A Brinquedos Estrela (ESTR4) representa um dos capítulos mais marcantes da indústria nacional, consolidando-se como sinônimo de infância para milhões de brasileiros ao longo de quase nove décadas. Fundada em 1937 pelo imigrante alemão Siegfried Adler, que fugiu do nazismo em busca de uma nova vida no Brasil, a empresa começou de forma modesta, produzindo bonecas de pano e carrinhos de madeira em uma pequena fábrica no bairro do Belém, em São Paulo.
Com o slogan “Toda criança tem uma Estrela dentro do coração”, a companhia conquistou gerações e transformou-se em referência no mercado de brinquedos, mesmo enfrentando crises que quase levaram ao seu fechamento.
Os primeiros passos de uma gigante nacional
Quando Siegfried Adler desembarcou no Brasil sem recursos financeiros, precisou recomeçar do zero. Inicialmente, ele vendia tampinhas de garrafas, atividade que considerava desinteressante. Foi através de um amigo que conheceu uma pequena fábrica de bonecas de pano falida, chamada Estrella (com dois “L” pela grafia antiga), que funcionava em um sobrado acima de uma escola de samba.
Com apenas quatro máquinas de costura e poucos funcionários, Adler vislumbrou uma oportunidade e adquiriu o negócio. Nos primeiros anos, ele mesmo vendia os produtos de porta em porta, obtendo sucesso rapidamente graças à qualidade e durabilidade dos brinquedos.
A estratégia de fabricar miniaturas de animais e bonecas com materiais resistentes logo atraiu a atenção dos consumidores. Para os pais da época, compensava investir nos produtos da Brinquedos Estrela pela durabilidade superior em comparação aos concorrentes.
Em menos de três anos, o empreendimento cresceu significativamente, permitindo que Adler expandisse a produção e modernizasse as instalações. A empresa começou a se destacar no cenário nacional, estabelecendo as bases para o que se tornaria a maior fabricante de brinquedos do país.
A consolidação no mercado brasileiro
O verdadeiro salto da empresa ocorreu no início dos anos 1940, quando a Brinquedos Estrela abriu seu capital para investimentos e adquiriu os direitos do jogo Monopoly, que no Brasil recebeu o nome de Banco Imobiliário. Lançado em 1944, o jogo tornou-se o tabuleiro mais vendido do país e permanece como um clássico até hoje. O sucesso do Banco Imobiliário foi tão expressivo que proporcionou recursos para a empresa ampliar significativamente seu portfólio de produtos.

Ao longo das décadas seguintes, a fabricante emplacou sucessos memoráveis que marcaram a infância de várias gerações. A boneca Pupi, lançada nos anos 1950, foi a primeira boneca articulada de plástico do Brasil, que “dormia e chorava”, representando uma inovação tecnológica para a época.
O Autorama, brinquedo elétrico que simulava pistas de corrida, fez tanto sucesso que o nome entrou para o dicionário Aurélio como sinônimo da categoria.
Outros produtos icônicos incluem a boneca Susi (1966), o Genius (1980), considerado “o computador que fala”, o Falcon (1977), primeiro boneco de ação da marca, e jogos como Detetive, Jogo da Vida e Combate.

