O Federal Reserve (Fed) decidiu, por meio do Fomc, que é o comitê de política monetária dos Estados Unidos, cortar a taxa de juros do país em 25 pontos-base (bps), para a faixa de 4,25% a 4% ao ano.
A decisão não foi unânime, o diretor Stephen Miran, votou por uma redução de 50 bps nesta reunião. Além disso, o colegiado informou ainda que continuará monitorando as implicações das informações econômicas para definir melhor as perspectivas econômicas e diz que estará preparado para ajustar a postura da política monetária conforme julgar apropriado.
“As avaliações do Comitê levarão em consideração uma ampla gama de informações, incluindo dados sobre as condições do mercado de trabalho, pressões inflacionárias e expectativas de inflação, além de desenvolvimentos financeiros e internacionais”, diz trecho da decisão.
O Fed divulgou também novas projeções econômicas que reforçam a percepção de persistência da inflação e indicam um caminho cauteloso para a política monetária norte-americana.
A projeção para o índice de preços de gastos com consumo (PCE), principal medida de inflação observada pelo Fed, foi mantida em 3% para 2025, mesmo patamar divulgado em junho. Para 2026, no entanto, a estimativa foi revista para cima, de 2,4% para 2,6%, sinalizando que o processo de desinflação deve ser mais lento do que o esperado anteriormente.
Segundo o comunicado, “a inflação subiu e permanece relativamente elevada”, o que exige atenção redobrada das autoridades monetárias.
O Fed também ressaltou que “os riscos negativos para o emprego continuam” e reforçou sua disposição em ajustar a política monetária caso surjam ameaças ao cumprimento das metas de estabilidade de preços e pleno emprego.
De acordo com o gráfico de pontos, seis autoridades monetárias projetam que os Fed Funds estarão entre 3,50% e 3,75% no fim de 2026. Outros dois dirigentes esperam juros um pouco mais altos, na faixa de 3,75% a 4%. Dois membros veem espaço para uma taxa mais baixa, entre 3,25% e 3,50%, enquanto quatro dirigentes estimam que os juros poderão cair ainda mais, para o intervalo de 3% e 3,25%.
Marink Martins, analista internacional da EQI Research, avaliou que o ponto mais importante do comunicado foi o fato de apenas Stephen Miran, dos três diretores indicados pelo presidente dos EUA, Donald Trump, ter votado por uma redução maior. Miran, assessor econômico do presidente Donald Trump, foi confirmado na terça-feira (15) como membro da diretoria do Fed.
Os outros dois diretores indicados por Trump, Michelle W. Bowman e Christopher J. Waller, optaram por acompanhar a votação dos demais membros do colegiado.
Fed avaliará dados recebidos de forma “cuidadosa”
Ao considerar posssíveis ajustes adicionais à taxa básica de juros, o Fomc informou que avaliará cuidadosamente os dados recebidos, a evolução das perspectivas e o equilíbrio de riscos. E acrescentou que continuará reduzindo suas participações em títulos do Tesouro, títulos de dívida de agências e títulos lastreados em hipotecas de agências.
“O Comitê busca atingir o máximo de emprego e inflação a uma taxa de 2% no longo prazo. A incerteza quanto às perspectivas econômicas permanece elevada e o colegiado está atento aos riscos para ambos os lados de seu duplo mandato e avalia que os riscos negativos para o emprego aumentaram”, diz outro trecho do comunicado.
Powell admite inflação persistente
O presidente do Fed, Jerome Powell, em entrevista após a divulgação da decisão, afirmou que a inflação nos Estados Unidos “avançou de alguma forma” e permanece em nível elevado, apesar dos esforços da autoridade monetária para conter a alta dos preços.
Powell destacou que o mercado de trabalho mostra sinais claros de enfraquecimento. Segundo ele, o payroll desacelerou significativamente, e a demanda por mão de obra vem caindo, em parte devido à redução da oferta. “Os riscos ao emprego aumentaram”, disse o dirigente.
O presidente do Fed também observou que o crescimento da economia norte-americana tem se moderado, refletindo a desaceleração dos gastos com consumo. Ele acrescentou que o processo de desinflação no setor de serviços pode estar perdendo força, o que mantém a incerteza sobre a trajetória dos preços.
Apesar das pressões atuais, Powell ressaltou que as expectativas de inflação de longo prazo seguem alinhadas à meta de 2%, o que dá algum respaldo à estratégia da instituição.
O dirigente afirmou ainda que o recente aumento do desemprego nos EUA alterou o balanço de riscos para a economia, reforçando a necessidade de ajustes na política monetária. Ele destacou que o cenário do mercado de trabalho é de poucas contratações e poucas demissões, o que sinaliza enfraquecimento da demanda por mão de obra. Segundo ele, a baixa geração de vagas preocupa e torna apropriada a redução dos juros neste momento.
O dirigente reiterou que a política monetária do Fed “não está em trajetória predefinida” e que as decisões continuarão sendo tomadas de acordo com os dados econômicos.
Gráfico de pontos é ferramenta probabilística
O presidente do Fed afirmou que o gráfico de pontos, que reúne projeções individuais dos dirigentes sobre a trajetória dos juros, “não é uma certeza” e deve ser interpretado como uma ferramenta probabilística, e não como uma indicação definitiva da política monetária.
Segundo Powell, as decisões do banco central norte-americano continuarão sendo tomadas reunião a reunião, sempre com base nos dados disponíveis no momento. “Estamos avaliando a política a cada reunião”, destacou.
