Durante a Money Week, evento promovido pela EQI Investimentos e realizado em 1º de agosto em Balneário Camboriú (SC), um painel reuniu especialistas para debater as perspectivas e os desafios dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) na nova fase do mercado brasileiro.
Intitulado “FIDCs em ascensão: o que esperar da próxima fase do mercado”, o debate contou com a participação de Jackson Kestring, sócio e head de estruturação de Fundos e Análises de Investimentos da Apuama Capital, Luís Miranda, sócio e fundador da M8 Partners, e Eduardo Siqueira, diretor de RI e DCM da SRM, com mediação de Alejandro Schiuma, portfolio manager da EQI Asset.
Mudanças tributárias que impactam o investidor
Um dos pontos centrais da discussão foi a recente mudança na tributação dos FIDCs, estabelecida por decreto e medida provisória, que extinguiu o come-cotas — imposto semestral sobre fundos — e fixou uma alíquota única de 17,5% sobre o imposto de renda, independentemente do prazo do investimento. Além disso, foi instituído o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 0,38% na aplicação inicial, que também incide nas operações entre fundos.
“Antes, o investidor era tributado de 15% a 22,5%, dependendo do tempo de aplicação, e ainda sofria o desconto do come-cotas semestral, o que diminuía o retorno real”, explicou Eduardo Siqueira.
“Agora, com o fim do come-cotas, você acumula mais rendimento e tem uma tributação mais simples e transparente, mesmo com o IOF inicial”, complementou.
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Essa mudança, segundo Siqueira, “facilita muito o planejamento de longo prazo, principalmente para investidores qualificados, e pode tornar o FIDC mais competitivo em relação a outros veículos de investimento”.
A chegada do investidor de varejo e regras de segurança
Outro avanço destacado foi a autorização para que investidores pessoa física não qualificados possam investir em cotas sêniores de FIDCs, algo autorizado pela Resolução CVM 175.
“Isso abre uma porta para um dinheiro novo entrar no mercado, mas com regras claras para garantir segurança”, afirmou Jackson Kestring.
“Para o investidor geral, o fundo só pode ter cotas sêniores com rating emitido por agências reconhecidas, como S&P ou Fitch, e o ativo deve ser um recebível já performado — ou seja, com o pagamento em dia”, complementou Kestring.
Ele ressaltou que “não são permitidas cotas que envolvam recebíveis futuros, que ainda não foram realizados, garantindo maior segurança para o investidor.”
Diversificação e sofisticação das teses de investimento
Luís Miranda detalhou a evolução das teses de investimento nos FIDCs, que saíram do modelo tradicional de desconto de duplicatas para estruturas muito mais diversificadas.
“Hoje vemos operações que envolvem desde recebíveis de cartões de crédito até consignado público e privado, precatórios, reestruturação de dívida e até operações ligadas a setores específicos, como o de entretenimento — por exemplo, antecipação de cachês de artistas”, explicou.
Ele destacou que “essa diversificação traz novas oportunidades e permite que os fundos consigam capturar retornos mais atrativos, além de oferecer diferentes níveis de risco para os investidores”.
Miranda ressaltou ainda a importância do alinhamento com consultores especializados em crédito, responsáveis por avaliar os riscos e dar agilidade tanto na concessão quanto na cobrança do crédito.
Funcionamento das cotas e proteção ao investidor
Um dos diferenciais do FIDC é sua estrutura de cotas, divididas em sênior, mezanino e júnior, que oferecem diferentes perfis de risco e retorno.
“O investidor sênior tem um retorno fixo e está protegido pela subordinação das cotas mezanina e júnior, que absorvem as primeiras perdas”, explicou Luís Miranda.
Ele detalhou que “o cotista júnior é o que arca com as perdas iniciais, então a cota sênior só será afetada se as perdas superarem o capital da cota júnior. Isso dá uma camada extra de segurança para investidores menos experientes, principalmente os do varejo.”
O “novo consignado” e os desafios da operacionalização
O painel também abordou o produto conhecido como “novo consignado”, uma iniciativa do governo para melhorar as condições de crédito consignado, que é empréstimo com desconto automático em folha de pagamento.
Jackson Kestring apontou que a proposta visa reduzir riscos e taxas, “criando garantias que hoje não funcionam de forma plenamente operacional”.
“Na teoria, o novo consignado é excelente — ele trava o desconto automático mesmo que o trabalhador troque de emprego, e incorpora garantias como o FGTS e multa rescisória. Mas, na prática, ainda falta a operacionalização dessas garantias para que o produto funcione como previsto”, alertou Kestring. Ele contou que a Apuama preferiu segurar o lançamento do produto até que o ambiente regulatório e operacional se estabilize.
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Perspectivas para o investidor e o mercado
Para Eduardo Siqueira, o movimento para incluir o investidor de varejo em FIDCs deve ser gradual e acompanhado de um processo de educação financeira, parecido com o que aconteceu com os fundos imobiliários no passado.
“No início, o investidor olha com desconfiança, mas à medida que recebe informações e conhece o produto, a confiança aumenta”, afirmou.
Luís Miranda destacou ainda o impacto positivo dos FIDCs na gestão de portfólio: “Eles conseguem melhorar a eficiência da carteira, oferecendo retornos competitivos e menor volatilidade em comparação com outros ativos, pois o risco fica concentrado na cota subordinada.”
Mercado maduro com potencial de expansão
Jackson Kestring ressaltou que o FIDC é um produto consolidado, com 22 anos de regulamentação e forte governança, e que o recente boom de investimentos não é fruto do acaso.
“O mercado evoluiu muito, o regulador está atento, e as inovações regulatórias, como a Resolução 175, criam condições para que o segmento cresça ainda mais”, afirmou.
Sobre a tributação, Kestring foi enfático: “Acreditamos que a atual tributação veio para ficar. A indústria e os consultores vão encontrar formas de incorporar esse custo sem prejudicar o investidor.”
O consenso entre os especialistas é que os FIDCs continuarão ganhando espaço como uma classe de ativos estratégica para investidores qualificados e varejo, com perspectivas positivas graças à diversificação das teses, avanços regulatórios e maior acesso ao mercado.