A disputa entre os herdeiros de Tarsila do Amaral atingiu tamanha proporção que a Justiça precisou intervir para organizar o processo de inventário.
Em 11 de outubro de 2023, a juíza Eliane da Camara Leite Ferreira, da 1ª Vara da Família e Sucessões do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), determinou que o inventariante apresentasse, em até 20 dias, uma lista completa dos bens e direitos da artista, sob pena de remoção. A decisão também reforçou que cotas e ações de empresas criadas após a morte da artista não devem ser incluídas na partilha.
Outro ponto importante definido pela juíza foi a exclusão de netos e bisnetos de herdeiros, que sequer haviam nascido à época da morte de Tarsila, da sucessão, já que, segundo a lei, não possuem direito à herança. A confusão sobre os bens e direitos relacionados à obra de Tarsila do Amaral se intensificou ao longo dos anos, especialmente após a venda de quadros valiosos e o aumento da relevância de seus direitos autorais.
A origem da disputa
A disputa judicial começou com a venda de uma pintura de Tarsila avaliada em R$ 16 milhões. Desde então, os 56 herdeiros da pintora travam uma batalha pelos direitos autorais de sua obra.
Tarsila do Amaral faleceu em 1973, aos 86 anos, sem deixar filhos ou marido.
A administração do espólio da artista ficou a cargo de quatro sobrinhos-netos a partir de 2005: Tarsila do Amaral (Tarsilinha), Paulo do Amaral Montenegro, Luís Paulo do Amaral e Heitor do Amaral. Eles fundaram uma empresa para gerenciar os direitos autorais e dividir os lucros entre os herdeiros.
Até 2020, Tarsilinha geria as parcerias comerciais, com o consentimento dos demais sócios.
A marca “Tarsila do Amaral” tornou-se popular, sendo estampada em diversos produtos, como camisetas e cadernos. No entanto, com as vendas milionárias dos quadros “A Lua” e “A Caipirinha” — vendidos por R$ 74 milhões e R$ 57,5 milhões, respectivamente — a disputa ganhou novas proporções. Mesmo não pertencendo mais ao patrimônio familiar, esses quadros geraram ganhos aos herdeiros devido ao direito de sequência.
O que é o direito de sequência?
O direito de sequência é uma regra que garante ao autor, ou seus herdeiros, uma compensação financeira de ao menos 5% sobre o valor da venda de uma obra original, quando ela é revendida.
Esse princípio protege os artistas, permitindo-lhes compartilhar dos lucros gerados por suas obras ao longo do tempo.
No Brasil, o direito de sequência vigora até 70 anos após a morte do artista. No entanto, muitos negociantes de arte ignoraram esse direito, argumentando que a legislação brasileira tinha lacunas. Além disso, muitos artistas e herdeiros desconheciam tal direito, o que dificultava sua reivindicação.
Quem vai herdar o legado de Tarsila do Amaral?
A ausência de herdeiros diretos de Tarsila do Amaral trouxe à tona uma questão comum: o destino do patrimônio de quem não tem filhos, pais ou cônjuges.
No caso da artista, o patrimônio não inclui apenas bens materiais, mas também direitos autorais, que continuam a gerar lucros.
A lei brasileira e a herança
A legislação brasileira divide os herdeiros em duas classes: os necessários (filhos, pais e cônjuges) e os colaterais (irmãos, tios e sobrinhos). Na ausência de herdeiros necessários, a herança pode ser distribuída entre parentes até o quarto grau. Caso não existam herdeiros até esse limite, o patrimônio é declarado vacante e passa para o Estado.
No caso de Tarsila, sobrinhos-netos assumiram a gestão de sua herança, mas a falta de consenso ameaça desvalorizar seu legado. A autenticidade de algumas obras, como certos desenhos da artista, é questionada, o que pode impactar negativamente o valor de suas obras no mercado.
A briga pela herança de Tarsila do Amaral é mais do que uma simples disputa por bens; trata-se de uma batalha pela preservação e valorização de um dos maiores legados artísticos do Brasil. Caso não haja acordo, a gestão desse patrimônio pode ser transferida para uma pessoa externa, como já aconteceu em casos semelhantes no Brasil.
Quem foi Tarsila do Amaral?
Tarsila do Amaral (1886–1973) foi uma das maiores artistas modernistas brasileiras, conhecida por suas pinturas vibrantes que celebram a cultura e identidade nacional.
Parte do movimento antropofágico, sua obra “Abaporu” (1928) é um marco do modernismo no Brasil e influenciou profundamente a arte latino-americana.
Tarsila explorou temas como a cultura popular, o folclore e as paisagens brasileiras, criando um estilo único que combinava formas simplificadas e cores intensas.
Sua contribuição artística foi fundamental para a afirmação de uma arte moderna e autêntica no Brasil.
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