O ano de 2023 colocou o mercado de crédito em evidência e trouxe aprendizados às empresas e investidores. Esta é uma das conclusões de Fabrizzio Marchetti, CIO da Milenio Capital, durante o EQI Asset Day, evento da gestora realizado nesta quarta-feira (6), que tratou sobre as oportunidades e vantagens envolvendo crédito estruturado.
Alguns dos acontecimentos mais relevantes do ano, com empresas como Americanas ($AMER3) e Light ($LIGT3), e seus diferentes impactos em debêntures ou recebíveis trouxeram um debate sobre as oportunidades e aprendizados para o mercado de crédito, sobretudo a serem aproveitadas no próximo ano.
Qual a diferença entre crédito privado e estruturado
Basicamente, créditos privados são dívidas emitidas por empresas. Quando um investidor aplica no instrumento de dívida, como uma debênture, ou investe em um fundo lastreado por crédito privado, empresta dinheiro para essa companhia.
Já o crédito estruturado consiste no conjunto de dívidas, financiamentos ou empréstimos dos mais variados tipos, emitidos por empresas, instituições privadas ou pessoas físicas. Os instrumentos mais utilizados para as emissões de crédito estruturado são Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs), Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRAs).
Nas operações estruturadas, o investidor é exposto a uma carteira pulverizada e diversificada, em que o risco de crédito está espalhado em diversas empresas, de diferentes segmentos da economia. Com isso, o risco de inadimplência é reduzido, diante da pulverização dos devedores.
Marchetti diz que, tratando-se de crédito estruturado, há todo um processo de entendimento sobre o modelo de negócio, os tipos de contrato que a empresa tem, como são os drivers de despesa, entre outros, o que toma muito mais tempo no processo de diligência. Acima de tudo, é preciso entender todos os tipos de garantias que são fornecidas.
“Na hora de investir, você olha todos os contratos de uma empresa e busca uma garantia, diferentemente do crédito não estruturado que não entra no detalhe.”
O principal pilar neste mercado, segundo o gestor, é a proximidade entre o originador e o empresário: este alinhamento é essencial para a operação ser bem-sucedida.
“Com essa aproximação é possível saber cada detalhe da operação: o dono da empresa tem dinheiro na cota subordinada do FIDC? Se não, este é um primeiro sinal de alerta. Segundo ponto: você tem acesso a todas as informações daquela empresa, à carteira de clientes? É preciso saber disso em tempo real”, aponta.
Crédito estruturado: entenda as vantagens e oportunidades
Fabrizzio pontua que o ano foi desafiador no cenário de crédito, mas muito disso veio do esquecimento de erros do passado. Neste ano, no entanto, a perspectiva é diferente – e 2023 foi um divisor de águas.
“Agora o mercado aprendeu: tivemos Americanas, Light, diversas empresas pedindo recuperação judicial. Foi um ano de aprendizados, de voltar a pensar para trás: o que aconteceu e que se repete agora? Um pouco disso, além da conjuntura macroeconômica, vem do mercado tomando mais risco do que deveria”, avalia.
O caso da Light é citado como destaque no setor. Marchetti explica que o objetivo de qualquer empresa é a redução de custo de capital e a liberação de garantia. Em algum momento, anteriormente, havia garantia de recebíveis, de cobertura com caixa etc. À medida que a empresa evolui e diminui a quantidade de garantias, há uma troca por liquidez. Os indicadores melhoram e o mercado passa a financiar de maneira mais barata.
No caso da Light, o gestor explica que houve a montagem de um FIDC que comprava os recebíveis do pagamento das contas de luz de todos os consumidores. A própria regulamentação do órgão responsável da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) permite um máximo de alavancagem, de recebíveis dados em garantia, pensando em um cenário de catástrofe. Cumprindo com essa regra, o que os consumidores pagavam todos os meses era depositado diretamente em uma conta de um fundo.
Quando a Light teve o problema de crédito, houve um estresse judicial em um primeiro momento, que, em seguida, convergiu para a liberação do dinheiro para amortização da dívida. Em alguns meses, todos que investiam no FIDC da Light, que pagava cerca da mesma remuneração que a debênture, saíram do risco, sem perdas, enquanto a debênture ainda está em crise.
Arthur Rossi, gestor de crédito estruturado da EQI Asset, comenta que essa acaba sendo a grande vantagem do crédito estruturado. “O investidor tem acesso ao dinheiro muito antes do que os outros credores, principalmente falando de operações em que o risco é mais pulverizado, sem um único devedor responsável pelo pagamento. Além disso, você não está envolvido no processo de recuperação judicial. O caso da Light é emblemático, mas a mesma estrutura funciona para inúmeras outras transações, como os fundos de crédito consignado”, diz.
O caso do Banco Cruzeiro do Sul é um exemplo dessa mesma estrutura mencionada por Rossi. A instituição quebrou em 2012, com sua falência decretada em 2015, mas a carteira de crédito cedida para os FIDCs foi recuperada justamente pela situação extrajudicial.
“É uma operação mais demorada de ser estruturada, em que a empresa leva mais tempo para receber o dinheiro, tem menor liquidez, mas a maior vantagem é justamente a maior segurança que o investidor tem no final do dia”, complementa.
Vale lembrar que em outubro deste ano iniciou um movimento de virada para os FIDCs. O produto passou a valer para todos os investidores do mercado financeiro, e deixou de ser restrito a qualificados, com mais de R$ 1 milhão investido. A Resolução 175 foi anunciada em dezembro de 2022 pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Com a expansão ao varejo, especialistas esperam que a classe cresça cerca de 20% ao ano daqui para frente e dobre de tamanho em cinco anos.