O debate político não poderia ficar de fora da Money Week, evento online e gratuito promovido pela EQI Investimentos. Mas o debate não ficou restrito à política partidária e às negociações pontuais entre o Governo e Congresso. A Money Week explorou a importância da política nos investimentos: como um ambiente político estável estimula o sucesso do mundo dos negócios e contribui para o desenvolvimento econômico do país?
Essa foi a discussão central do painel “A importância da estabilidade política para os investimentos”, que teve a participação de Rafael Favetti, advogado e Mestre em Ciência Política; Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset; e Vinicius Poit, empresário e ex-deputado federal. A mediadora foi a jornalista Paula Moraes, âncora e criadora do canal BM&C News, especializado em noticiário econômico.
Importância da política nos investimentos: o impacto externo
Paula abriu o debate questionando os presentes sobre suas percepções a respeito dos meses iniciais do terceiro governo Lula. Favetti citou a existência de uma instabilidade natural, com a mudança de viés político no poder, e como os empresários podem reagir a isso.
“Você tem a saída de um governo de direita e a entrada de outro com um viés diferente, e aí cabe aos investidores compreender o que é risco político e o que é oportunidade. Então, a grande tarefa é separar ruído e realidade, ver questões positivas e negativas. Houve muito ruído no ano passado, mas estamos vendo a sequência de uma agenda macroeconômica, com o marco fiscal e a reforma tributária”, afirmou o cientista político.
Ele apontou ainda a importância de saber aproveitar as oportunidades. “Nós vimos o Governo anunciar o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), com um valor impressionante. É preciso que os diferentes setores possam compreender as oportunidades e riscos, caso da construção civil. Mas não vejo com maus olhos a perspectiva, porque estamos diminuindo o grau de risco político no Brasil e saímos de um olhar de perigo para, talvez, de oportunidade”, analisou.
Stephan Kautz diz que a prioridade para quem toma decisões de investimentos é compreender o que é ruído e o que são decisões. “A gente começou com um governo muito ruidoso, sem informações claras sobre meta fiscal, sobre a intervenção que poderia haver sobre o Banco Central, e tudo isso causou uma pressão muito grande sobre o mercado e os preços dos ativos”, apontou o economista-chefe da EQI Asset.
Depois disso, porém, ele aponta que as medidas do Governo mantiveram a institucionalidade, com a substituição de apenas dois diretores do BC, com mandato já encerrado, e a manutenção das metas de inflação, entre outras decisões.
“O governo apresentou uma proposta fiscal para ao menos evitar a deterioração descontrolada das contas públicas, então o nosso grande desafio é interpretar quais são as ações e onde está o discurso. Mas aquele ruído aos poucos foi sendo trocado por medidas positivas, como a queda da Selic”, analisou Kautz.
Vinicius Poit alertou, contudo, que o mercado não se pauta apenas pelas ações, mas também pelas mensagens deixadas pelas falas dos políticos.
“A inflação e a taxa de juros se fazem também pelas expectativas do que vai acontecer, e o presidente Lula às vezes emite mensagens diferentes do que o próprio governo está fazendo, como a pressão sobre o Banco Central, as falas sobre marco do saneamento”, apontou o ex-deputado pelo Novo.
Segundo ele, todo governo realiza “maldades” em seu início, e ele está preocupado com as “bondades” que virão.
“Quero ver quando teremos um arcabouço fiscal que de fato corte gastos, e não apenas eleve a carga tributária, ou uma reforma administrativa eficiente. Porque os empreendedores, quando têm problema fiscal em seus negócios, têm duas saídas: pela receita e pelo custo. E os políticos só pensam na receita. Sou otimista e acho que o cenário é melhor que as falas do presidente, mas acho que seria importante, para trazer mais segurança para os negócios, a gente começar a ver ajustes nos gastos da máquina pública”, recomendou.
Importância da política nos investimentos: reformas micro ou macro?
Ao ser questionado se o cenário político e o posicionamento do governo poderia afetar o andamento de reformas, como a sequência da reforma tributária, Rafael Favetti lembrou que o Brasil ao menos conseguiu aprovar mudanças na tributação sobre o consumo que permitiram a criação de um imposto sobre valor agregado que enxerga bens e serviços como uma só coisa, e permitirá ao país integrar definitivamente a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
“Essa reforma que passou agora até permite que haja um efeito zero na carga tributária, ou seja, nenhum aumento ao final da implantação, mas a gente ainda tem dificuldade de compreender como será feita essa implantação”, explicou o analista.
