A reunião da Otan, que acontece nesta terça-feira (24) na Holanda, promete ser uma das mais relevantes dos últimos anos. O encontro reúne os 32 países membros da aliança militar ocidental em um momento de crescente tensão geopolítica, especialmente com os desdobramentos da guerra na Ucrânia e os recentes ataques envolvendo o Irã.
O ponto central da cúpula é o compromisso, já acordado em princípio pelos embaixadores da aliança, de elevar os gastos com defesa para 5% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2035. Isso inclui 3,5% diretamente para defesa militar e mais 1,5% destinado a infraestrutura estratégica, como inteligência, segurança cibernética e redes de comunicação.
Desafios no cumprimento das metas
Apesar do compromisso formal, colocar esse plano em prática não será tarefa simples. Dados da própria Otan mostram que muitos países ainda têm dificuldades até mesmo para cumprir o antigo pacto de 2014, que estipulava investimentos de 2% do PIB em defesa.
Enquanto países como Polônia, Estônia, Letônia, EUA e Grécia já superaram essa meta, potências econômicas como Canadá, Espanha e Itália continuam abaixo do patamar acordado. E o aumento para 5% encontra forte resistência.
O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, foi direto: “Respeitamos plenamente o desejo legítimo de outros países de aumentar seus investimentos em defesa, mas não faremos isso”. Sánchez chegou a classificar a proposta como “irracional e contraproducente”.
Atritos dentro da aliança
A resistência não é isolada. Na Itália, o ministro da Defesa, Guido Crosetto, questionou abertamente a relevância da Otan, afirmando que a organização “como está, não tem mais razão de existir”.
Mesmo países que apoiam a ideia, como Reino Unido e Alemanha, enfrentam desafios econômicos internos. O Reino Unido, por exemplo, pediu um prazo adicional de três anos para alcançar a meta.
Pressão dos Estados Unidos
Essa pressão por mais gastos não é nova. Desde seu primeiro mandato, Donald Trump deixou claro que a “era da moleza” dos europeus havia acabado. Na avaliação de Marink Martins, analista internacional da EQI Research, o discurso dos EUA é direto: “Acabou a moleza, vocês vão ter que colocar a parte de vocês aqui na Otan”*
Os EUA atualmente gastam cerca de 3,5% do PIB em defesa e querem que os europeus sigam um modelo semelhante, somando ainda investimentos em infraestrutura militar. Esse movimento, segundo Marink, pode representar uma transformação profunda não só no setor de defesa, mas também na dinâmica econômica da Europa.
Impactos econômicos além da defesa
Essa expansão dos gastos militares, segundo análise do economista Jeffrey Currie, pode ser uma “remoção da camisa de força” da Europa, especialmente da Alemanha, que até então mantinha disciplina rígida nos gastos públicos. Isso pode impulsionar investimentos em setores tradicionais da economia — como aço, energia, mineração e infraestrutura — trazendo reflexos até para mercados emergentes, como o Brasil.
Segundo Marink, se a Alemanha começar a gastar mais em defesa e infraestrutura, isso destrava trilhões de dólares em investimentos na velha economia, o que “é música” para setores como petróleo, minério de ferro, cobre e outros commodities.
Um futuro incerto para a Otan
Por trás da discussão sobre percentuais de gasto, há uma questão mais profunda: a sustentabilidade da própria reunião da Otan como aliança militar relevante no século XXI. A distribuição desigual dos encargos, as tensões comerciais e as disputas políticas internas podem colocar à prova a coesão do bloco.
Como resume o vice-diretor de pesquisa da consultoria de risco Teneo, Carsten Nickel: “Maiores gastos com defesa abordam apenas parte de um desafio mais profundo ao relacionamento transatlântico”.
A reunião da Otan desta semana não define apenas números no orçamento, mas também o futuro da Otan em um mundo onde as ameaças se tornam cada vez mais híbridas — combinando guerra convencional, cibernética, econômica e política.