A análise da balança comercial brasileira no primeiro bimestre de 2022 pelo ICOMEX (Indicador de Comércio Exterior) da Fundação Getúlio Vargas registra um saldo positivo para o país de R$ 3,9 bilhões. O desempenho foi influenciado pela ampliação de valores e de volume de produtos negociados em relação ao mesmo período de 2021.
Os dados foram divulgados, nesta segunda-feira (21), pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ibre).
O estudo registra ainda uma confirmação do aumento dos preços das commodities, uma vez que o aumento do valor negociação cresceu mais, proporcionalmente, do que o volume de produtos. No caso das importações, o volume caiu em relação ao mesmo período do ano passado.
O ICOMEX ressalta os principais resultados do primeiro bimestre da balança comercial, onde se destaca o aumento de preços das importações. Antes, porém, chama-se atenção para os principais impactos da guerra entre Rússia e Ucrânia para o comércio exterior do Brasil.
Impacto imediato da guerra
A guerra entre Rússia e a Ucrânia começou há menos de um mês, mas já provoca forte impacto no comércio mundial:
- acelera o processo de aumento nos preços das commodities
- leva a medidas protecionistas na área agrícola
- contribui para estratégias de redução da dependência das cadeias globais de valor
- amplia as incertezas sobre o cenário geopolítico mundial, em especial quanto ao papel da China.
Hoje, Rússia e a Ucrânia respondem por 53% do comércio global de óleo de sementes de girassol e 27% do trigo. A Rússia é a principal fornecedora de gás natural para a principal economia da União Europeia. A Alemanha, por exemplo, que vem tomando uma série de medidas restritivas ao comércio com os russos, porém sempre deixando o gás natural de fora das ações.
A Organização Mundial de Comércio (OMC) já identificou a adoção de medidas restritivas às exportações, como forma de assegurar a oferta doméstica ou conter a inflação, por exemplo: a Rússia suspendeu as exportações de fertilizantes e de grãos; a Indonésia colocou medidas restritivas em relação às vendas de óleo de palma no comércio mundial; e a Argentina cogita introduzir impostos sobre as exportações de óleos vegetais.
Efeitos diretos no Brasil
O principal impacto imediato da guerra na economia brasileira se refere à oferta de fertilizantes e ao aumento no preço das commodities agrícolas e de petróleo. A Rússia respondeu por 23,3% das importações brasileiras de produtos classificados como fertilizantes em 2021, seguida pela China, com 13,7%, Marrocos, com 10,5%, Canadá, com 9,8% e Estados Unidos, com 5,7%.
Como a redução da oferta da Rússia afeta todos os países, a avaliação dos especialistas agrícolas sobre o impacto na produção agrícola brasileira para a próxima safra de grãos tem que levar em consideração os estoques de fertilizantes no Brasil, o cronograma do plantio, o potencial de diversificação da pauta de importações e a duração da guerra.
O aumento dos preços das commodities já estava em curso desde 2021, sendo destacado como um dos fatores que explicam o aumento da inflação no Brasil. Além da elevação do preço do trigo e do risco de redução nas próximas safras pela dificuldade na obtenção dos fertilizantes, o aumento do preço do petróleo tem prioridade na agenda da política econômica brasileira, o que a torna suscetível aos impactos do prolongamento do conflito.
Economia menos global?
Para os analistas da FGV, a guerra reforça a tendência de desaceleração da globalização que já vinha ocorrendo desde final dos anos de 2010. “Ressaltamos uma dúvida: se essa desaceleração levará a uma fragmentação do comércio e das finanças em situação de tensões ou se é possível uma convivência pacífica nesse mundo multipolar”, alerta o estudo, lembrando que trata-se de uma questão de solução de médio e longo prazo.
