O Banco do Japão (BoJ) elevou nesta sexta-feira (19) sua taxa básica de juros de 0,5% para 0,75%, levando o custo do dinheiro ao maior nível em três décadas. A decisão, unânime, reforça a avaliação da autoridade monetária de que a economia japonesa caminha para uma normalização mais duradoura, sustentada por inflação próxima de 2% e aumentos salariais consistentes.
Além da alta em si, o comunicado chamou atenção por retirar referências a uma possível estagnação do crescimento e da inflação, cenário que havia sido citado anteriormente em função das tarifas impostas pelos Estados Unidos. A mudança de tom sinaliza maior convicção do banco central de que o Japão pode avançar na retirada dos estímulos monetários adotados ao longo de décadas.
Um movimento esperado, com reação contida dos mercados
A elevação dos juros não surpreendeu os investidores. O mercado já trabalhava com essa possibilidade, o que ajudou a limitar reações mais bruscas nos ativos globais. No Japão, a Bolsa subiu após a decisão, enquanto o iene chegou a se desvalorizar frente ao dólar ao longo do dia.
“Não foi um movimento surpreendente. O mercado já comentava essa possibilidade há bastante tempo, e os impactos, até aqui, foram marginais, nada fora do esperado”, afirma Marink Martins, analista internacional da EQI Research.
Apesar do aumento, os juros japoneses seguem baixos em termos reais. A inflação no país gira em torno de 3%, o que mantém a política monetária ainda estimulativa quando comparada aos padrões internacionais.
Repressão financeira e a busca por ativos de risco
Segundo analistas, esse ambiente prolongado de juros reais negativos moldou o comportamento do investidor japonês nos últimos anos, incentivando uma migração gradual para ativos de risco, especialmente ações.
“O Japão vive há bastante tempo um processo de repressão financeira. Com juros reais negativos, o investidor busca proteção no mercado acionário — e isso já vem acontecendo”, diz Martins.
Esse movimento ajuda a explicar a trajetória consistente de alta do índice Nikkei e o bom desempenho de carteiras japonesas dolarizadas. Paralelamente, os rendimentos dos títulos públicos japoneses também avançaram, com o papel de 10 anos se aproximando de 2% e o de 30 anos ao redor de 3,4%.
Japão, China e o canal das commodities
Para o Brasil, o impacto do movimento japonês tende a ocorrer de forma indireta, sobretudo por meio do mercado de câmbio e das commodities. Analistas acompanham de perto a relação entre dólar, iene e yuan, moedas que apresentam correlação relevante no cenário asiático.
“A variável mais importante deste semestre é o dólar contra o yuan. Quando o iene começa a se valorizar, isso também contribui para a valorização do yuan — que já vem se fortalecendo”, afirma Martins.
Com a China sendo o maior comprador global de commodities, uma moeda chinesa mais forte tende a favorecer os preços desses produtos, que são negociados em dólar. Nesse contexto, países exportadores, como o Brasil, podem se beneficiar em termos de fluxo e preços, mesmo diante de um aperto monetário gradual no Japão.
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O que observar daqui para frente
O consenso entre analistas é que a alta desta sexta-feira, isoladamente, não altera de forma significativa o cenário para mercados emergentes. O foco está nos próximos passos do Banco do Japão e na persistência da inflação local.
“Se houver necessidade de novas altas de juros e a inflação continuar pressionada, pode surgir um movimento mais forte de repatriação de recursos”, diz Martins, ao se referir ao investidor japonês que tradicionalmente aplica no exterior pasted.
Historicamente, episódios desse tipo costumam gerar reprecificações globais, com impacto sobre ações, moedas e fluxos de capital. Por ora, no entanto, a leitura predominante é de que o mercado já absorveu a decisão do BoJ — e que seus efeitos sobre o Brasil permanecem mais no campo da observação do que da ação imediata.






