Com os juros ainda elevados no Brasil e a migração de investidores para a renda fixa, cresce o questionamento sobre se vale a pena investir em crédito privado. A dúvida ganhou força com a compressão dos spreads — a remuneração extra oferecida por empresas privadas em relação aos títulos públicos.
Para o analista de renda fixa da EQI Research, João Neves, a resposta não é única e exige cautela. “Hoje, em muitos casos, o investidor não está sendo adequadamente remunerado pelo risco que corre”, afirma.
Crédito privado: vale investir com spreads tão apertados?
Nos últimos dois anos, o mercado de renda fixa se tornou o destino preferido de muitos investidores. A taxa básica de juros em patamares elevados, próxima de 15% ao ano, atraiu um fluxo intenso de capital.
Isso gerou uma alta demanda por ativos privados, o que, segundo Neves, contribuiu para a redução nos spreads.
“Com a competição maior, os prêmios diminuíram. Muitos ativos hoje pagam pouco a mais em relação ao Tesouro Direto, mesmo com o risco de crédito envolvido”, explica.
O analista destaca que o crédito privado carrega um risco estrutural: o de inadimplência por parte das empresas. Diferente do governo, que pode se refinanciar ou até emitir moeda para honrar seus compromissos em reais, empresas privadas não contam com esse recurso.
“Esse é o risco de crédito: a chance de não receber o valor combinado no vencimento. Por isso, é fundamental que o investidor exija um prêmio para correr esse risco”, pontua.
High grade e high yield exigem análises distintas
Neves recomenda distinguir entre dois perfis de títulos: os high grade, emitidos por empresas mais sólidas e com menor risco, e os high yield, mais arriscados, porém com potencial de retorno superior.
“Nos títulos de menor risco, mesmo com spreads mais baixos, o investidor pode ter mais tranquilidade. Já nos papéis mais arriscados, é preciso avaliar caso a caso. Nem sempre o ganho compensa o risco”, ressalta.
Ainda assim, o analista não descarta oportunidades. “Temos casos dentro da EQI em que acreditamos que, mesmo com algum risco adicional, vale a pena o investimento. Mas o momento exige diligência. É preciso olhar com muito cuidado para não transformar a renda fixa em uma dor de cabeça”, alerta.
Atenção à relação risco-retorno
O principal recado de João Neves ao investidor é claro: avalie com atenção a relação entre o risco e o retorno. “O quanto você está recebendo a mais em relação ao título público não pode ser ignorado. Se não for suficiente para cobrir o risco de crédito, o investimento não faz sentido.”
Em resumo, vale a pena investir em crédito privado, mas somente após uma análise criteriosa do emissor, do setor e do cenário econômico. A renda fixa oferece segurança, mas, como lembra Neves, “isso só vale quando o risco está sendo bem remunerado”.