Há quase dois meses, a guerra na Ucrânia tem dominado as conversas e os noticiários de forma geral. Para falar sobre o tema, o EQI Talks recebeu Oliver Stuenkel, professor de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, e e Luis Moran, head da EQI Research. A seguir, confira alguns dos principais pontos dessa conversa.
Guerra na Ucrânia: razões do conflito
Além das razões políticas, há também aspectos culturais e econômicos que motivaram a invasão da Rússia à Ucrânia.
Para Stuenkel, esse conflito terá um impacto muito maior do que outros que ocorreram no passado. Isso porque ele envolve mudanças estruturais no sistema político e econômico, não só nos países envolvidos, mas no resto do mundo.
Há cerca de 30 anos, com o fim da Guerra Fria, a Rússia deixou de ser uma superpotência de um dia para o outro, literalmente.
“Nas relações internacionais, uma grande potência tem uma capacidade enorme em se projetar para fora de suas fronteiras. Até a Guerra Fria, a Rússia era uma das poucas nações com essa característica”, explica o professor.
Quando um país tem esse porte, as chances de invasões vizinhas são bem menores.
“Os outros países lhe tratam bem, e isso traz vantagens econômicas. E era assim com a Rússia durante a Guerra Fria”, complementa Stuenkel.
O início das mudanças
Com a queda do muro de Berlim, em 1989, as coisas começaram a mudar no mundo socialista.
Pouco tempo depois, foi a vez da antiga União Soviética implodir e colapsar. Nas palavras de Stunkel, “um evento trágico para a Rússia”.
Ou seja, de grande potência, a Rússia se viu rebaixada e com uma grande dificuldade para se estabilizar e influenciar o seu entorno. Segundo Stuenkel, esse colapso não foi só geopolítico, pois a estrutura da sociedade também se desintegrou.
“Não havia desemprego na antiga União Soviética. Na pior das hipóteses, as pessoas trabalhavam em coisas inúteis, mas todo mundo tinha emprego e renda. Com o fim da Guerra Fria, houve uma desestabilização nessa estrutura”, observa o professor.
Por outro lado, a Ucrânia sempre teve papel fundamental no imaginário russo. Isso porque era um dos países mais importantes dessa esfera, em parte por razoes estratégicas.
Nesse sentido, Stuenkel explica que o país sempre foi uma espécie de “estado-tampão”, utilizado pela Rússia para se proteger das inúmeras invasões sofridas durante toda a sua história.
Quando ao longo dos últimos anos a Ucrânia começou a se orientar cada vez mais para o Ocidente (por razões políticas e econômicas), criou-se uma narrativa na Rússia de que era preciso parar esse processo.
“É por isso que, para a maioria dos analistas, a guerra não foi uma surpresa. Sempre houve a expectativa de que, em algum momento, a Rússia tentaria assegurar que a Ucrânia estivesse sob sua influência”, afirma.
Reações ao conflito
Em 2014, a reação internacional ao conflito na Ucrânia foi relativamente branda. Na ocasião, chegou-se a falar sobre influência da CIA e apoio de ONGs norte-americanas, mas também havia um movimento orgânico dentro do país para derrubar um governo corrupto. Em resposta, a Rússia invadiu a Crimeia, onde há uma base militar russa importante. Ou seja, sempre há uma mistura de aspectos estratégicos e econômicos nos conflitos que envolvem os dois países.
No entanto, dessa vez as coisas foram bem diferentes. Para Stuenkel, a reação branda da comunidade internacional em 2014 levou o presidente russo a um erro de cálculo.
Como grande produtora de gás, a Rússia abastece boa parte da Europa. A Alemanha, por exemplo, começou a comprar gás russo durante a Guerra Fria, e o acesso à energia barata é fundamental para as economias europeias.
“Parece-me que uma das expectativas de Putin era de que não haveria sanções. Afinal, havia muita resistência em punir a Rússia para não pôr em perigo o fornecimento de energia na região”, avalia Stuenkel.
Porém, diferentemente de 2014, a opinião pública europeia deixou de pensar apenas em termos econômicos e começou a se sentir ameaçada. Isso porque havia medo de que a Rússia pudesse avançar para outros países ao leste da Ucrânia.
Dessa forma, centenas de pessoas foram as praças pressionar governos a cortar laços com a Rússia. “Isso explica porque será tão difícil reverter essas políticas, pois a opinião pública mudou em relação a Rússia”, conclui o professor.
Para Stuenkel, essa é uma guerra popular, pois é como se a Rússia continuasse enxergando a Ucrânia como parte de seu império.

Reprodução/EQI
Razões para a postura russa
Segundo o professor, há razões para a iniciativa de ataque russo à Ucrânia, e isso não se trata de justificar a guerra.
Desde o colapso da União Soviética, a leitura russa é de que o país foi, de certa forma, humilhado. Além disso, a interpretação é de que o sistema liberal, no fundo, sempre teve como objetivo enfraquecer o estado russo.
“Até hoje, não houve um reconhecimento da Rússia por parte do mundo como um ator que foi fundamental para derrotar a Alemanha nazista”, pondera Stuenkel.
Para o professor, diferentemente do que muitos pensam, a derrubada de Putin não seria a solução para o conflito. Nesse sentido, Stuenkel relembra que, nos anos 90, Clinton chamou a Rússia para dentro da OMC. Em troca, o país deveria aceitar a expansão da OTAN.
“Havia a expectativa de que a Rússia se tornaria um pais liberal e democrático, o que não se concretizou. Isso ficou claro no final do governo Obama, e o atual conflito é um dos reflexos disso”, avalia.
Até quando vai a guerra na Ucrânia?
Segundo Stuenkel, o fim oficial do conflito parece muito difícil. Em primeiro lugar, a Rússia pediria um reconhecimento ucraniano de que o leste e sudoeste do país fazem parte do território russo. Além disso, outra exigência seria a desmilitarização ucraniana, o que dificilmente aconteceria hoje.
“Na visão ucraniana, um acordo que a Rússia assine hoje não é confiável. Por isso, acho pouco provável o fim próximo da guerra. Em parte, também porque os ucranianos estão confiantes, pois receberam grande quantidade de armamento pesado”, diz.
Para Stuenkel, o mais provável é que a guerra passe por uma espécie de impasse permanente, e se torne um conflito congelado. Na sua visão, temporariamente a Rússia pode decidir não bombardear mais a Ucrânia, por não ter vantagens ao avançar para dentro do país.
No entanto, a médio prazo, o conflito reduzirá gradativamente a taxa de aprovação de ambos os governos.
“Creio que, em todos os cenários, teremos a continuidade e até o agravamento das sanções contra a Rússia. De forma geral, há poucas chances de oferecer uma saída honrosa aos grupos envolvidos”.
Para Stuenkel, a radicalização do discurso publico deixa pouca margem para negociar um acordo de paz.
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