O dirigente ressaltou que a economia vive uma situação incomum, em que os dois lados do mandato do Fed — estabilidade de preços e pleno emprego — estão sob risco ao mesmo tempo.
Compromisso com independência do Fed
Questionado sobre a pressão da Casa Branca e o voto de Miran por cortes mais agressivos, Powell foi enfático: “Estamos comprometidos com a independência do Fed”. Ele acrescentou que não tem comentários adicionais sobre o tema.
O presidente do banco central norte-americano afirmou que não houve apoio amplo para um corte de 50 pontos-base na reunião desta quarta-feira. Powell reforçou ainda que não vê necessidade de acelerar o ritmo de afrouxamento monetário.
Sem declarações sobre Lisa Cook
Em relação a temas externos à condução da política monetária, Powell disse que “não é apropriado comentar” a ação judicial que envolve a diretora Lisa Cook.
Um tribunal federal de apelações dos Estados Unidos decidiu que o presidente Trump não pode remover Cook do Conselho de Governadores do Federal Reserve, ao menos por enquanto. A decisão foi tomada na segunda-feira (15), poucas horas antes do início da reunião de dois dias do comitê de política monetária do banco central norte-americano.
O Tribunal de Apelações do Distrito de Columbia, em votação dividida por 2 a 1 entre juízes nomeados por diferentes partidos, considerou que a medida da Casa Branca não deve avançar até nova análise judicial. O resultado representa mais um revés para os esforços de Trump em ampliar o controle sobre o Fed e sua condução da política monetária.
A Casa Branca tentou destituir Cook com base em alegações relacionadas a fraude hipotecária, mas até o momento a integrante do conselho não foi acusada de nenhuma irregularidade.
Ele também procurou afastar suspeitas de interferência política nas decisões do comitê.
“Não tomamos decisões pela lente da política; temos uma perspectiva mais lenta”, afirmou. Powell acrescentou ainda que não vê possibilidade de o Fed chegar a um ponto em que as escolhas sejam pautadas por interesses políticos.
Cenário do mercado de trabalho influencia
O pano de fundo para a decisão de corte de juros inclui o dado mais recente do mercado de trabalho americano. O payroll de agosto mostrou a criação de apenas 22 mil postos de trabalho fora do setor agrícola, muito abaixo da expectativa de 75 mil. Foi o resultado mais fraco desde a pandemia e reforça o quadro de desaquecimento econômico.
Além disso, durante o Simpósio de Jackson Hole, no mês passado, o presidente do Fed, Jerome Powell, já havia sinalizado que cortes de juros estavam na mesa, mencionando riscos crescentes no mercado de trabalho. Contudo, ele reiterou que a inflação ainda representa ameaça.
Entenda a influência da decisão do Fed na economia
A decisão sobre a taxa de juros nos Estados Unidos impacta o mundo inteiro porque o dólar é a principal moeda de referência global.
Quando há corte de juros, os investimentos em ativos americanos ficam menos atrativos, o que pode enfraquecer o dólar e estimular a saída de capital dos EUA em direção a outros mercados, especialmente países emergentes que oferecem retornos maiores.
Isso fortalece as moedas locais, facilita a captação de recursos externos e pode reduzir custos de financiamento. Além disso, juros mais baixos estimulam o crédito e o consumo dentro e fora dos EUA, impulsionando o comércio e o crescimento global. Por esses motivos, cortes de juros pelo Federal Reserve costumam trazer maior liquidez internacional e beneficiar economias dependentes de capital externo.
Para Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset, a decisão do Fomc veio dentro do esperado, com apenas um dissenso, de Stephen Miran, que votou por corte mais agressivo, de 50 pontos-base.
Além disso, trouxe revisão das projeções de PIB e núcleo da inflação para cima, o que indica que os membros do comitê não estão dispostos a fazer cortes agressivos.
“Isso se reflete também nas projeções apresentadas para taxas de juros. Eles incluíram mais um corte para este ano, quando tinham apenas mais um. Agora são dois em 2025. Mas para o ano que vem não incluíram nada, só um corte no início do ano, como já indicado anteriormente”, aponta Kautz.
“Ou seja, devemos ter o corte de hoje e mais dois consecutivos, além de um no início do ano que vem e o ciclo se encerra. Isso porque eles estão enxergando inflação mais alta e PIB mais alto para o ano que vem”.
Kautz também destaca que o presidente do Fed, Jerome Powell, mencionou claramente na entrevista coletiva após a decisão de juros que não houve apoio para um corte mais agressivo de 50 pontos-base e que a decisão segue sendo tomada reunião a reunião.
“Pareceu um Fed mais duro nesse sentido, apontando ainda para alguns riscos e adotando uma postura cautelosa. Isso mostra que, apesar de toda a pressão do presidente Donald Trump e da mudança de diretoria, o Fomc não flexibilizou muito o mandato e segue tomando decisões mais pelo lado técnico”, avalia.
“De qualquer maneira, se iniciou o ciclo de dados. Vamos ver como os dados se comportam e quantos cortes eles podem entregar”, complementa.
Para efeitos no mercado, Kautz indica que a decisão veio muito em linha com o que já estava precificado e, portanto, a reação na curva de juros futuros não deve ser muito significativa. “Vamos entender se esse ganho de institucionalidade vai ajudar os mercados. Se os membros do comitê fossem muito agressivos agora, talvez precisassem subir as taxas novamente mais para frente, o que deixaria o mercado ainda mais em dúvida sobre os efeitos líquidos desse início de ciclo de corte”, pontua.