Os investidores brasileiros estão cada vez menos acreditando no day trade (compra e venda de ativos no mesmo dia) e cada vez mais adotando uma estratégia de investimento de longo prazo, com foco em dividendo.
Quem afirma é a Anbima, Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais, que realizou um estudo de campo bastante interessante em busca de entender o que, afinal, o brasileiro vem fazendo com o seu dinheiro.
Entre outubro de 2022 e janeiro de 2023, uma equipe rodou o Brasil a bordo do batizado “busão da Anbima”, passando por mais de 40 cidades, incluindo tanto capitais quanto municípios menores, totalizando dez mil quilômetros rodados. Ao longo do trajeto, foi feita uma pesquisa espontânea com 700 pessoas que poupam e investem, escolhidas aleatoriamente, entre diversas faixas de renda.
Uma séria de conclusões foi tirada dessa pesquisa e uma delas é esta: o brasileiro está falando mais sobre dividendos.

O relatório da Anbima aponta que, depois de uma euforia gerada com a bolsa de valores, especialmente durante a pandemia, muitos que adotaram a estratégia do day trade perderam dinheiro e despertaram para uma clareza: investimento precisa ser algo sustentável.
Nesse cenário, a atratividade da renda passiva tem se revelado um motivador interessante para os investimentos.
“Percebemos que os investidores já começam a se conscientizar de que a melhor forma de lidar com a oscilação dos ativos é tê-los em uma estratégia de longo prazo. Essa descoberta muda todo o conceito popular que se tem sobre a renda variável, porque saem de lado a impulsividade, a urgência e a instantaneidade, abrindo espaço para a constância a partir do pinga-pinga de proventos e da repartição dos lucros”, aponta a Anbima.
“Em nosso estudo, também pudemos notar o quanto essa lógica parece estar mexendo com investidores mais ‘experientes’, mostrando-se mais adequada para uma construção de capital sustentável. Mesmo quem anteriormente se envolvia pela ideia de conseguir um salto repentino pelo day trade, hoje prefere lidar com os investimentos com foco nos dividendos”, complementa o relatório.
Além das ações, os Fundos Imobiliários (FIIs) também ganham espaço dentre os ativos preferidos, já que a grande maioria distribui dividendos mensalmente.
Um dos entrevistados na pesquisa da Anbima, Carlos Eduardo, se dedica à administração do próprio dinheiro e de uma herança familiar. Ele contou que, durante a pandemia, se empolgou com o preço baixo das ações e chegou a pegar dinheiro emprestado para comprar ações na baixa. Só que ele não esperava que a retomada seria tão demorada. Resolveu fazer day trade para recuperar as perdas e o teve, na verdade, foi mais prejuízo. Agora, diz focar apenas no longo prazo.
Outro entrevistado, o motorista de aplicativo Luan, aprendeu na internet sobre day trade e, em uma semana, fez mais dinheiro nas investidas na bolsa do que com as entregas. Decidiu, então, focar 100% do tempo nas ações. Mas em pouco tempo perdeu tudo o que havia acumulado em anos de trabalho. Quando se deu conta, parou com o day trade e partiu para os Fundos Imobiliários, mas revela que também mantém uma reserva na renda fixa.
Dividendo x Day Trade: busca por investimento sustentável
Termo que ficou bastante conhecido durante a pandemia, o day trade é uma estratégia de investimento que envolve a compra e venda de ativos financeiros, como ações, moedas, commodities ou derivativos, dentro do mesmo dia de negociação. Ou seja, o investidor realiza operações de compra e venda no mercado financeiro no curto prazo, buscando lucrar com as variações de preço que ocorrem ao longo de um único dia.
Essa estratégia requer atenção constante, análise técnica e agilidade na tomada de decisões, já que as operações são abertas e encerradas no mesmo dia, muitas vezes em questão de minutos ou até segundos. Day traders geralmente buscam pequenos movimentos de preço, aproveitando as flutuações intraday para obter lucro.
Porém, operar no curto prazo significa lidar com alta volatilidade e movimentos de preço imprevisíveis. Isso pode levar a perdas substanciais, especialmente se a estratégia não for bem-sucedida.
O day trade também exige tomadas de decisões rápidas e constantes, o que pode ser muito estressante. A pressão para executar operações bem-sucedidas em um curto espaço de tempo pode afetar a saúde mental e emocional do investidor. Fora que a rapidez das operações aumenta muito o risco de erro humano.
Além disso, os day traders costumam se concentrar em um único ativo, o que vai contra a recomendação máxima no mundo dos investimentos que é diversificar para mitigar riscos – como diz a máxima “não se deve colocar todos os ovos na mesma cesta”.
Para Luís Moran, head da EQI Research, a decepção dos investidores, especialmente daqueles que iniciaram no mundo financeiro com day trade, é algo natural.
“Certamente as pessoas tiveram uma decepção com day trade. Porque ele foi vendido como uma coisa fácil, o que não é. A evidência é que, se for possível ganhar dinheiro com day trade, isso é muito, muito difícil. Tem muita gente boa e séria que afirma que não se ganha dinheiro dessa forma. E mesmo se considerarmos que a estratégia dá certo, ela exige um esforço e uma dedicação que a maioria das pessoas não tem condição de ter”, avalia Luís Moran, head da EQI Research.

