A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou o Parecer de Orientação 40, que consolida o entendimento da autarquia sobre as normas aplicáveis aos criptoativos que forem considerados valores mobiliários. Além disso, o documento cita os limites de atuação do regulador, indicando quais as possíveis formas de normatizar, fiscalizar, supervisionar e disciplinar agentes de mercado.
“O parecer tem caráter de recomendação e orientação ao mercado, com o objetivo de garantir maior previsibilidade e segurança para todos, além de contribuir em direção à proteção do investidor e da poupança popular, bem como de fomentar ambiente favorável ao desenvolvimento da cripto economia, com integridade e com aderência a princípios constitucionais e legais relevantes“, afirma João Pedro Nascimento, presidente da CVM, em nota.
Para o jornal Valor Econômico, Nascimento disse que essa movimentação é uma maneira de ingressar nessa indústria de maneira organizada e oferecer mais proteção para os investidores.
“O parecer de orientação é a abordagem inicial da CVM (…). Posteriormente, nossa atuação poderá ser complementada por outras medidas”, declarou o presidente para o jornalão.
Nascimento relata que o regulador decidiu manter uma atuação propositiva por entender que inevitavelmente teria que analisar o assunto em algum momento no futuro. “Temos visto ofertas públicas irregulares valendo-se do desconhecido. Esse é um tema difícil e nebuloso, nossa ideia é colocar luz nele para evitar que seja um campo para se perpetuar condutas lesivas”, completa o executivo.
As novas regras podem ajudar no combate à lavagem de dinheiro, à corrupção e ao financiamento do terrorismo, além de proteger os investimentos das pessoas.
A criptoanalista da Monett, Helena Margarido, destacou que a orientação da CVM é bem complexa e robusta, em que a regulamentação da autarquia pode ser aplicada em diversos tokens na definição dos valores mobiliários.
O que esperar do parecer de orientações da CVM? Segundo Helena Margarido, criptoanalista da Monett, existe um paradoxo no mercado:
“Não existem meios na CVM para que as ofertas sejam feitas de maneira regular. Existe um paradoxo: eles sabem qual é a norma aplicável e que deveria ser respeitada por estas iniciativas, porém não dão os meios para que os projetos que estão acontecendo no mundo todo aconteçam aqui também”, diz.
“O que vamos ter é uma migração de iniciativas [tokenização] para outras jurisdições que possuem um fremor legal e regulatório mais claro. No Brasil, infelizmente, essa situação fica por enquanto restrita a iniciativas que conseguiram aprovação para fazer parte de sandbox regulatório, que inclusive é mencionado nessas orientações da CVM. Elas até conseguiram uma espécie de isenção das normas da CVM para poderem operar”, complementa.
Ouça o áudio na íntegra:
Parecer define os criptoativos
“O Parecer de Orientação 40 apresenta, inicialmente, a caracterização de criptoativos: ativos representados digitalmente, protegidos por criptografia, que podem ser objeto de transações executadas e armazenadas por meio de tecnologias de registro distribuído (Distributed Ledger Technologies – DLTs). Usualmente, criptoativos (ou a sua propriedade) são representados por tokens, que são títulos digitais intangíveis”, diz a definição da CVM sobre os criptoativos.
Os criptoativos ainda não estão citados, expressamente, na regulação dos valores mobiliários, mas o parecer indica que os agentes de mercado devem analisar as características de cada criptoativo, com a função de determinar se ele é um valor mobiliário. Situação que acontece quando:
- é a representação digital de algum dos valores mobiliários previstos taxativamente nos incisos I a VIII do art. 2º da Lei 6.385 e/ou previstos na Lei 14.430 (i.e., certificados de recebíveis em geral); ou
- se enquadra no conceito aberto de valor mobiliário do inciso IX do art. 2º da Lei 6.385, na medida em que seja contrato de investimento coletivo.
O documento também orienta o enquadramento funciona dos tokes para indicar o seu tratamento jurídico. A principio, a classificação segue as seguintes categorias:
- Token de Pagamento (cryptocurrency ou payment token): busca replicar as funções de moeda, notadamente de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor;
- Token de Utilidade (utility token): utilizado para adquirir ou acessar determinados produtos ou serviços; e
- Token referenciado a Ativo (asset-backed token): representa um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis. São exemplos os “security tokens”, as stablecoins, os non-fungible tokens (NFTs) e os demais ativos objeto de operações de “tokenização”.
Assim, a CVM avalia que o token referenciado a um ativo pode ou não ser um valor mobiliário. Ademais, as categorias citadas não são exclusivas ou estanques, uma vez que um criptoativo pode se enquadrar em uma ou mais categorias, que dependem das funções que desempenha e dos direitos associados a eles.
Apesar dessa definição, Margarido alerta, mesmo com a publicação do parecer, que ainda não se sabe como a CVM irá regular sobre os criptoativos. “A gente sabe que caso uma iniciativa decida fazer uma oferta pública utilizando tokens aqui no Brasil, ainda não existem meios aqui na CVM para que isso seja feito de maneira regular”, explica a criptoanalista.
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“Então, existe um paradoxo todo que é a questão de eles saberem qual é a norma aplicável e devem ser respeitados por essas iniciativas. Porém, não darem meios suficientes para que os projetos de tokenização, que estão começando a serem difundidos pelo mundo todo, sejam feitos aqui no Brasil também”, complementa.
Transparência
A CVM ressalta que a publicação do Parecer de Orientação 40 tem o sentido de prestigiar a transparência em relação aos criptoativos e valorizar o regime de divulgação de informações.
“Você compraria um apartamento sem entender quantos metros quadrados possui ou sua localidade? Então por que compraria criptoativos [sem informações claras]? A rigor, o investidor do mercado financeiro tradicional realiza suas escolhas e decisões de investimentos a partir de uma análise das características dos produtos”, afirma Nascimento ao Valor.
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