Ele destacou que, na tributação da renda, o debate certamente será mais complexo. “Os ministros Henrique Meirelles e Paulo Guedes enviaram propostas sobre a renda e não passou, o PT queria começar pela renda e desistiu. Será feita provavelmente em gotas, que parece ser mais racional como tática parlamentar”, completou Favetti.
Questionado pela mediadora Paula Moraes sobre a viabilidade de uma reforma administrativa, tema já abordado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Poit afirmou: “O governo não é adepto de corte de custos; a história do PT é de aumentar o gasto público. Mas o papel de uma sociedade vigilante é fiscalizar e se movimentar para cobrar quem está no poder. O que eles já fizeram, dificilmente farão de novo por ideologia e propósito”, opinou.
Para o ex-deputado, somente essa mobilização pode levar a alguma mudança no cenário. “Uma reforma tributária sem ajuste nas contas não vai fazer efeito e vai resultar em aumento de carga. E existem muitos setores fazendo lobby, pedindo redução, vantagens, e se houver muitas exceções, quem pagar, vai pagar mais. Temos que seguir alertas e vigilantes”, explicou.
Stephan Kautz afirmou que, tecnicamente, a reforma tributária traz um cenário positivo. “Nós somos efetivamente os últimos a adotar esse formato, a reforma poderia ter vários aprimoramentos, há esse risco de lobby de setores que querem benefícios, mas a reforma em si é um grande avanço e vai trazer um ganho de produtividade no médio e longo prazo que vai pelo menos nos colocar no meio do pelotão”, apontou o economista.
Kautz lembrou que o primeiro governo Lula, em 2003, começou com uma reforma tributária de grande porte e depois adotou mudanças de porte menor, e que essa pode ser uma saída. “Sou muito cético sobre uma reforma administrativa, mas pequenas reformas que chamam a atenção e geram produtividade, como foi no primeiro governo, em que mudanças no crédito imobiliário propiciaram um grande ganho para o setor”, apontou o analista da EQI Asset.
Importância da política nos investimentos: a política do possível
Rafael Favetti aproveitou para lembrar a dificuldade inerente à realização de grandes reformas no Brasil, diante da quantidade de interesses que um governo deve conciliar, mesmo que assuma com popularidade e maioria parlamentar.
“Em 2003, além dessa reforma da Previdência citada pelo Stephan, o governo Lula tentou uma reforma tributária que não andou; o governo Temer enviou cinco propostas e passaram duas (Trabalhista e da Previdência); não é este governo ou qualquer outro, mas as condições políticas são ótimas apenas para uma ou duas reformas macro. Depois, o governo precisa eleger setores em que ele vai priorizar essas mudanças micro”, apontou.
O mestre em Ciência Política apontou, ainda, que não há problemas inerentes a esse tipo de solução. “Com muitas pequenas mudanças você faz uma grande mudança. E, como a sociedade é representada no Congresso, cada setor vai pressionar para buscar as suas melhorias. E isso não vai parar. Temos gargalos em diversos setores e o Congresso tende a responder quem poderá ser beneficiado por isso”, afirmou.
Ele lembrou ainda que o contexto nacional não pode deixar de levar em conta o cenário mundial, marcado por cenários de forte instabilidade. “Nós temos a guerra na Ucrânia, provocada pela invasão da Rússia. discussões sobre uma possível sucessão de poder na China; eleições na América Latina; e uma crise de popularidade do presidente da maior democracia do mundo, Joe Biden, dos Estados Unidos. Então tudo isso causa uma turbulência que também interfere no Brasil”, declarou.
Questionado sobre a possibilidade de o Brasil recuperar seu grau de investimento junto às grandes agências de classificação de risco, depois da promoção para o nível BB feita pela Fitch e seguida por outras casas, Kautz mostrou pouco otimismo.
“Para isso seria preciso a retomada do crescimento mais alto, porque o Brasil, entre os países com esse mesmo rating, é o que tem maior nível de dívida pública e ela tende a continuar subindo. Sem isso, precisaria crescer mais, e, apesar do ciclo de corte da Selic, acho que a gente tem uma incapacidade de crescer mais fortemente nos próximos dois anos”, concluiu o economista-chefe da EQI Asset.