Repercute na mídia e no mercado uma tese de que a taxa básica de juros da economia, Selic, poderia ter um início de ciclo de queda mais cedo do que o esperado.
Até aqui, a expectativa é que os juros comecem a cair apenas a partir de 2024, permanecendo nos atuais 13,75% pelos menos até dezembro deste ano.

Porém, de uma semana para cá, a tese em questão une alguns fatores para afirmar que o Banco Central (BC) pode apressar o passo e antecipar o corte de juros para este semestre ainda.
Vale dizer, a próxima reunião de política monetária do Copom, comitê do BC encarregado de discutir e definir juros, acontece dias 21 e 22 deste mês.
Os fatores seriam:
- A pressão constante do governo, pressionando o presidente do BC, Roberto Campos Neto, a baixar os juros;
- A apresentação ainda neste mês de um novo arcabouço fiscal; já que, para alguns, só a ideia de ter um arcabouço já é positiva para o mercado (“ter um arcabouço é melhor do que não ter”, afirmam);
- A desaceleração da atividade, que puxaria a inflação para baixo;
- E uma crise de crédito em andamento, que afetaria ainda mais a atividade.
O movimento vem, inclusive, derrubando as taxas de juros futuros.
Para entender o contexto e saber se ele faz sentido, conversamos com Stephan Kautz, economista-chefe da EQI Asset. Acompanhe.
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Crise de crédito não é tão crítica assim
Kautz afirma que, após a fraude detectada na Americanas (AMER3), houve, de fato, uma contração do mercado de crédito, com redução das linhas de crédito dos bancos e dificuldades das empresas em captar crédito via emissão de títulos. Mas nada significativo a ponto de abalar as expectativas macro.
“Foi um evento de fraude, inesperado, que levou todo mundo a rever as empresas das quais têm títulos e qual o tamanho do risco nas carteiras. Mas não vemos como uma grave crise de crédito. Não entendemos que seja sistêmico e afete muito os balanços dos bancos ou leve a uma contração significativa do mercado, a ponto de gerar recessão ou desaceleração muito maior do que a que já se tem. Os próprios bancos vêm passando essa sinalização”, explica.
Segundo Kautz, os analistas de crédito da EQI Asset apontam que a situação não é assim tão dramática. E que não haverá uma desaceleração tão forte da atividade a ponto de puxar a inflação para baixo.
“Isso, por si só, já seria motivo para não embarcar nesse discurso de que o Banco Central vai se antecipar e cortar juros”, enfatiza.
Histórico do BC é socorrer bancos com medidas regulatórias
Além disso, ele aponta, o histórico do BC mostra que a instituição sempre agiu no sentido de dar suporte aos bancos para atravessarem a crise.
“Em situações semelhantes do passado, o BC atuou estendendo linhas de liquidez para os bancos e reduzindo os níveis de compulsórios, que são as medidas regulatórias ou macroprudenciais, que a gente chama, para evitar um espalhamento do problema”, diz.
“E mesmo que a gente estivesse errado e estivesse ocorrendo esse evento tão dramático assim, a primeira linha de atuação do Banco Central não seria se antecipar e cortar a taxa de juros”, pondera.
Cenário interno não condiz com redução de juros
O economista-chefe da EQI Asset aponta ainda que a inflação, apesar de estar desacelerando, ainda é alta, o que não condiz com redução dos juros.
“A inflação permanece alta, entre 5,5% e 6%, bem acima da meta. As projeções de inflação para este ano estão todas oscilando entre 6% e 6,5%, tanto as nossas como as de consenso de mercado. As expectativas para frente estão desancoradas, acima das metas de inflação. E a incerteza fiscal segue presente, porque não se tem a nova regra que vai ficar no lugar do teto e não se tem perspectiva de com vai ser o fiscal este ano, porque as propostas apresentadas pelo ministro Haddad ainda têm que ser votadas pelo Congresso. Então, em geral, não parece haver nenhum grande motivo para o Banco Central querer antecipar esse movimento”, conclui.

Cenário externo também não é convidativo a cortes
Se no Brasil o cenário ainda não é para cortes de juros, o exterior só reforça a tese.
Isso porque o contexto é de inflação ainda mais resistente, com bancos centrais falando em subir ainda mais os juros, como ficou claro no discurso de Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), banco central americano, nesta semana ao Congresso.
Powell afirmou que “não há decisão tomada” sobre a reunião de política monetária dos EUA dias 21 e 22 de março, mas que possivelmente os juros chegarão a patamares mais altos do que os projetados inicialmente pelo mercado, indo além dos 5,5% ao ano.
Desta forma, fica ainda mais difícil para o BC brasileiro promover algum corte na Selic.
“Se Banco Central brasileiro corta juros cedo, ele pode afetar a taxa de câmbio, com redução acelerada do diferencial de juros entre Brasil e países desenvolvidos. E, daí, é jogar gasolina na fogueira da inflação”, resume Kautz.
“A gente entende que o BC vai manter cabeça fria, não vai embarcar nessa narrativa e, no final do ano ou início do ano que vem, daí sim, ele deve entrar em um ciclo de corte de juros mais sustentável e alinhado com os fundamentos”, diz.
No entanto, ele pondera, se as questões fiscais forem encaminhadas de maneira célere, talvez ainda no quarto trimestre deste ano haja algum espaço para corte de juros.
“Nosso cenário-base segue em 13,75% até dezembro, com corte da Selic em 2024 para 10,5%”, complementa.
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