Os Estados Unidos lavaram a roupa suja em público em 2024. Pela primeira vez em décadas, conflitos que antes ficavam restritos aos bastidores de Washington ganharam forma, nome e direção estratégica clara de reindustrialização.
De um lado, o lobby corporativo, historicamente favorável à China, interessado no acesso ao gigantesco mercado consumidor chinês e na manutenção das cadeias globais de produção. Do outro, um lobby cada vez mais forte ligado à soberania nacional, representado por grupos como o Committee on the Present Danger, que há cerca de 15 anos aponta a China como a principal ameaça estratégica americana.
O resultado desse embate foi uma mudança de postura inédita. Um presidente mais transacional, disposto a governar por tarifas, pressionar empresas estratégicas e até interferir no funcionamento do Federal Reserve. Um movimento que, independentemente de juízos políticos, carrega um recado econômico claro: o custo de manter o império ficou alto demais.
Esse diagnóstico não surgiu do nada. Ao longo do ano, mensagens foram sendo expostas de forma quase pedagógica. Primeiro, reportagens no Politico apontando que os Estados Unidos estudam recuar para as Américas. Depois, sinais vindos do Pentágono. Por fim, em novembro, um documento oficial da Casa Branca deixou explícita a nova diretriz: reindustrializar o país e reequilibrar as contas externas.
O problema é o “como”.
Não existe reindustrialização possível com um dólar excessivamente forte. E os próprios Estados Unidos sabem disso. O dólar segue extremamente valorizado frente ao yuan e ao iene, justamente as moedas das duas engrenagens centrais da economia global: a China, como fábrica do mundo, e o Japão, como grande investidor internacional.
Reindustrializar exige mudar essa equação. Exige um dólar mais fraco, uma China consumindo mais internamente e exportando menos seu superávit via dumping. Exige, no limite, aceitar um processo de desvalorização cambial que os EUA sempre evitaram admitir publicamente.
Agora admitem.
Isso vem sendo sinalizado há meses. Não é surpresa. Quem acompanha essa análise sabe que a valorização do yuan não é um acidente, mas parte de um interesse estratégico americano. A relação dólar-yuan é hoje a variável mais importante do cenário global. E ela já começou a se mover.
Esse movimento tem efeitos diretos sobre o Brasil. Em um mundo de dólar mais fraco e commodities valorizadas, o Brasil aparece como um dos destinos naturais de fluxo de capital. Não por acaso, a bolsa brasileira sobe sem sustos para quem vem acompanhando esse processo ao longo do ano.
Há também um ponto pouco discutido: o custo da própria reindustrialização americana. Os Estados Unidos expandiram sua dívida de forma agressiva, passando de 23 para 38 trilhões de dólares, sem entregar infraestrutura proporcional. Gastaram bilhões em projetos ineficientes, como as usinas nucleares de Vogtle, enquanto mantêm um mercado acionário cada vez mais concentrado em poucas empresas de tecnologia.
É claro que o país ainda abriga gigantes como Nvidia e Google, empresas sem paralelo global. Mas um S&P 500 não pode depender de cinco ou dez ações para sustentar todo o mercado.
Chegamos, então, à pergunta central: reindustrializar a qualquer custo?
A resposta parece ser não. Os Estados Unidos não têm força para reindustrializar mantendo um dólar forte. O ajuste virá, gostem ou não, pelo câmbio. E tudo indica que esse processo já começou.
O dólar tende a ficar mais fraco. Acredite.





