Entre março e abril deste ano, 25 unidades da Marisa (AMAR3) fecharam as suas portas. Logo em seguida, em maio, a rede anunciou o encerramento de mais 91 lojas ao custo de R$ 62 milhões.
A empresa, no mercado há mais de 75 anos, foi precursora entre as grandes redes que por décadas vestiram a mulher brasileira. Mas a situação da companhia vem mudando há pelo menos 10 anos.
Com foco na classe média, a companhia precisou apertar suas margens para manter preços baixos no segmento em que atua.
O movimento de encerramento de lojas vem em um momento em que a Marisa precisa fazer de tudo para tentar recuperar sua capacidade de gerar caixa – voltar a ter recursos disponíveis para investimentos e a própria operação. A empresa também tem a necessidade de ser rentável – algo que não acontece mais.
“A Marisa está há cerca de três anos em uma situação difícil. A empresa está em um processo de recuperação extrajudicial – que acaba sendo mais amigável do que a recuperação judicial (RJ). A companhia busca, agora, quem financie sua dívida, mesmo que custe mais, para que possa adiá-la”, explica Max Mustrangi, especialista em reestruturação de empresas e sócio da consultoria Excellance.
Entenda o caso
A Marisa vive uma crise financeira que há mais de 10 anos tem impactado seus resultados. No final de março deste ano, a Marisa tinha uma dívida bruta de R$ 737,2 milhões.
Nos últimos meses, cinco executivos de alto escalão renunciaram. A Marisa teve de contratar assessores externos, anunciou emissões de debêntures (títulos de dívida), e também a venda de direitos creditórios (direitos aos créditos que a companhia tem a receber).
A empresa reuniu esforços para renegociar prazos e dívidas com fornecedores e proprietários de imóveis, além de reduzir investimentos em estoques de produtos e cortar despesas operacionais.
Ainda neste ano, credores pediram a falência da Marisa junto à Justiça do Estado de São Paulo. Do lado dos locadores, alguns entraram com ações de despejo por inadimplência, principalmente após a empresa conformar a incapacidade de honrar pagamentos. Apenas em 2023, credores registraram 511 protestos por inadimplência.
O que causou a crise da Marisa
O período econômico desafiador no Brasil, visto sobretudo em 2015 e 2016, somado à pandemia de Covid-19, limitou o avanço de empresas do varejo – como foi o caso da Marisa.
Durante a pandemia, um “colchão de poupança” foi criado pelo consumidor que não saía de casa. Com o arrefecimento da situação e o público de volta às ruas, as pessoas passaram a gastar muito mais, o que gerou uma forte onda de inflação mundialmente, explica Max Mustrangi.
Os bancos centrais precisaram inverter o caminho da política monetária, com a elevação dos juros, que chegaram aos menores patamares na história, como foi o caso do Brasil, e o dinheiro a ser emprestado ficou mais caro. “Nisso, a dívida financeira apareceu mais forte e os bancos pararam de financiar as empresas”, observa Mustrangi.
Em 2020, a varejista de moda registrou um prejuízo líquido de mais de R$ 400 milhões, seguido por outro de R$ 70 milhões em 2021. Em 2022, a tendência se repetiu, e o déficit foi de R$ 200 milhões.
- Leia mais: O que acontece com a Marisa (AMAR3)?
No último trimestre, a empresa registrou um prejuízo líquido de R$ 149 milhões. O resultado corresponde a um aumento de 64,2% no prejuízo em relação ao mesmo período do ano passado, quando registrou R$ 90,7 milhões.
“Essa é uma crise não tratada há muitos anos. O problema já se espalha pelo ‘corpo’ há pelo menos 10 anos. Estamos falando de uma falha de gestão, que não soube administrar o problema, e postergou ou negou o que estava acontecendo”, avalia Mustrangi.
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Recuperação judicial será suficiente?
Diante da crise que vem tomando o varejo nos últimos anos, e irrompendo expressivamente em 2023, um dos instrumentos mais buscados em uma tentativa de salvar o negócio é a recuperação judicial.
