Nos últimos dias, o debate em torno de uma possível candidatura de Janja Lula da Silva à Presidência ganhou espaço na imprensa e nas redes sociais. A ideia de “Janja candidata” surgiu após uma pesquisa encomendada por aliados do presidente Lula testar um cenário hipotético de segundo turno entre ela e Michelle Bolsonaro. No levantamento, as duas aparecem tecnicamente empatadas com 41% das intenções de voto no estado de São Paulo.
Apesar da especulação, juridicamente, Janja não pode ser candidata à Presidência em 2026.
O principal motivo que inviabiliza a candidatura de Janja está no artigo 14 da Constituição Federal de 1988. Segundo a norma, são inelegíveis, dentro do território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou por afinidade, até o segundo grau, de presidentes da República, governadores, prefeitos e demais chefes do Executivo.
Na prática, isso significa que, enquanto Lula ocupar a Presidência, Janja está impedida de se lançar candidata, salvo se o presidente renunciar ao cargo pelo menos seis meses antes das eleições, uma possibilidade remota e politicamente improvável.
A exceção à regra
Existe uma exceção à vedação constitucional: quando o cônjuge ou parente já ocupa um cargo eletivo. Esse foi o caso dos filhos de Jair Bolsonaro, que, já eleitos, puderam concorrer à reeleição mesmo com o pai na Presidência. Como Janja não detém nenhum mandato, essa possibilidade não se aplica a ela.
Além da Constituição, outras normas reforçam a inelegibilidade, como a Lei Complementar nº 64/90, conhecida como Lei das Inelegibilidades, e a Lei Complementar nº 135/10, que instituiu a Ficha Limpa.
O cenário político e o balão de ensaio
A especulação sobre “Janja candidata” foi alimentada por aliados do próprio presidente Lula, que chegaram a encomendar pesquisas para medir a popularidade da primeira-dama. Contudo, esse movimento é considerado, por analistas políticos, como um “balão de ensaio”, uma notícia plantada para testar a repercussão pública, mas sem base concreta.
No caso de Michelle Bolsonaro, por outro lado, a candidatura é vista como mais plausível. Jair Bolsonaro está inelegível, e Michelle passou a ser cogitada como herdeira política natural, sobretudo entre eleitores evangélicos e conservadores.
A crítica ao personalismo político
Especialistas apontam que a discussão sobre uma eventual disputa entre Janja e Michelle é um desserviço ao debate sério sobre a participação feminina na política. A restrição desse debate a figuras ligadas a sobrenomes já consolidados — Lula e Bolsonaro — reforça uma tradição personalista e patrimonialista da política brasileira, que transforma cargos eletivos em extensões familiares.
Ao mesmo tempo, setores da esquerda avaliam que a sucessão do lulismo deve focar em lideranças com trajetória política consolidada, capazes de ampliar o espectro do campo progressista, e não em figuras associadas exclusivamente ao núcleo familiar do presidente.
O papel institucional da primeira-dama
Atualmente, Janja exerce um papel de representação simbólica e social, como prevê orientação recente da Advocacia-Geral da União (AGU). Ela acompanha Lula em agendas internacionais e atua em causas sociais, como saúde da mulher e combate à fome, mas sem ocupar cargo público formal. Apesar disso, sua atuação já é alvo de críticas e ações judiciais, especialmente por parte da oposição, que questiona o uso de recursos públicos em suas viagens.
Um exemplo notório é a ação popular que busca suspender o custeio das viagens de Janja ao exterior, sob a alegação de que causam constrangimento diplomático e geram gastos indevidos.
A possibilidade remota: Lula renunciar
Tecnicamente, há apenas uma possibilidade para que Janja se torne elegível: a renúncia de Lula ao cargo até seis meses antes da eleição. Nesse cenário, o vice-presidente Geraldo Alckmin assumiria a Presidência, e a inelegibilidade de Janja seria afastada. No entanto, essa hipótese é considerada extremamente improvável, dado o simbolismo da vitória histórica de Lula e o custo político de uma renúncia.
A ideia de “Janja candidata” não passa, por ora, de uma especulação desprovida de base legal e política. Embora tenha crescente visibilidade pública e forte presença nas agendas do governo, a Constituição e as leis eleitorais são claras: cônjuges do presidente em exercício não podem se candidatar. No atual cenário, a sucessão política seguirá o roteiro institucional, com nomes que possuam trajetória e condições jurídicas adequadas para disputar o mais alto posto do país.
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