Para o Brasil, é importante compreender como as relações bilaterais entre China e Estados Unidos serão afetadas pelo conflito. Hoje, os norte-americanos se posicionam em defesa da soberania da Ucrânia, mas com ações indiretas, como o fornecimento de armas, mas sem envolvimento direto de suas forças na conflito – o que poderia resultar em sua ampliação imediata. Já os chineses oferecem apoio indireto aos russos, preferindo endossar o termo “ação extraordinária” usado pelo país e se abstendo nas resoluções da ONU que condenam a guerra.
A relação entre a China e as grandes economias do Ocidente já era um tema na agenda internacional e a guerra trouxe um teste quanto à forma de o país se conduzir num cenário global. Para o Brasil, um país com interesses comercias com a China e o Ocidente, fica o desafio de construir uma estratégia que atenda aos interesses de todos os setores domésticos que operam na economia mundial.
Comparações dos indicadores
Mais preços, menos volume
A balança comercial do primeiro bimestre de 2022 foi de US$ 3,9 bilhões. O valor exportado cresceu 36,1% e o importado, 30,3%. O volume e os preços exportados aumentaram em 16,9% e 15,9%, respectivamente. No caso das importações, o aumento em valor é explicado pelos preços (33,9%), pois o volume recuou em 2,8%, como mostra o gráfico abaixo.
Variação mais alta das commodities
A variação no valor exportado das commodities superou o das não commodities. Seja em termos de volume como preços, os índices das commodities foram superiores ao das não commodities: para o volume, as commodities cresceram 21,5% e as não commodities, 17,5%; no caso dos preços, o aumento das commodities foi de 14,3% e das não commodities, de 10,1.
Preços mais salgados para importações
Os resultados para os índices das importações mostram diferenças mais acentuadas. Destacam-se os aumentos nos preços tanto das commodities como das não commodities em 51,8% e 32,2%, respectivamente, ambos superiores ao da variação no volume.
Mercado do petróleo em alerta
O setor de petróleo e derivados participou com 14% e 11% das exportações e importações brasileiras em 2021, respectivamente, e ilustra o aumento nos preços das commodities. Destaca-se o saldo comercial do grupo petróleo e derivados, que é superavitário, desde 2016. Em 2021, o superávit foi de US$ 14,3 bilhões.
Chama a atenção o fato de que a elevação de preços foi maior nos preços das importações do que nas exportações, uma influência da desvalorização do câmbio, com o real perdendo valor em relação ao dólar. As incertezas trazidas pela guerra podem acentuar essa tendência.
Soja tem crescimento grande de vendas
O setor agropecuário registrou uma variação de 91,6% em volume e de 32,3% nos preços, na comparação entre os dois primeiros bimestres de 2021 e 2022. Foi o setor com o melhor desempenho em termos de volume e preços. Nas importações, as maiores variações foram na atividade extrativa.
Na agropecuária, o aumento de 314% no volume das exportações de soja impactou o resultado. Na atividade extrativa, o comércio de petróleo lidera esse resultado.
Para quem exportamos
A China lidera os principais mercados de exportações do Brasil, com participação de 24%. Entre os três principais produtos exportados — soja, petróleo e minério de ferro — apenas a soja registrou variação positiva, de 312%. Isso explica que o país tenha registrado a menor variação em volume comparada com os outros mercados.
Para os Estados Unidos, o aumento em volume foi de 17,3% e em valor de 50,2%. O desempenho nesse mercado está associado ao aumento de 365%, em valor, das exportações de petróleo, com participação na pauta de 14%, seguido de semimanufaturas de aço (participação de 12% e crescimento de 36%) e café não torrado (participação de 6,4%, crescimento de 62,4%).
Nas importações, a China sobressai com o registro da maior variação em volume, enquanto que para todos os outros mercados, exceto os Estados Unidos, as importações recuaram.
Em termos dos saldos bilaterais, o comércio com a China foi superavitário em US$ 590 milhões e deficitário com os Estados Unidos em US$ 2,8 bilhões. Se considerarmos toda a Ásia, porém, o saldo bilateral é positivo em US$ 2,3 bilhões. No caso da América do Sul, o superávit foi de US$ 1,7 bilhões.