Em cenário de aperto monetário, com Selic nas alturas, incertezas político-econômicas e casos recentes que assustam o investidor – como Americanas, BRK Financeira e Light – surgem questionamentos sobre a qualidade dos papéis emitidos pelas empresas.
Ao investidor, sobram dúvidas e a cautela se faz necessária quanto ao crédito privado.
Para ajudar a entender o contexto, separar o “joio do trigo” e enxergar onde estão as verdadeiras oportunidades, a EQI Investimentos promoveu a live “Desafios e Oportunidades para os Fundos de Crédito Privado”.
No evento, Alejandro Schiuma, gestor de Renda Fixa da EQI Asset; Pierre Jadoul, diretor executivo da ARX Investimentos e responsável pela gestão da estratégia de crédito privado desde 2012; e Victor Campoy, head de Fundos de Investimento da EQI Investimentos, debateram o momento do mercado de crédito privado e as alternativas que os gestores vêm adotando para driblar a turbulência.
Você irá saber mais sobre:
- Mercado de crédito em geral;
- Crédito privado e suas oportunidades;
- Fundos de crédito e desafios diante da atual crise do mercado;
- Como funciona o risco de crédito nestes fundos e formas de fazer esta gestão;
- Novas oportunidades diante desta crise do varejo e o que ela nos ensina.
- Leia também: Crédito Privado, gestores apontam cenários em 2023.
Antes de se aprofundar no tema principal da live, os gestores pontuaram alguns dos conceitos mais básicos sobre o mercado de crédito.
Acompanhe a seguir alguns dos principais insights da conversa.
Marcação a mercado: novas regras traz boas perspectivas
A “marcação a mercado” é uma espécie de atualização – quase sempre diária – a que estão sujeitos os preços dos ativos de renda fixa e as cotas de fundos de investimentos.
De maneira sucinta, a marcação a mercado permite que investidor saiba o valor que receberia hoje caso optasse em vender um título ou cota. No caso dos fundos, ela permite saber, por exemplo, qual seria o valor de venda, hoje, de todos os investimentos que fazem parte da carteira.
Desde o dia de 2 de janeiro de 2023, a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) estabeleceu uma nova regra que determina que distribuidores de investimentos, como bancos e corretoras, precisam “marcar a mercado” o valor de alguns títulos de renda fixa – e não mais só “marcar na curva”, como vinham fazendo até então.
A mudança, na avaliação dos gestores, foi bastante positiva. “O fato de estar marcando a mercado significa que o valor que o investidor enxerga na carteira é, de fato, o valor daquele ativo. No final do dia, quando se marca na curva, não é possível ver a volatilidade, embora ela exista. Afinal, se o investidor precisar mexer no título no meio do caminho, não estará no mesmo preço de compra”, observa Pierre Jadoul, diretor executivo da ARX Investimentos.
Alejandro Schiuma, gestor de Renda Fixa da EQI Asset, concorda e avalia que marcação a mercado vem para melhorar o mercado. “É salutar para o investidor ver qual é o real risco que ele tem em carteira em todo momento do tempo”, complementa.
- Baixe agora mesmo o e-book “Marcação na curva x marcação a mercado: o que muda na renda fixa”.
Spread de crédito: o que é e como é formado?
Existem vários emissores de crédito e cada um deles têm um risco de crédito distinto. O spread de crédito é exatamente o fator que reflete a probabilidade de um emissor não honrar o seu compromisso.
“Tudo parte da taxa livre de risco que, normalmente, é o investimento em algum título do governo. Contudo, quem quer tomar um pouco mais de risco, precisa ir para o setor privado, que paga um prêmio a mais, cuja variação depende do risco da empresa”, explica Jadoul.
O fator risco, segundo explica Victor Campoy, head de Fundos de Investimento da EQI Investimentos, é o que tem movimentando os spreads de mercado atualmente. “Quando o mercado fala sobre altas e baixas no spread de crédito significa que está ficando mais caro ou mais barato fazer empréstimos privados”, observa.