A recuperação judicial é um recurso mais suave do que a falência, que serve para proteger o crédito do devedor comerciante e a recuperação imediata da situação econômica. O processo serve como uma blindagem em relação às obrigações de pagamento da empresa ao estabelecer um período de carência.
Na avaliação de Max Mustrangi, o remédio não significa a cura. “A recuperação judicial é um remédio que a empresa toma para não morrer. No entanto, o momento não é o correto para se iniciar a medicação: o ‘tumor’ já se espalhou e a metástase está avançada”, diz, fazendo uma analogia a um tumor maligno.
“Há chances de que o remédio salve o organismo, mas pode não ser o suficiente. A dívida que a empresa acumula, em torno de R$ 700 milhões, possui uma ordem de grandeza muito diferente do que é recebido com a operação. A prioridade é a gestão de capital relevante no momento”, pondera Mustrangi.
A recuperação judicial não será o suficiente sem que a operação volte a dar lucro e gerar um resultado positivo no dia a dia, uma vez que a saúde financeira da companhia, sem geração de caixa, está comprometida.
“Há perda de rentabilidade contínua. Essas companhias em crise tomaram dinheiro a um custo baixo e se alavancaram para crescer. Com o passar do tempo, a rentabilidade foi caindo e o lucro também”, diz.
O que acontece, posteriormente, é que essas lojas passam a “doar” produtos, na lógica do negócio. Mustrangi explica: “a venda tem margens tão pequenas e apertadas que são consideradas doações. A inadimplência alta também não paga os custos. O caixa remanescente deve pagar o presente e o passado, que são as dívidas. Hoje, o que essas empresas estão gerando não consegue garantir o dia a dia”.
Além disso, para o especialista em reestruturação de empresas, o processo de recuperação da Marisa se torna mais difícil à medida que os bancos e instituições financeiras têm optado cada vez mais por bens que tenham liquidez de fato como garantia.
“Até com garantia real, que confere ao credor o direito de se fazer pagar com prioridade, muitas instituições financeiras têm recusado emprestar dinheiro a empresas do setor. Não vejo fontes de financiamento da Marisa aparecendo no radar tão cedo”, diz Max Mustrangi.
O que a Marisa precisa fazer
Para o especialista, é fundamental que a operação volte a ser saudável financeiramente para sobreviver. Isso implica em voltar a dar lucro, com um resultado positivo no dia a dia.
Além disso, um passo importante no processo é encarar a estrutura administrativa da companhia para seu tamanho real atualmente.
Sobre a possibilidade de falência, Max diz ser muito cedo para ter certeza, já que há muitas alternativas a recorrer no momento. “Contudo, o quadro é grave e piora de maneira muito acelerada”, complementa.
- Leia também: Falência e recuperação judicial – qual a diferença?
Pedidos de RJ aumentam para maior nível
O número de empresas que pediram à Justiça proteção para renegociar dívidas disparou no primeiro semestre de 2023, no maior nível em três anos.
Foram registrados 593 pedidos de recuperação judicial de janeiro a junho deste ano, um aumento de 52,1% em relação ao mesmo período de 2022.
Já o número de falências foi de 546 no primeiro semestre de 2023, com uma alta de 36,2% em comparação ao ano anterior. As informações são do Indicador de Falências e Recuperação Judicial da Serasa Experian.
Um dos fatores que impactam negativamente a situação das empresas são os juros altos, em 13,75% ao ano desde agosto de 2022. Para a próxima reunião do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom), o mercado projeta um corte de 0,25 ponto percentual na taxa Selic.
O principal fator para o início do processo de queda dos juros é a projeção de queda para a inflação. O patamar do IPCA, a inflação oficial do país, de junho de 2023 foi de queda de 0,08%. No ano, a inflação acumulada é de 3,16%. Para o final do ano, o mercado financeiro estima o IPCA em 4,90%, segundo boletim Focus divulgado pelo Banco Central.
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