O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, alertou na última quarta-feira (28) para a possibilidade de um “shutdown” – paralisação da máquina pública por falta de recursos – caso o Congresso Nacional derrube o decreto que aumenta o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).
A declaração foi feita após reunião com os presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
“Expliquei as consequências disso em caso de não aceitação da medida, o que acarretaria em termos de contingenciamento adicional, nós ficaríamos em um patamar bastante delicado do ponto de vista do funcionamento da máquina pública e do Estado brasileiro”, afirmou o ministro.
O que é shutdown e por que preocupa
O termo “shutdown”, bastante conhecido nos Estados Unidos, refere-se à paralisação dos serviços governamentais não essenciais devido à falta de aprovação orçamentária. Nos EUA, esse fenômeno é recorrente e tem características específicas do sistema político americano.
O shutdown americano ocorre quando há o que se chama de “funding gap” (lacuna de financiamento) – situação em que o Congresso e o Presidente não conseguem aprovar as leis de dotação orçamentária (appropriations bills) antes do prazo de 30 de setembro, início do ano fiscal americano.
Diferentemente do Brasil, que tem uma Lei Orçamentária Anual única, os EUA dividem o financiamento governamental em cerca de 12 leis separadas.
A Lei Antideficiência (Antideficiency Act), de 1884, é o que força efetivamente a paralisação. Esta lei federal proíbe as agências governamentais de gastar dinheiro sem dotação aprovada pelo Congresso e proíbe funcionários de aceitar trabalho voluntário, exceto em emergências. Violar essa lei pode resultar em sanções administrativas e até criminais.
Durante um shutdown, centenas de milhares de funcionários considerados “não essenciais” são colocados em licença não remunerada (furlough). Serviços como parques nacionais, museus e processamento de passaportes são suspensos. Apenas atividades essenciais – segurança nacional, controle de tráfego aéreo, emergências de saúde – continuam funcionando, muitas vezes com funcionários trabalhando sem garantia de quando serão pagos.
Os shutdowns americanos são frequentes devido ao governo dividido (quando Presidente e Congresso são de partidos diferentes), crescente polarização política e uso da ameaça de paralisação como tática de negociação. O país já passou por diversas paralisações, algumas durando semanas, com impactos significativos na economia e nos serviços públicos.
Como funcionaria um shutdown no Brasil
No Brasil, o sistema funciona de forma diferente dos Estados Unidos.
O país possui a Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece normas rígidas para as finanças públicas visando o controle de gastos e endividamento. Quando há falta de recursos ou impossibilidade de cumprir as metas fiscais, o governo brasileiro não tem uma paralisação total imediata como nos EUA.
Em caso de crise fiscal grave, o que pode ocorrer no Brasil é um contingenciamento drástico de despesas, onde serviços públicos não essenciais são suspensos ou drasticamente reduzidos.
Funcionários públicos podem ter salários atrasados, contratos governamentais podem ser interrompidos, e programas sociais podem sofrer cortes. A diferença é que isso aconteceria gradualmente, através de medidas administrativas de contenção de gastos, e não por uma obrigação legal de paralisação imediata como ocorre nos EUA com a Lei Antideficiência.
O Brasil possui ainda mecanismos como a execução orçamentária em duodécimos – usar uma fração do orçamento do ano anterior quando a Lei Orçamentária Anual não é aprovada a tempo – para evitar uma paralisação total. Porém, em uma situação de crise fiscal extrema, esses mecanismos podem não ser suficientes para manter o funcionamento pleno da máquina pública.
A situação atual
Segundo Haddad, a rejeição da medida do IOF exigiria cortes adicionais de R$ 30 bilhões em despesas – sendo R$ 10 bilhões de bloqueio e R$ 20 bilhões de contingenciamento – além da necessidade de R$ 20 bilhões em receitas adicionais para cumprir as metas fiscais.
“Nesse momento, não há alternativa para o IOF”, declarou Haddad, após receber sugestões da Federação Brasileira de Bancos (Febraban).
O ministro explicou que outras propostas apresentem “problemas constitucionais” para garantir receita imediata.
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Preocupação no Congresso
Durante a reunião, tanto Alcolumbre quanto Motta manifestaram “preocupação muito grande” com a possibilidade de a medida ser derrubada pelo Congresso, onde já foram protocolados mais de 20 projetos para sustar o decreto do Executivo.
Os presidentes das Casas destacaram ainda a importância de o governo apresentar alternativas fiscais estruturais de médio e longo prazos.
“Recebi deles um pedido para que nós apresentássemos para as casas medidas de médio e longo prazo mais estruturantes, que mexesse com outros aspectos do Orçamento, gasto primário, gasto tributário”, explicou Haddad, informando que haverá uma nova reunião após a próxima semana.
O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), reforçou que o governo não está debatendo a revogação do decreto, mas alertou: “a revogação do decreto tem uma consequência clara, shutdown, colapso paralisação da máquina pública”.
Uma nova reunião entre o governo e os presidentes das Casas está marcada para depois da próxima semana, quando deverão ser apresentadas as medidas estruturais de médio e longo prazo solicitadas pelo Congresso.