A empresa também foi pioneira em diversos aspectos empresariais. Em 1944, tornou-se uma das primeiras companhias brasileiras a abrir capital na bolsa de valores. Em 1992, recebeu a certificação ISO 9001, sendo a primeira fabricante de brinquedos do país a conquistar esse reconhecimento de qualidade. Esses marcos demonstram o compromisso da Brinquedos Estrela com excelência e inovação ao longo de sua trajetória.
Desafios e a luta pela sobrevivência
Apesar do sucesso construído por décadas, a empresa enfrentou momentos críticos que quase resultaram em falência. A abertura do mercado brasileiro a produtos importados durante o governo Collor, no início dos anos 1990, trouxe concorrência intensa de fabricantes estrangeiros, especialmente asiáticos.
A situação agravou-se com o rompimento da parceria de 30 anos com a Mattel, no final dos anos 1990, que permitia à Brinquedos Estrela fabricar e comercializar a boneca Barbie no Brasil.
Com o fim do acordo, a empresa tentou resgatar a boneca Susi, que estava fora das prateleiras havia mais de uma década, apostando na nostalgia dos consumidores. Embora a estratégia tenha despertado memórias afetivas, não foi suficiente para reverter rapidamente os problemas estruturais.
A disputa judicial que se seguiu, com um pedido de indenização de R$ 64,4 milhões, foi considerada improcedente pela Justiça, que destacou que a situação financeira da companhia já era delicada antes do término da parceria.
Outro embate prolongado envolve a multinacional Hasbro, que contesta direitos sobre diversos brinquedos comercializados pela fabricante brasileira, incluindo o Banco Imobiliário. A Hasbro cobra milhões em royalties não pagos e exige a transferência de marcas e destruição de produtos que considera similares aos seus. Embora a empresa norte-americana tenha obtido vitórias judiciais em primeira e segunda instâncias, a Brinquedos Estrela conseguiu suspender algumas decisões através de recursos, mantendo produtos estratégicos em seu catálogo.
A guinada sob nova gestão
Carlos Tilkian foi o responsável por evitar o colapso definitivo da empresa. Assumindo a vice-presidência em 1993, após deixar a Gessy Lever (atual Unilever), Tilkian surpreendeu o mercado três anos depois ao adquirir a companhia da família fundadora, os Adler. A decisão foi considerada extremamente arriscada, pois a Brinquedos Estrela enfrentava crise severa, com estoques encalhados, dívidas tributárias volumosas e muitos prevendo que seria vendida a gigantes estrangeiras ou fecharia as portas.
Sob sua liderança, a empresa iniciou um processo de modernização e reestruturação. Tilkian apostou no relançamento de clássicos como Banco Imobiliário, Detetive, Jogo da Vida e Autorama, investiu no licenciamento de jogos baseados em programas de televisão populares como Show do Milhão e Big Brother Brasil, e estabeleceu parcerias com fornecedores chineses para componentes eletrônicos.
A estratégia de resgatar o patrimônio afetivo da marca, combinada com inovações tecnológicas, permitiu que a fabricante recuperasse espaço no mercado.
Além disso, a empresa diversificou seus negócios criando a Estrela Beauty, voltada ao segmento de cosméticos infantis, e a Estrela Cultural, editora de livros infantojuvenis que ganhou destaque durante a pandemia com o resgate do hábito de leitura. No ambiente digital, a Brinquedos Estrela fortaleceu sua presença em marketplaces como Amazon (AMZN; AMZO34), Shopee, Magalu (MGLU3) e Mercado Livre (MELI; MELI34), focando no público de “kidults” – adultos que compram brinquedos por nostalgia.
A criação do Dia das Crianças
Um dos legados mais importantes da família Adler para o varejo brasileiro foi a criação do Dia das Crianças como data comercial. Mario Adler, filho do fundador e responsável por transformar a empresa em ícone nacional, foi o idealizador dessa campanha que se tornou uma das mais importantes para a indústria e o comércio. A iniciativa começou a ser gestada na metade dos anos 1960, quando a Brinquedos Estrela era a maior fabricante nacional do setor.
O objetivo inicial era reduzir a dependência da indústria em relação às vendas de Natal, criando uma segunda data forte no calendário comercial. Mario Adler chegou a cogitar celebrar o Dia das Crianças no primeiro semestre, mas optou por aproveitar uma lei da época do presidente Arthur Bernardes que já oficializava 12 de outubro como o dia dos pequenos, embora a data não tivesse apelo comercial. A Johnson & Johnson (JNJ; JNJB34) havia tentado algo similar anteriormente com o “dia do bebê robusto” para impulsionar vendas de fraldas, mas a ideia não prosperou.
No primeiro ano da campanha, apesar dos esforços de Mario Adler para convencer grandes varejistas como Americanas (AMER3), Mesbla e Mappin a participarem e dividirem os custos da ação institucional, a Brinquedos Estrela precisou bancar sozinha todas as despesas publicitárias. Os varejistas mostravam-se céticos quanto ao sucesso da iniciativa. Contudo, os resultados positivos logo venceram as resistências e, nos anos seguintes, a data se consolidou. O que era inicialmente focado apenas em brinquedos expandiu-se para todas as categorias do varejo, de vestuário a eletrônicos.
Em 2024, o varejo brasileiro vendeu R$ 9,35 bilhões no Dia das Crianças, demonstrando o impacto duradouro dessa estratégia de marketing.
Estrela nos dias atuais
Atualmente, a Brinquedos Estrela mantém operações em três unidades fabris no interior de São Paulo (Itapira), em Sergipe (Ribeirópolis) e em Minas Gerais (Três Pontas), além de um escritório central na capital paulista que concentra as áreas de presidência, marketing, e-commerce e vendas.
A empresa continua investindo em inovação, associando-se a influenciadores digitais como a youtuber Luluca, e mantém licenças importantes como Masha e o Urso, Peppa Pig e personagens da Marvel.
Em 2024, a fabricante registrou vendas brutas de R$ 188,71 milhões, porém encerrou o ano com prejuízo de R$ 24,3 milhões, reflexo dos altos custos operacionais e da dificuldade em expandir a produção durante o período do Natal. Em setembro de 2025, a companhia firmou acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional para renegociar R$ 747,8 milhões em débitos tributários acumulados desde os anos 2000. Com reduções de 65% em juros e multas, além do uso de créditos fiscais, o valor caiu para R$ 72,4 milhões, parcelados em até dez anos.
Apesar dos desafios financeiros e jurídicos, a Brinquedos Estrela permanece como uma marca 100% brasileira que, há quase nove décadas, faz parte da memória afetiva de milhões de pessoas. A cada dez jogos mais vendidos no Brasil, oito são da Estrela, demonstrando a força de seu portfólio.
Nos últimos 12 meses a companhia cresceu 39,47% no mercado de ações.

Com seu símbolo icônico – uma estrela de quatro pontas fazendo alusão à rosa dos ventos – a empresa reafirma sua presença nos quatro cantos do país, mantendo-se relevante ao equilibrar tradição e inovação em um mercado cada vez mais competitivo e digitalizado.
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