O quanto a inteligência artificial (IA) já avançou no mercado financeiro e qual o risco de as máquinas substituírem os humanos nas recomendações de investimentos?
“… Criará esquecimento no aprendiz, porque eles não usarão suas memórias… e não transmitirá a verdade, mas apenas a aparência da verdade… aqueles que a adotarem parecerão ser oniscientes e geralmente não saberão nada, uma demonstração de sabedoria sem realidade” – disse Platão, sobre o surgimento da linguagem escrita.
Nos últimos anos, diversos setores têm passado por profundas transformações com a adoção de processos estatísticos mais sofisticados, principalmente os baseados em modelos de aprendizado de máquinas e redes neurais.
A este arcabouço, foi dado o nome de inteligência artificial, pela capacidade desses modelos aprenderem com novas informações. Não tem sido diferente nos investimentos e diversos processos têm sido substituídos por modelos mais sofisticados.
Enquanto alguns adotam cada vez mais modelos de IA em processos de seleção de ativos, outros temem pela substituição do trabalho do ser humano por futuros robôs. Conforme as IA’s vão ficando cada vez mais sofisticadas, esse temor cresce.
Inteligência artificial no mercado financeiro: tirando o trabalho robótico do ser humano
No universo dos investimentos, a principal indagação é se as máquinas vão substituir os humanos nas recomendações de investimentos e no processo de alocação de recursos.
Em todas grandes revoluções industriais, ocorreu um aumento de trabalhos em termos líquidos e foram observadas melhoras nos padrões de vida da população. Desde a mecanização, passando pela produção em massa, computação e sistemas ciber-físicos, as tarefas manuais foram deslocadas e conhecimento e habilidades de relacionamento se tornaram mais apreciadas.
No processo transformacional do trabalho, o artesão foi transformado em operador de máquina. O operador de máquina, em engenheiro mecatrônico. O engenheiro mecatrônico em cientista de dados. Humanos sempre foram necessários para operar, interpretar e analisar dados e processos que a tecnologia produziu.
O que temos observado recentemente é que os processos de automação e o uso da IA tem tirado o trabalho robótico do ser humano. Como disse Leslie Willcocks, professor da London School of Economics, “isso tira o robô do humano”.
Veja o exemplo de um garoto de 18 anos que está prestes a tirar sua carteira de motorista. Basicamente, ele precisa conhecer um conjunto de regras e um pouco de prática. Não é muito complicado seguir um conjunto de regras e adquirir prática. Então, de certa forma, parece ser uma atividade facilmente replicada pela IA.
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Inteligência artificial no mercado financeiro: previsibilidade complicada para humanos
Acontece que no mundo dos investimentos, apesar de termos diversos modelos de investimento, desenvolvidos desde a década de 50, não temos um manual de regras propriamente dito.
A dinâmica do mercado pode até ser fácil de entender, mas a previsibilidade é extremamente complicada para um humano.
Nos últimos anos, diversas ferramentas de outras ciências, como a física, têm sido usadas para tomada de decisões de investimento de maneira mais sistemática.
Os gestores de portfólio ainda não têm à sua disposição uma metodologia mágica para entregar retornos esperados com 100% de certeza.
Como dito, a complexidade dos mercados torna a previsibilidade algo distante da capacidade de um ser humano ou de uma IA.
Nesse sentido, a IA se torna uma ferramenta para aprofundar mais o entendimento sobre o mercado e não replicar o trabalho do ser humano. A incerteza ainda manterá o ser humano à frente da gestão de recursos.
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IA prevendo movimentos de mercado
No mercado financeiro, em geral, ganha-se dinheiro com algo que ainda não foi percebido por outros participantes.
Algumas gestoras quantitativas desenvolvem, então, algoritmos e ferramentas de arbitragem estatística para preverem movimentos de mercado, principalmente os de curtíssimo prazo.
Alguns desses modelos funcionam inicialmente, mas a adoção dessas ferramentas por competidores cria um efeito de “superlotação” e a estratégia adotada perde sua vantagem competitiva.
