“Casablanca”, lançado em 1942, foi indicado para 8 Oscars e constantemente é escolhido nas listas de “maiores da história do cinema”.
O filme tem um roteiro incomum, uma trilha sonora primorosa e atuações brilhantes de Humphrey Bogart (como Rick) e da belíssima Ingrid Bergman (como Ilsa). Se você torce o nariz para filmes em preto e branco, faça um esforço, garanto que vai valer a pena.
Em uma das cenas mais memoráveis do filme tem Rick e um personagem coadjuvante (mas que rouba a cena), o capitão Louis Renault, interpretado pelo grande Claude Rains.
Sem entregar demais para quem ainda não assistiu, perto do final, Rick mata um oficial nazista e Renault está ao seu lado. Quando seus soldados chegam, atraídos pelo som do tiro, Renault diz “Mataram o major, prendam os suspeitos de sempre”.
A frase “prendam os suspeitos de sempre” se tornou um clichê em todo mundo.
Sempre que acontece algo que chama atenção, exige providências ou investigações, a primeira reação pública é sempre essa: prender os suspeitos de sempre. E, normalmente, as providências acabam por aí.
Tudo isso me veio à mente com os recentes acontecimentos com a Americanas, a centenária varejista que saiu, em poucos dias, de uma das empresas mais admiradas do país para uma recuperação judicial que se configura bastante difícil e demorada.
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O caso é complexo e muitos dos detalhes ainda não são de conhecimento público. Afirmar qualquer coisa sobre o comportamento da empresa e dos seus administradores seria leviano neste momento.
Mas, de toda forma, a opinião pública não se prende ao tempo das investigações de contabilidade forense e das cortes de reorganização.
O público quer explicações, e quer para já. Acionistas, detentores de títulos de dívida, cotistas de fundos de investimentos, entre outros, foram prejudicados, sem falar dos fornecedores e funcionários, que vivem dias de insegurança.
A solução rápida (e ineficaz)? Prendam os suspeitos de sempre!
Não vale a pena entrar em detalhes sobre todos os diversos “suspeitos” apontados desde então (administradores, auditores, controladores…). Como disse, não temos todos os detalhes ainda. Mas um dos “culpados/suspeitos” de sempre, os analistas de investimentos, já apareceram na lista.
Em casos como estes, os analistas são acusados de não antever o desastre e de emitir opiniões baseadas em previsões que nunca se confirmam. E qual o problema com esta visão? Bom, ela está simplesmente errada, pois desconhece qual é o verdadeiro trabalho que o analista desempenha. Vamos ver alguns exemplos:
- O analista de investimentos não prevê o futuro.
Aliás, ninguém prevê o futuro, e este é um bom indicador para você sair correndo de perto de qualquer profissional que afirme poder fazer isso.
O analista desenha cenários possíveis e, com base no seu conhecimento do assunto e em sua experiência, atribui probabilidades para cada um desse vários cenários possíveis.
Com base nisso e todo o resto constante (importante), ele chega a uma estimativa de valor esperado para um ativo, que comparado com o preço atual, pode basear uma recomendação de investimentos (compra, venda ou manutenção, por exemplo). - O futuro não é estático, ele muda a cada novo fato.
Aquela parte “todo o resto constante” é fundamental. Nada é constante.
O analista está (ou deveria estar) sempre avaliando se os cenários futuros ainda continuam válidos e se as probabilidades atribuídas continuam bem calibradas, ajustando sempre que possível.
É comum, por exemplo, acusar um analista de errar um “preço-alvo” atribuído a uma ação ou a um indicador econômico qualquer, mas esquecer de olhar as eventuais atualizações feitas durante o período. Uma recomendação de investimentos nunca é estática e nunca vale indefinidamente. - Os analistas trabalham com informações públicas.
Ainda que seja normal que analistas se dediquem às minúcias das demonstrações financeiras e chequem as informações prestadas pelas companhias com outras fontes também públicas, é pouco usual que um analista consiga sozinho, e usando informações públicas, desvendar um caso de inconsistência contábil (para usarmos a mesma expressão usada pela Americanas).
Ainda mais uma inconsistência que não foi descoberta por auditores internos e externos e pelos outros órgãos de controle que companhias abertas obrigatoriamente possuem, especialmente as do Novo Mercado.
Enfim, neste, como em outros casos similares, o melhor é aprender a lição que órgãos de controle das companhias não são perfeitos e que problemas podem acontecer, mesmo quando todos agem de boa fé e com diligência.
E reaprender outra lição, bastante antiga, mas sempre atual: diversificação é sempre a melhor receita. E deixemos o trabalho de mandar prender os suspeitos de sempre para quem não quer aprender nada.
Por Luís Moran, head da EQI Research
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