Construção de preços: norteada por questões técnicas e fundamentos
Existem vários fatores na construção do preço do crédito, sendo que o mais natural é que ele reflita o risco de inadimplência, no longo prazo. Quanto maior o risco, maior o prêmio.
É uma questão de oferta e demanda, como explica Campoy. “Na prática, se o ambiente macroeconômico estiver bom, o risco é menor, então, os spreads devem ser menores. Em um ambiente com mais incerteza, o risco é maior, e o spread acompanha esse risco”.
Dentro dessa análise, quando a taxa de juros sobe, mais pessoas ficam dispostas a emprestar dinheiro na Renda Fixa, conforme reitera Jadoul.
“Nesse caso, o cenário se torna mais favorável para o tomador, pois há mais opções. Quando o mercado retrai e fecha as portas do crédito, o prêmio aumenta, porque há menos oferta”, completa.
Alejandro Schiuma, pondera que o comportamento do mercado de crédito diante de juros altos parece um contrasenso. “Se fossemos pensar friamente, quando os juros sobem, os impactos a mais nas despesas financeiras das empresas deveriam deteriorar a qualidade de crédito”, comenta.
Além da oferta e demanda pelo crédito, aliado ao risco do crédito a ser tomado, outras questões influenciam na precificação. Entre eles, estão os agentes econômicos como as agências de rating, que balizam a avaliação entre os créditos indicando os que estão “caros” e “baratos”. Também existem os ratings criados pelos gestores profissionais.
“Ambos podem nortear as decisões sobre a tomada dos créditos. Mas, nesses casos, podem haver divergências de opinião sobre os fundamentos das companhias”, conforme explica o gestor da EQI Asset.
Isso acontece, de acordo com Schiuma, pois o spread tem um “preço” e sua formação parte de modelos que compararam ‘banana com maçã’ para determinar uma classificação. “Isto é, nesse caso, a medida é feita com uma régua única como um “rating”, que compara os diversos riscos de crédito nos setores da economia”, aponta o gestor
- Baixe os materiais gratuitos da EQI.
Spreads de hoje, nos mesmos níveis da pandemia, abrem oportunidades
Os gestores apontam alguns eventos de 2023 que chacoalharam a indústria. Entre eles, as notícias sobre Americanas, BRK Financeira, Light, Marisa, e CVC.
Para Alejandro Schiuma, o caso das Americanas, que tem tido maior repercussão, é um exemplo que abarcou a indústria como um todo. “É impossível detectar uma fraude. Os eventos de crédito sempre existirão”, observa.
Contudo, o gestor explica que a melhor linha de defesa na gestão de fundos é ter processos robustos, replicáveis e documentados. “Manter processos é fundamental para imperar diante de flutuação de curtíssimo prazo. É o que dá resultado”.
Outros pontos, segundo ele, são elevar o nível de caixa dos fundos e trabalhar com setores menos cíclicos, com menos impacto de fatores macro. “É possível ver hoje boas qualidades de crédito que começam a ter preços muito atraentes dado essa pressão vendedora atual”, comenta.
Pierre Jadoul ressalta que é comum que o mercado flutue como um pêndulo entre pessimismo e o otimismo exagerado.
“O caso das Americanas é raro, mas acontece e deve representar uma perda para os fundos, que dificilmente será recuperada. A partir disso, se começa a migrar para um pessimismo exagerado, mas que abre oportunidade”, reforça.
Para efeitos de comparação, os gestores apontam que os spreads de crédito no mercado hoje são semelhantes a julho de 2020, período de grandes incertezas decorrentes de uma pandemia.
“Isso é um exagero, não há fundamentos que justifiquem os níveis que estão sendo negociados”, completa Jadoul.
