O Governo Federal anunciou esta semana que deve propor o fim dos juros sobre capital próprio (JCP), a fim de aumentar a arrecadação do Tesouro a partir de 2024. A medida visa buscar mais equilíbrio nas contas públicas, segundo afirmou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Em um contexto geral, o mercado avalia a possibilidade do fim dos proventos de maneira negativa, com potencial de redução dos lucros distribuídos aos investidores, o que por sua vez pode acarretar perda de atratividade das empresas e, consequentemente, das ações. Além disso, há grande receio dos analistas por aumento de carga tributária sobre as companhias. Acompanhe.
Fim dos juros sobre capital próprio (JCP): o que dizem os especialistas
Da mesma forma que os dividendos, os juros sobre capital próprio são uma forma de o acionista receber parte dos lucros da companhia. No entanto, os JCPs possuem uma diferença importante em relação aos dividendos: a incidência de Imposto de Renda, que é pago pelo investidor.
Luís Moran, head de Research da EQI Investimentos, explica: “As empresas que pagam proventos, pagam no limite do que podem, já que o JCP é uma vantagem fiscal. Quando há caixa a ser distribuído, ele é utilizado para pagamento de JCP até onde se consegue, para o restante ser distribuído como dividendos”.
“Os proventos são uma maneira de remuneração isenta de IR para a empresa, uma espécie de atalho fiscal para as companhias”, diz Moran.
“Se a medida do Governo implicar apenas em aumento de impostos, a proposta será negativa para as empresas. Mas, caso venha com mudanças, de maneira a tornar o sistema mais justo, então não deve haver grandes impactos negativos”, pondera.
O economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, explica que, os juros sobre capital próprio da maneira como existem hoje são interessantes tanto para o investidor, que é “premiado” pelo lucro das empresas, quanto as companhias, que têm uma redução em seu lucro contábil e, por isso, acabam por pagar menos impostos.
“Na hipótese dos JCP passarem a ser tributados nas empresas, há a possibilidade de os investidores receberem menos proventos”, diz Agostini em entrevista ao EuQueroInvestir.
Ele acredita que deverá haver também uma perda de atratividade para empresas. O setor bancário, principalmente, deverá ser o mais impactado negativamente, devido ao grande fluxo de rendimentos. Os interesses por essas ações devem ser reduzidos, o que também pode afetar a expectativa de preço dos papéis, com menor demanda.
Contrapartida do Governo é fundamental
A maneira como o governo vai compensar o possível fim dos JCPs é muito importante, segundo avaliação de Luís Moran, da EQI Research.
“A implementação de maior carga tributária às empresas cria um ambiente de negócios pior, com um sistema mais enrijecido, e pode prejudicar a captação de mais dinheiro pelas empresas, além de diminuir a atratividade da bolsa”, analisa.
Com a proposta de mudança pelo governo, isso deveria ser compensado para que a carga geral que as empresas pagam não suba expressivamente, e a situação seja neutra. “Quem tem caixa continuará distribuindo dividendos, sem grandes mudanças”, explica.
Contudo, para a proposta ser neutra, de fato, o governo precisará estudar bem a situação. “Muitas empresas têm capacidades maiores de pagar JCP – para essas, seria necessário diminuir a carga tributária. Do contrário, a carga deve permanecer a mesma”, explica o especialista da EQI.
O que a Fazenda diz sobre o fim dos JCP
“É uma das medidas que está sendo elaborada pela Fazenda”, comentou o ministro da Fazenda à imprensa.
Haddad voltou a atacar o que chamou de “caixa preta das renúncias fiscais” e prometeu atacar práticas abusivas em benefícios tributários. Como exemplo, citou manobras de empresas para converterem lucros em Juros sobre Capital Próprio (JCP).
“Juros sobre capital próprio são bilhões drenados dos cofres públicos para beneficiar meia dúzia de empresas que fazem engenharia tributária em cima de um dispositivo legal que está sendo abusado. Mandei estudar porque é uma área que está tendo muito abuso”, disse.
Essa é uma das maneiras mais utilizadas para remuneração de acionistas, e que entrará nas discussões envolvendo a segunda fase da reforma tributária. Nessa etapa, o governo olhará com atenção para questões envolvendo melhor distribuição de renda. Isso recai sobre lucros, dividendos e JCP.
- Leia também: Qual a diferença entre dividendos e JCP?
O que diz a Febraban?
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que a medida, sem contrapartida, aumentaria o custo do crédito e os juros ao consumidor.
“A hipótese de simplesmente retirar o JCP ou instituir a tributação sobre os dividendos distribuídos aos acionistas, sem nenhuma outra medida em contrapartida, se traduziria em significativa elevação da carga tributária sobre as empresas e seus acionistas em todos os setores da economia”, afirmou em nota.
“No caso do setor bancário, maior tributação implica em elevação do custo do crédito e taxas de juros mais altas para os tomadores de crédito, famílias e empresas”, disse a Febraban. “Crédito mais caro significa menos consumo e investimento, menos crescimento econômico, menos renda e mais desemprego”.
Segundo a federação, o fim do juros sobre capital próprio deveria ser antecedido de um debate sobre a tributação das empresas brasileiras, que hoje é elevada e ainda maior para os bancos. “Outros países optaram por tributar os dividendos e não ter o JCP, mas, em contrapartida, a tributação sobre as empresas é muito mais baixa do que no Brasil”, complementou.
E como ficam os dividendos?
Apesar de o foco do Governo parecer ser os JCPs, ao menos por enquanto, a tributação dos dividendos de ações também deve entrar na discussão da segunda fase da reforma tributária.
Assim, quem hoje recebe dividendos isentos da incidência de imposto de renda, deverá passar a ter a cobrança. É dominante no mercado a visão de que a tributaçãom deve ficar na casa dos 15%.
Já os dividendos de Fundos Imobiliários (FIIs), acreditam os analistas, não deve vingar, pelo tamanho do mercado, ainda pequeno.
“Nossa expectativa é que a tributação dos dividendos de FIIs não aconteça agora. Acredito que em algum momento ela deve, sim, acontecer, mas só quando a indústria estiver maior e mais madura”, diz.
“A indústria de FIIs, hoje, é pequena. E dois terços dos investidores são pessoas físicas que investem de R$ 30 mil a R$ 50 mil. Então, você iria atingir uma população que vem confiando nos FIIs como opção de aposentadoria ou renda extra, para não ter uma arrecadação significativa”, pontua.
“O custo político seria muito alto e o poder de arrecadação, baixo. Seria uma medida bastante impopular, por isso acredito que não faça sentido agora”, finaliza.
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