Há exatamente um ano, em 11 de janeiro de 2023, a Americanas (AMER3), uma das gigantes do varejo brasileiro, anunciava ao mercado “inconsistências contábeis” que abalariam suas estruturas nos meses seguintes, marcando o início do maior escândalo corporativo do Brasil.
No fechamento do pregão da Bolsa de Valores, a empresa divulgou que havia identificado irregularidades em seus balanços corporativos, estimando um rombo de cerca de R$ 20 bilhões. Esse episódio, que deflagrou uma série de eventos, levou a Americanas a entrar em colapso, enfrentando uma crise sem precedentes.
No dia seguinte, os investidores entraram em pânico, instituições financeiras colocaram os papéis da empresa em leilão, e ao final do pregão de 12 de janeiro de 2023, as ações da Americanas haviam despencado quase 80%, registrando a maior queda diária de uma empresa de capital aberto no país desde 2008.
Maior escândalo corporativo do Brasil: origem do problema
A origem do problema, segundo o ex-presidente da empresa, Sergio Rial, estava em operações de risco sacado, uma linha de crédito que envolvia uma triangulação entre empresa, fornecedores e instituições financeiras. A Americanas contratou o risco sacado, mas não registrou adequadamente essas operações em seus balanços, ocultando seu verdadeiro grau de endividamento.
Em junho de 2023, a empresa mudou o tom, passando a classificar o episódio como “fraude”. Leonardo Coelho Pereira, o novo CEO, afirmou perante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) formada na Câmara que a fraude envolvia inflar resultados por meio de contratos fraudulentos de verbas de publicidade.
CPI e troca de acusações
A CPI da Americanas, instalada na Câmara dos Deputados, ouviu depoimentos explosivos. Coelho Pereira acusou diretorias anteriores de fraude, exibindo documentos que revelavam os resultados inflados da empresa. No entanto, a CPI encerrou-se sem apontar responsáveis pelo rombo contábil.
O primeiro ano pós-revelação foi marcado por intensas trocas de acusações entre a nova e antiga diretoria. Em setembro de 2023, a Americanas apresentou documentos atribuindo ao ex-CEO Miguel Gutierrez conhecimento sobre as irregularidades, acusações rebatidas por ele.
Balanços financeiros revisados
Em novembro, a empresa divulgou balanços revisados, apontando um prejuízo de R$ 6,237 bilhões em 2021 e R$ 12,912 bilhões em 2022. Os resultados revisados mostraram um aumento de 104% nas perdas entre esses dois anos.
Recuperação judicial
O último capítulo do caso em 2023 foi a aprovação do plano de recuperação judicial. O plano prevê a capitalização da Americanas em R$ 24 bilhões, com R$ 12 bilhões injetados pelos acionistas de referência. Credores devem converter R$ 12 bilhões em ações.
A empresa aguarda a homologação do plano para iniciar o pagamento de dívidas e a capitalização.
O que vai acontecer com a Americanas de agora em diante?
A Americanas considera 2023 como o ano mais desafiador de sua história e projeta uma nova fase em 2024. A empresa busca reconquistar a confiança dos parceiros e fornecedores, reformatar modelos de lojas, revisar sistemas logísticos e iniciar a reconstrução operacional e financeira após a homologação do plano de recuperação judicial.
O desfecho desse escândalo bilionário continua a ser acompanhado de perto, enquanto a Americanas busca se reerguer e deixar para trás o período mais conturbado de sua trajetória.
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História da Americanas (AMER3)
Com uma trajetória de 94 anos, a Americanas foi fundada em 3 de setembro de 1929, na cidade de Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, pelo austríaco Max Landesmann e pelos americanos John Lee, Glen Matson, James Marshall e Batson Borger.
A ideia inicial do grupo estrangeiro era abrir uma loja nos moldes da Five and Ten Cents, em Buenos Aires, Argentina. Entretanto, durante uma viagem, conheceram os brasileiros Aquino Sales e Max Landesman, que os convenceram a explorar o Rio de Janeiro.
No Rio, os fundadores perceberam que havia uma lacuna no mercado, com muitos funcionários públicos e militares com renda estável, mas poucas opções de lojas populares. As existentes ofereciam mercadorias caras e especializadas, exigindo que as donas de casa visitassem diversos estabelecimentos para suas compras. Essa lacuna inspirou a criação da Lojas Americanas, cujo primeiro slogan foi “nada além de 2 mil réis”.
Cerca de 50 anos depois, na década de 1980, a Americanas foi adquirida pelo trio Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, enquanto ainda estavam à frente do Banco Garantia. Com o intuito de reverter prejuízos, eles se inspiraram no modelo do Walmart, reestruturaram a operação e, rapidamente, a empresa voltou a ser lucrativa.
No final dos anos 1990, a Americanas se destacou ao tornar-se uma das primeiras lojas online do Brasil. A compra do domínio americanas.com em 1999 e o lançamento oficial do site em 2000 marcaram sua entrada no comércio eletrônico. Com a popularização da internet, a empresa ampliou sua presença adquirindo Shoptime e Ingresso.com em 2005, seguido pelo Submarino em 2006, levando à criação da B2W, uma das maiores empresas de comércio eletrônico da América Latina.
No entanto, após um período de crescimento exponencial, a Americanas enfrentou desafios. Em 2011, indicativos de crise surgiram com aumento da concorrência online e dificuldades operacionais, incluindo atrasos nas entregas, o que resultou em resultando em multa judicial.
A empresa buscou soluções, como o aumento de capital da B2W em 2011. Apesar disso, um prejuízo líquido de R$ 83,2 milhões foi registrado no mesmo ano.
Em 2021, a B2W anunciou a combinação de operações com a Lojas Americanas, formando Americanas S.A.
Com a fusão, o trio de sócios da 3G abriu mão do controle societário da empresa depois de 40 anos. E se tornaram apenas “acionistas de referência”, sem deter mais do que 50% do capital votante — estrutura mantida até o momento.
Em setembro de 2022, Miguel Gutierrez, CEO por quase 30 anos, deixou a empresa, sendo substituído por Sérgio Rial.
Em apenas 11 dias no cargo, Rial revelou o rombo de R$ 20 bilhões, desencadeando uma crise considerada o maior escândalo corporativo do Brasil, que levou a empresa a um processo de recuperação judicial.