A opinião é similar à de Eduardo Mira, mais conhecido como Professor Mira, educador financeiro e analista. Para ele, o fato de o day trade não estar tão em voga atualmente não indica que a atividade morreu, mas sim que está havendo uma conscientização maior dos investidores brasileiros sobre o que é investir em bolsa.
“Eu não vejo o fim do day trade. Porque day trade para mim é profissão. Você precisa de várias horas por dia, de dedicação exclusiva, e precisa entender que vai ter uma curva de aprendizado que leva muito tempo”, explica.
“No day trade, você tem que acertar e acertar é muito difícil. As pesquisas mostram isso, que a maioria das pessoas perde dinheiro e não sobrevive por mais de um ano na atividade”, complementa.
Dividendo como estratégia
Já a estratégia de investimento com foco em dividendos é uma abordagem na qual os investidores compram ações de empresas ou fundos que têm um histórico de distribuição regular de dividendos.
Os dividendos são pagamentos em dinheiro feitos pelas empresas aos seus acionistas, como uma parcela dos lucros. Essa estratégia é popular entre investidores que buscam renda passiva estável ao longo do tempo, aproveitando os dividendos como uma fonte de fluxo de caixa.
“Os dividendos são uma espécie de reforço positivo para a pessoa investir, o que eu acho muito interessante, porque a pessoa consegue visualizar a geração de renda. E isso anima a poupar mais e fazer mais aportes”, avalia Luís Moran.
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Os investidores estão migrando do day trade para dividendos?
Sobre a possível migração do day trade para dividendos, o professor Mira diz que enxerga, na verdade, uma compreensão maior do mercado por parte dos investidores.
“Acho que quem é do day trade não vai ter nem paciência para esperar dividendo. O que eu vejo é um interesse maior e natural da maioria dos investidores em estratégias de longo prazo. E isso porque o investimento em bolsa tem se popularizado, muito graças ao trabalho dos influenciadores, que falam sempre, da forma mais simples e acessível possível, sobre isso”, avalia.
“O pessoal do day trade é uma parcela realmente pequena do universo de investidores da bolsa. O caminho natural da grande maioria é comprar e segurar a ação por um tempo, recebendo dividendos. O que é muito bom, a meu ver, porque é saudável a pessoa entender que está comprando a participação de uma empresa ou a cota de um fundo, que você agora é sócio e faz jus a receber participação nos lucros”, afirma.
“O dividendo é confortável, porque você recebe a recompensa por ter comprado a ação ou a cota”, complementa.

Cuidado com a estratégia de dividendo
Luís Moran pontua que antes de adotar a estratégia de dividendos e investir, é fundamental fazer uma análise criteriosa da empresa ou fundo em questão, avaliando a saúde financeira e as perspectivas de crescimento.
“Do ponto de vista prático, o ativo pagar ou não dividendo não faz muita diferença. Porque se a empresa optar por não pagar dividendo, mas reinvestir corretamente o dinheiro na empresa, isso vai representar crescimento, o que também é interessante. O importante mesmo é a empresa gerar valor e continuar crescendo”, explica.
Moran alerta que, apesar do apelo positivo que representa, a estratégia de dividendos não pode ser o único foco do investimento.
A escolha do ativo, reforça, tem que ser sempre por boas empresas e bons fundos. “Tem que haver sustentabilidade do negócio e dos dividendos. Olhar só para o passado da empresa ou do fundo, para o quanto pagou até aqui, não é garantia de sucesso”, ressalta.
O que ainda falta ao investidor brasileiro?
Para Moran, o investidor brasileiro está em amadurecimento, mas ainda falta educação financeira ampla e mais informação de qualidade, inclusive para se fugir de modismos e preconceitos.
“Ainda vemos muita gente desconfiada, com muitos preconceitos com os investimentos e que, por isso, acabam ficando restritas às opções que já conhecem. É preciso que o investidor primeiro entenda qual é seu objetivo e saiba que para cada objetivo vai sempre existir um veículo adequado. É aquela máxima de que ‘quando só se conhece martelo, tudo é prego’. E não precisa ser assim”, diz.
Ele complementa apontando que o investidor não pode pular algumas etapas relevantes, como a formação da reserva de emergência e o planejamento da aposentadoria. E que precisa ter clareza sobre quais os seus objetivos, quais os sonhos a serem alcançados através do investimento. “Não é preciso se aventurar sozinho e descobrir sozinho qual veículo de investimento é o melhor para cada objetivo. Você pode contar com profissionais capacitados para isso”, recomenda.