Este fenômeno não é apenas uma questão de saturação do mercado, mas também levanta preocupações sobre a estabilidade do sistema financeiro. Estratégias que exploram pequenas ineficiências de mercado podem, quando superlotadas, levar a movimentos de mercado exagerados e até mesmo a crises de liquidez, conforme demonstrado por episódios de volatilidade do mercado no passado.
Além disso, a dependência excessiva de modelos quantitativos pode levar a uma homogeneização da tomada de decisões, onde reações em cadeia são desencadeadas por algoritmos operando sob premissas similares.
Para mitigar o risco de superlotação, gestores de investimentos devem enfatizar a inovação contínua e o desenvolvimento de estratégias únicas. Isso envolve não apenas a exploração de novos conjuntos de dados e técnicas analíticas, mas também a consideração de insights comportamentais e macroeconômicos que podem oferecer uma perspectiva diferenciada.
Cérebro humano: o mais potente dos computadores
A diversificação de estratégias, ao invés da concentração em abordagens comuns, pode ajudar a preservar a eficácia das táticas quantitativas e sustentar a vantagem competitiva ao longo do tempo.
Da mesma forma, as metodologias de aprendizado de máquina e redes neurais, em seus processos sofisticados de aprendizado, começam a criar ajustes em intensidades maiores e a encontrarem padrões sem sentido, que não são sustentáveis em um horizonte tão longo.
Esse tipo de modelo precisará de constante aprimoramento, atualizações, ajustes e inovações adicionais. Esse tema fica ainda mais sensível quando utilizamos dados financeiros como preço dos ativos, volatilidade e outras variáveis com um horizonte muito longo e que podem perder o sentido anos depois.
Só o mais potente computador de todos, o cérebro humano, é capaz de ser criativo, crítico e desenvolver novas tecnologias. O desenvolvimento dessas novas tecnologias foi proposto por seres humanos para torná-los mais produtivos. Logo, para manter uma vantagem competitiva utilizando IA em alocação de recursos, o pensamento criativo será o diferencial.
Mas será possível automatizar a criatividade?
Entender os modelos básicos de Markovitz, como é ensinado nas escolas de economia e finanças, não será mais suficiente para um gestor de portfólio.
Os fundos multimercados e as tesourarias de bancos talvez não precisem mais de analistas para tomar decisões básicas. Mas, por outro lado, precisarão de engenheiro de dados para automatizar tarefas e cientistas e pesquisadores para trazer inovação na tomada de decisões, tornando o investimento mais sistemático.
Em suma, a jornada da inteligência artificial no setor financeiro é uma demonstração de como a tecnologia, enquanto ferramenta de avanço, não pode e não deve substituir o ingrediente mais crítico para o sucesso em investimentos: a criatividade e a intuição humanas.
Apesar de as máquinas poderem processar, analisar e até prever tendências com base em vastos volumes de dados, elas permanecem incapazes de replicar a capacidade humana para a inovação genuína e para a tomada de decisões estratégicas sob condições de incerteza profunda.
Portanto, em vez de visualizar a inteligência artificial como um substituto para o discernimento humano, devemos vê-la como um complemento que amplifica nossas habilidades, permitindo-nos alcançar novos patamares de compreensão e eficiência.
Vantagem competitiva: criatividade e estratégia
A verdadeira vantagem competitiva no mercado financeiro futuro não recairá sobre quem possui a tecnologia mais avançada, mas sobre quem pode mesclar de forma mais eficaz a análise sofisticada de dados com a percepção criativa e estratégica que só a mente humana pode oferecer.
Nesse cenário, a colaboração entre humanos e máquinas não apenas eleva o potencial para inovações disruptivas, mas também assegura um mercado mais dinâmico, resiliente e inclusivo!
Por Luciano França, economista e sócio-fundador da Avantgarde Asset Management, gestora especializada em fundos de investimento sistemáticos.
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