Recuperação do mercado é esperada em 2023
O diretor executivo da ARX Investimentos avalia que o mercado de crédito alcançou uma situação mais equilibrada no mês de fevereiro, com um melhor nível de resgate nas duas últimas semanas.
De acordo com ele, é preciso considerar que, de modo geral, falta ainda maturidade para a indústria que, na visão dele, está acostumada com pós-fixado e pouca volatilidade.
“Qualquer diferença na cota já é motivo para resgate. Isso faz com que os fundos precisem vender ativos, o que gera uma abertura de spread, mas em algum momento isso se corrige, chegando a um novo equilíbrio”, esclarece.
Jadoul reitera a perspectiva de que o mercado já passou do ponto de flexão, com melhora no mercado secundário.
“Pode ser que essas reflexões demorem a ser vistas nas cotas em razão da marcação a mercado. Mas, eu diria que mais de 80% já foi reprecificado na carteira. Provavelmente, haverá um pequeno fechamento do spread nos próximos meses”, pondera.
Para ele, com o mercado se normalizando, haverá nova competição para emprestar recursos para as companhias e os spreads tendem a fechar.
“No entanto, a volta aos níveis do final do ano passado deve demorar um pouco mais, mas não acho que ficaremos nesse nível de prêmio tão altos quanto a desse momento, por muito tempo”, completa.
Alejandro Schiuma, gestor de Renda Fixa da EQI Asset, alerta que os investidores devem ver um mercado primário ainda muito fechado, com menos oferta de papel. “Estamos chegando a um platô e devemos reverter esse fluxo com performances mais positivas daqui pra frente. Com boas oportunidades para quem tiver paciência”.
Para Victor Campoy, a indústria deve fechar 2023 saudável e com resultados dentro do esperado. “Os fundos devem entregar bem próximo a seus objetivos dentro deste ano”, projeta.
Desafios e Oportunidades para os Fundos de Crédito Privado em 2023
Se você perdeu a live, pode assistir aqui:
O que abala o crédito privado atualmente?
O cenário é de turbulência para o crédito privado.
Isso porque a Selic alta (atualmente em 13,75% e sem perspectivas de que caia até o final do ano) e os juros futuros elevados devido às incertezas políticas já seriam um impacto significativo. No entanto, o crédito privado vem sofrendo ainda mais desde que a Americanas admitiu um rombo bilionário em sua contabilidade, apesar das altas notas de risco de crédito que a empresa recebia até então.
Fora Americanas, a Light teve sua nota rebaixada por uma piora na percepção da qualidade do crédito.
O jornalista Lauro Jardim, do jornal O Globo, publicou que a empresa estaria prestes a pedir recuperação judicial. A empresa negou. Mas o fato é que a distribuidora fluminense tem tido problemas para conseguir rolar as dívidas junto aos credores.
Em nota, a Light informou que contratou a consultoria Laplace para “avaliar estratégias financeiras que viabilizem a melhoria de sua estrutura de capital e de alternativas para tanto”. Vale lembrar que a Laplace é a mesma que atuou na recuperação judicial da Oi (OIBR3).
Para o investidor, isso ligou o alerta para o grande risco do crédito privado: o risco de calote, ou seja, de não ter o pagamento do empréstimo feito pelo investidor à empresa pago corrigido ao final do período.
Por fim, duas financeiras, BRK e PortoCred, tiveram suas liquidações decretadas pelo Banco Central, obrigando os investidores a recorrer ao ressarcimento do Fundo Garantidor de Crédito (FGC) para reaver o dinheiro investido.
Mas mesmo para além das emissões dessas empresas em específico, o mercado como um todo vem sentindo o impacto. A tendência atual é que cada vez mais os prêmios de risco sejam mais altos, o que promove uma desvalorização dos papéis já em circulação no mercado.
- Desafios e Oportunidades para os Fundos de Crédito Privado: entenda os impactos nos seus investimentos. Converse com um assessor da EQI Investimentos.
(Redação com Cláudia Zucare e Vanessa Araujo)