A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) divulgou nesta semana um parecer com orientações para processos de abertura de capital (IPO) pelas Sociedades Autônomas do Futebol (SAF), a nova estrutura empresarial adotada por alguns clubes de futebol do Brasil desde 2021.
As IPO das SAF podem ser a maneira de atrair torcedores para participar diretamente do mercado junto a seus clubes, com aquisição de ações e, eventualmente, direitos sobre a gestão. Ao redor do mundo, vários grandes clubes têm seu capital aberto.
Hoje, o Brasil já tem 24 clubes que aderiram ao formato de SAF, seis deles na Série A do Campeonato Brasileiro, entre eles o Botafogo, líder e principal candidato ao título da atual edição do torneio. Além dele, a lista tem ainda Bahia, Coritiba, Cruzeiro, Cuiabá e Vasco. O Red Bull Bragantino também é um clube-empresa, mas com gestão da empresa de energéticos desde antes do novo modelo. Por ora, contudo, nenhum deles até agora falou abertamente na abertura de capital.
O formato de SAF permite aos clubes entregar a gestão do futebol profissional a um grupo privado, sob um CNPJ diferente da entidade associativa original. Além da gestão, o grupo controlador assume os ativos (jogadores sob contrato e recebíveis de patrocínios e direitos de TV) e, em troca, serve como garantidor dos passivos (em geral, dívidas de grande porte, muitas delas com vencimentos próximos e taxas altas).
Parte do faturamento da SAF deve ser destinado, inclusive, ao pagamento dessas dívidas. Os acordos para a aquisição do controle também devem prever mecanismos para a quitação dos débitos e outras compensações.
Para que um clube possa se tornar SAF, os seus dirigentes, a partir de detalhes estatutários, devem buscar entre sócios e conselheiros a aprovação para o processo de criação da nova pessoa jurídica, para depois proceder a venda de controle aos investidores.
IPO das SAF: recepção pelo mercado
O presidente da CVM, João Pedro Nascimento, afirmou que “lugar de futebol também é no mercado de capitais”. “A função econômica essencial do mercado de capitais é a de conectar tomadores e poupadores de recursos. As SAF, como as companhias em geral, dispõem de múltiplos instrumentos que permitem a captação de recursos da poupança popular e, com isso, concretizar planos de reestruturação de dívidas e de financiamento de projetos de investimento no âmbito da indústria do futebol”, afirmou o gestor.
O parecer aponta que o capital social da SAF deverá ser formado com contribuições em dinheiro ou em bens suscetíveis de avaliação em dinheiro, nos termos do art. 7º da Lei das Sociedades por Ações, e recomenda recomenda a contratação de profissionais registrados como auditores independentes na CVM para atuar na avaliação dos ativos e passivos transferidos à sociedade.
A SAF que se registrar na CVM como companhia aberta deverá contar com uma classe específica de ação ordinária, denominada em sua legislação própria de Classe A, para subscrição exclusiva pelo clube ou pessoa jurídica original constituinte (da SAF), e poderá criar outra classe da ação que não se confunda com a Classe A para subscrição por qualquer outro tipo de investidor.
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Em relação aos negócios celebrados em mercados regulamentados de valores mobiliários, bem como no que diz respeito a possíveis repercussões sobre a formação da vontade das SAF, a CVM partirá do entendimento de que as ações da Classe A não podem ser alienadas a terceiros.
Como parte da lei das SAF, o acionista controlador de uma SAF não poderá deter participação, direta ou indireta, em outra SAF dentro do Brasil. “A SAF cujos valores mobiliários sejam admitidos à negociação em mercado adote medidas e controles para dar cumprimento a tal exigência, como a instituição de sistemas internos de acompanhamento, incluindo exigências periódicas de declaração de conformidade pelos acionistas. Também há vedações de participações, diretas ou indiretas, com relação à administração e acordos de acionistas. A CVM ressalta a importância de especial atenção às regras que tratam dos requisitos e dos impedimentos aplicáveis na eleição, na investidora ou no exercício das funções do Conselho Fiscal”, completa o parecer
O órgão regulador ainda listou os instrumentos disponíveis no mercado de capitais que as SAF poderão adotar para captação de recursos que possam viabilizar a execução de planos de reestruturação de dívidas e de financiamento de projetos de investimento:
- Oferta pública inicial de ações (IPO)
- Debêntures-Fut
- Crowdfunding de investimento
- Fundos de investimento
- Securitização
O documento traz alerta importante sobre a possibilidade de as SAF impactarem torcedores, que podem acabar deixando se influenciar pela “paixão por seu time de coração”, afastando a fundamental racionalidade da tomada de decisão de investimento, em caso de IPO das SAF.