A Black Friday deixou de ser sinônimo de TVs, smartphones e eletrônicos para se transformar em um evento essencialmente brasileiro — uma verdadeira jabuticabalização do varejo.
Dados da Neotrust mostram que as maiores altas de vendas deixam de lado os tradicionais “queridinhos” das promoções e abrem espaço para categorias como calçados, produtos farmacêuticos e, sobretudo, as canetas emagrecedoras, cujo interesse e consumo cresceram de forma explosiva.
Segundo relatório do BTG Pactual (BPAC11), na semana pré-Black Friday — especialmente nos dias 24 e 25 de novembro — calçados ultrapassaram smartphones em vendas pela primeira vez, atingindo R$ 197 milhões, enquanto farmácias se tornaram o terceiro maior segmento, com R$ 167 milhões. Dentro da categoria, as canetas GLP-1 representaram 35,1% da receita do setor farmacêutico, consolidando um fenômeno de demanda que já vinha sendo observado ao longo do ano.
Canetas emagrecedoras deixam de ser nicho e viram motor da Black Friday
Os dados da Neotrust confirmam a tendência: 634 mil consumidores compraram canetas emagrecedoras apenas entre o 1º e o 3º trimestre de 2025, com ticket médio de R$ 522 — 24% acima do restante do mercado. A base é majoritariamente feminina (67%) e concentrada entre 25 e 44 anos.
O impacto sobre a Black Friday é direto: dentro da categoria Saúde, as canetas sozinhas atingiram 6,7% das vendas totais, crescendo 92,2% em relação ao ano anterior. O comportamento de compra desse público também impulsiona outros setores: roupas (23,9%), suplementos (24,1%), produtos capilares (23,7%), além de calçados e itens de beleza corporal.
Ou seja, quem compra caneta emagrecedora não está apenas buscando medicamento, mas também outros produtos de moda, beleza e consumo recorrente.
Black Friday vira evento de consumo do dia a dia: moda e saúde puxam a alta
Os dados da Black Friday 2024 já mostravam o descolamento do padrão americano. De acordo com a Neotrust, Moda e Acessórios, Calçados, Saúde e Beleza e Perfumaria lideraram crescimento em unidades vendidas, enquanto categorias tradicionalmente fortes — como Eletrônicos, Informática e Telefonia — até cresceram, mas perderam relevância na composição total do faturamento.
Principais saltos:
- Calçados: +74% em vendas na reta final de novembro
- Roupas: +83%
- Higiene básica e medicamentos: forte expansão puxada por tíquetes mais baixos
- Perfumaria: +153%, apesar da queda de preço médio (-21,5%)
- Canetas emagrecedoras: +92,2%
Enquanto isso, TVs, smartphones e eletrodomésticos avançam, mas sem a exuberância de anos anteriores. A própria curva de preço mostra que o brasileiro não aguarda mais descontos agressivos para comprar itens caros — e o varejo, por sua vez, reduziu a intensidade das promoções.
Por que o Brasil se descolou do modelo americano
O BTG Pactual observa que o consumidor brasileiro virou um comprador de volume, não de tíquete alto. O relatório aponta que o número de itens vendidos cresce mais rápido que o faturamento — evidência de um mix migrando para pequenas compras do dia a dia, não grandes eletrônicos.
Os motivos:
- Efeito Shopee e seus tíquetes ultrabaixos
- Redução de frete grátis no Mercado Livre, que elevou a competição por carrinhos cheios
- Entrada mais agressiva da Amazon em categorias recorrentes
- Alta disponibilidade de genéricos, dermocosméticos e itens de autocuidado
- Explosão do interesse global por medicamentos GLP-1
Esses fatores empurram o brasileiro para um consumo mais frequente, pulverizado e emocional, muito distante da Black Friday americana focada em eletrônicos sofisticados.
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Um evento cada vez mais brasileiro — e cada vez menos importado
A soma dos relatórios indica uma ruptura estrutural no comportamento do consumidor.
O que define a “Black Friday à brasileira” hoje:
- Menos eletrônicos, mais vida real
- Menos TV de 75”, mais tênis, perfume e remédio
- Menos consumo aspiracional, mais consumo funcional
- Mais recorrência, menos compra única
- Menos importação cultural, mais tropicalização
Em síntese, os dados mostram que a Black Friday brasileira passou a funcionar segundo um conjunto próprio de estímulos: consumo recorrente, tíquetes menores, categorias essenciais e forte influência das tendências de saúde e beleza. A saída dos eletrônicos do centro das vendas não é um desvio pontual — é um rearranjo estrutural do varejo nacional.
Se a velocidade de mudança observada entre 2024 e 2025 se repetir, o comportamento do consumidor deve continuar se afastando do modelo americano, com a Black Friday cada vez menos guiada pelo “grande desconto” e mais pelos itens que fazem parte da rotina de compra do brasileiro.






