No dia 12 de janeiro de 2023, o então CEO da Americanas (AMER3), Sérgio Rial, surpreendeu o mercado ao revelar que a companhia tinha um rombo de R$ 20 bilhões em suas contas. Após divulgar a “bomba”, ele pediu renúncia do cargo. O BTG Pactual (BPAC11) classificou o episódio como “a maior fraude corporativa de que se tem notícia na história do país”.
Diante disso, muitos comparam a situação da Americanas com o caso Enron dos Estados Unidos. Você sabe o que foi o caso Enron? Se não conhece, continue neste artigo para conhecer a maior fraude corporativa da história americana.
Caso Enron: breve história da empresa
Em 1985, Kennedy Lay, também conhecido como Ken Lay, fundou a Enron a partir da fusão da Houston Natural Gas Company e InterNorth Incorporated. A operação permitiu que a nova empresa montasse um gasoduto interestadual.
Durante os anos de 1990, com a desregulamentação do gás natural nos Estados Unidos, o setor sofreu algumas mudanças para a realização da comercialização da commodity. Este movimento provocou a implementação de novos sistemas de mercado para a contratação de gás. Com isso, compradores e vendedores decidiam as formas de compra e venda no mercado à vista e com preços futuros.
Com este ambiente, a Enron decidiu diversificar as suas operações ao abrir uma subsidiária da área de seguros para produtos extraídos da natureza.
Em 1990, a Enron contratou Jeffrey Skilling, cujo trabalho como consultor da McKinsey & Company impressionou Lay, para chefiar a corporação.
A partir de 1992, a SEC (Securities and Exchange Commission), espécie da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dos Estados Unidos, autorizou a Enron a utilizar a Mark to Market Accounting, em português contabilidade com marcação a mercado.
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Essa técnica permite que os ativos sejam reajustados recorrentemente com base nas flutuações de mercado. Assim, de acordo com esse método contábil, todo o valor estimado de um contrato de venda pode ser reconhecido como receita no dia que o negócio foi concluído. Em outras palavras, com a marcação a mercado na contabilidade, a Enron incluía no seu balanço valores futuros que ela receberia em 20 ou 30 anos sem ter nem recebido esse dinheiro ainda.
Antes da chegada de Skilling, a empresa usava a contabilidade de uso histórico, que é utilizado pela maioria das empresas do ramo.
O método de marcação a mercado contábil não é uma prática errada, inclusive diversas empresas a utilizam em seu dia a dia, mas a forma como a Enron utilizou gerou uma série de informações divergentes e distorcidas.
Outra prática questionável pela Enron, desenvolvida pelo CFO Andy Fastow, foi a elaboração da Special Purpose Entities (Sociedade de Propósito Específico). Por meio da criação das SPEs, espécies de subsidiárias, a Enron conseguia captar empréstimos de bancos, contrair dívidas gigantescas e se alavancar financeiramente, mas sem que isso aparecesse no seu balanço.
Com isso, os analistas observaram que a companhia apresentava um crescimento constante, mas sem a presença de dívidas. Isso indicaria que a empresa estava com uma excelente saúde financeira.
Caso Enron e a maquiagem contábil: como foi possível?
Basicamente, as empresas eram avaliadas pelo método da equivalência patrimonial. Então, a Enron só precisava mostrar as SPEs que cumpriam os requisitos para a consolidação, sendo que um deles era que a Enron tivesse mais de 51% do controle da empresa. Contudo, grande parte das SPEs tinha menos de 50% de participação da empresa de gás natural. Logo, não era preciso apresentar os números nos balanços da Enron.
No documentário “Enron – Os Mais Espertos da Sala”, Fastow relatou que a empresa até poderia ter pego os empréstimos de forma direta, mas este seria um problema, pois ele seria apresentado como dívida no balanço patrimonial da Enron. Além disso, o pagamento de juros associados a essa dívida também seriam evidenciados na Demonstração de Resultado e Demonstração de Fluxo de Fundos.
“A Enron queria que o que fosse economicamente significativo parecesse de outra forma, assim poderia ter uma melhor classificação de crédito”, afirmou o ex-CFO da Enron.
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O fim da Enron
Durante o seu auge, a Enron alcançou a marca de US$ 68 bilhões, sendo a sétima maior empresa dos Estados Unidos, com uma ação cotada a US$ 90,75. Mas o império desmoronou em 2001.
A crise da bolha das “pontocom” no final de década de 1990 e início de 2000 fez com que o mercado olhasse com mais detalhes os números da Enron, que pareciam muito inflados na época.
O “início do fim” começou quando a revista “Fortune” divulgou um artigo chamando a atenção dos preços exorbitantes da Enron. Na sequência, o CEO Kenneth Lay se aposentou, deixando o cargo para Jeffrey Skilling. Seis meses depois, Skilling pediu para sair e Lay voltou ao controle da companhia.
Com todo mundo de olho na empresa, os analistas começaram a rebaixar a classificação das ações da Enron. Com isso, elas caíram em 52 semanas seguidas até chegar no preço de US$ 39,95.
Até que no dia 16 de outubro, a empresa apresentou o seu primeiro prejuízo trimestral e teve que fechar a SPE “Raptor”. Este fato chamou a atenção da SEC, que passou a investigar a Enron.
Após isso, as ações da Enron derreteram e chegaram ao patamar dos US$ 0,26, o que culminou com o decreto de falência.
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Qual é a semelhança do caso Enron com a Americanas?
Se a Enron usou a técnica da marcação a mercado, na contabilidade, a Americanas utilizou a prática forfait, também conhecida como risco sacado. Essa operação é realizada em conjunto entre as grandes empresas e os seus fornecedores para adiar ou parcelar o pagamento de produtos vendidos em grandes quantidades.
Após o faturamento dos produtos, com o prazo de vencimento prolongado, o fornecedor recebe o pagamento via instituição financeira e a empresa tem a dívida vinculada com o banco e não mais com o fornecedor. Esse prazo pode ser prorrogado por até 360 dias, como é o caso de algumas das operações feitas pela Americanas.
No balanço, a dívida deve ser lançada no campo das dívidas com instituições financeiras. Mas, ao que tudo indica, a varejista as lançou no campo de dívidas com fornecedores. No entanto, ainda há dúvidas sobre como os lançamentos foram realmente realizados.
Assim como a marcação a mercado contábil, o risco sacado é uma operação comum no mercado. Por exemplo, a Via Varejo (VIIA3), que controla as marcas Casas Bahia, Ponto Frio e Extra, a utiliza. Mas, em seus lançamentos, a empresa sinaliza o risco sacado com a rubrica “Fornecedores convênio”, deixando claro que é um montante separado da dívida direta com os fornecedores.
Além disso, a empresa aponta, por meio de notas explicativas, que o prazo médio dessas operações é de 90 dias, e que elas são afetadas por juros de cerca de 19% ao ano.
Qual é o problema do risco sacado?
Ao optar por fazer empréstimos e lançar o valor em conta de instituições financeiras e não de fornecedores, a empresa tende a ter um lucro bruto maior em seus balanços. Ao omitir a informação sobre as dívidas bancárias, a empresa impossibilita a percepção real da alavancagem de curto e longo prazo da empresa, fatores importantes para a avaliação das casas de análises e sugerem as recomendações de compra, neutralidade e venda das ações das empresas.
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