Em palestra no evento Avenue Connection, Marcos Troyjo, ex-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (banco do BRICs), abriu seu discurso sobre Estados Unidos e globalização com uma provocação: o mundo deixou de ser plano. O livro de Thomas Friedman, “O Mundo é Plano”, publicado há 25 anos, foi, segundo ele, o “manifesto da globalização profunda”. Para os investidores, especialmente os brasileiros, isso reforça uma verdade urgente: diversificação global de investimentos deixou de ser luxo e se tornou necessidade estratégica.
Uma bola de vôlei pode ser desenhada na Alemanha, montada na China e vendida por um escritório de publicidade brasileiro — o famoso “Made in the World”. Mas essa era ficou para trás.
Hoje, vivemos um mundo em que “a geopolítica foi para o coração do palco”. Eventos como a guerra na Ucrânia, o conflito entre Israel e Hamas, a pandemia de Covid-19 e a tensão entre EUA e China sinalizam que saímos da era do livre comércio e entramos em uma era de “recessão geopolítica”. E ela, segundo Troyjo, divide-se entre eventos micro e macrogeopolíticos.
Os micro, de impacto rápido, acompanham ciclos eleitorais. Os macro, por sua vez, são estruturais e se desenrolam ao longo de 20 a 25 anos. Entre os macroeventos em curso, Troyjo destacou a mudança demográfica global: “em 2050, a população mundial terá saltado de 8 para 10 bilhões de pessoas — com apenas 9 países concentrando todo esse crescimento”. A Ásia e a África dominarão esse novo ciclo.
O Efeito U7: o Brasil vai sentar nessa cadeira?
Com humor e precisão, Troyjo apresentou um novo conceito dele: o U7. Trata-se dos países que inevitavelmente ocuparão os espaços centrais da economia global nas próximas décadas: Estados Unidos, China, Índia — e, talvez, Brasil, Indonésia e outros emergentes.
Mas o “talvez” pesa. “Será que o Brasil estará entre os U7? É um ponto de interrogação”, afirmou. Ele alerta que os países do E7 (emergentes como Brasil, Indonésia, México, Rússia) já contribuem mais para o crescimento global que os tradicionais G7. No entanto, essa relevância precisa ser acompanhada por reformas internas. O Brasil, segundo ele, ainda se comporta como “uma nave espacial descolada do planeta Terra”.
A diversificação global de investimentos surge aqui como uma consequência lógica para investidores atentos. Diante do deslocamento do poder econômico, concentrar ativos apenas no Brasil é ignorar essa mudança estrutural.
Trumpulência: um neologismo
Ao abordar a presidência de Donald Trump, Troyjo cunhou o termo: Trumpulência — a mistura de turbulência, opulência e incoerência. Ele descreveu o governo Trump como um avião em zona de tempestade. Tarifa sobre tarifas, brigas com aliados e um estilo mercurial criaram instabilidade nos mercados globais.
Ao mesmo tempo, os EUA vivem um momento de exuberância econômica. “A renda per capita nos Estados Unidos é o dobro da Zona do Euro”, afirmou. O estado mais pobre do país, o Mississippi, hoje tem uma renda maior do que a da França, Reino Unido, Itália e Japão. As big techs norte-americanas — como Apple, Nvidia e Microsoft — têm valor de mercado superior ao da bolsa de Frankfurt. E, pasmem: os EUA importam uma França por ano.
Esse contraste entre força econômica e instabilidade política gera incertezas para os parceiros comerciais. Troyjo reforçou que o Brasil vende apenas 1,1% de tudo o que os EUA importam. “Perdemos oportunidades”, lamentou.
Incoerência comercial e a nova fábrica do mundo
Troyjo foi incisivo ao criticar a incoerência da política industrial americana. Medidas protecionistas, ao mesmo tempo em que tentam proteger a indústria doméstica, ferem multinacionais americanas que operam fora do país. O caso da Nike foi citado como exemplo. Cadeias produtivas globais, antes otimizadas, agora correm o risco de serem desmontadas por pressões políticas.
Enquanto isso, há um fenômeno silencioso: a desindustrialização da China. O custo da mão de obra subiu, e empresas já migraram para países como Índia, Malásia e México. “A Índia pode voltar a ser a fábrica de brinquedos do mundo”, disse ele.
Nesse cenário, a diversificação global de investimentos se torna mais do que prudente — ela se torna estratégica. Investir em regiões e setores variados ajuda a diluir o risco e captar oportunidades surgidas do redesenho da cadeia produtiva mundial.
O dólar ainda vai mandar por muito tempo
No debate final, Troyjo desmontou a ideia de que o dólar vai perder sua hegemonia. “Desde 1871 os EUA são a maior economia do mundo. O dólar reina porque não há alternativa viável”, explicou. O Renminbi? Ainda muito atrelado ao sistema criado pelos próprios EUA. O euro? Enfraquecido pelas divisões políticas internas da União Europeia. Criptomoedas? “Muito difícil”, disse ele, dada a falta de controle por bancos centrais.
Mesmo os BRICS não têm fôlego para uma moeda comum, sobretudo devido à rivalidade entre China e Índia. O dólar, portanto, continua a ser a espinha dorsal do sistema financeiro internacional — e deve permanecer assim por bastante tempo.
Diversificar não é opção, é imperativo
Ao encerrar, Troyjo foi direto ao investidor brasileiro: “Diversificação é o nome do jogo”. Ele criticou a visão de que o Brasil é uma ilha isolada do mundo. Em um cenário de volatilidade geopolítica e incertezas econômicas, manter os investimentos restritos ao território nacional é um risco desnecessário.
Daniel Haddad, que mediou a conversa, reforçou a mensagem: o investidor não controla o que o governo faz, mas controla como monta sua carteira. E é aí que a diversificação global de investimentos se mostra essencial: distribuir ativos por geografias e classes diferentes é o único caminho realista para quem deseja proteger e expandir patrimônio no cenário atual.
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