerca de R$ 926 milhões, o que resulta em um custo anual estimado de R$ 11,1 bilhões.
Esse montante poderia ser destinado a outras famílias que realmente necessitam do benefício ou até a outros programas sociais. A situação também reforça a urgência por aperfeiçoamento nos mecanismos de fiscalização e cruzamento de dados, como defende a professora Carla Beni, da FGV.
Como a fraude é praticada no Bolsa Família?
As estratégias variam: em alguns casos, pais e mães que vivem sob o mesmo teto declaram viver separadamente, cada um como responsável por uma família unipessoal. Outros simplesmente forjam endereços diferentes ou deixam de informar a existência de companheiro(a) com renda formal.
Um caso simbólico é o de Guaribas (PI), onde há 151 domicílios monoparentais, segundo o IBGE, mas 617 famílias foram registradas como tal no cadastro do Bolsa Família — uma diferença de 466 registros com indícios de fraude.
Desafios da fiscalização do Bolsa Família
Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, a responsabilidade pelo cadastro e atualização das informações do Bolsa Família é dos municípios. Quando há denúncias de fraude, o MDS notifica as prefeituras para que investiguem, seguindo os procedimentos da Instrução Normativa nº 1/SAGICAD/MDS, de março de 2025.
Apesar dos esforços, a fiscalização presencial ainda é limitada. De janeiro de 2024 a março de 2025, apenas 1,19 milhão de famílias passaram por visitas domiciliares para validação ou atualização de cadastro — número insuficiente diante dos mais de 20 milhões de beneficiários ativos.
Outro obstáculo é a falta de endereços formais, principalmente em áreas de vulnerabilidade social, o que dificulta rastreamentos por CEP. Para Carla Beni, a solução passa por um cruzamento rigoroso de CPFs entre bases como o próprio Bolsa Família, o Pé-de-Meia e o Benefício de Prestação Continuada.
Atenção ao risco de estigmatização
Apesar das fraudes, especialistas como Beni alertam contra a generalização. “A gente não pode pegar uma fraude e inviabilizar o todo, Há um desejo de parte da sociedade de querer inviabilizar o programa”, afirma. Atualmente, 11,3 milhões das 20,5 milhões de famílias atendidas se declaram monoparentais. Já os dados do IBGE apontam 15,1 milhões de domicílios nessa configuração, o que indica que 74,9% dessas famílias estão no programa — contra 25,3% da população em geral.
A disparidade levanta dúvidas, mas não permite condenações sem investigação detalhada. “Você precisa refinar os processos e corrigir rotas, justamente para que você possa dar esse programa específico – o Bolsa Família – , ou seja ele qual for, para o maior número de famílias necessitadas de uma forma eficiente”, conclui a pesquisadora.
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