Suspeitas sobre lastro do Tether, maior stablecoin do mercado são reacesas, enquanto mercado tenta se recuperar dos efeitos da quebra da FTX.
Entenda como isso pode afetar seus criptoativos.
O mercado de cripto historicamente sofreu muito para ter acesso aos serviços financeiros tradicionais: em todas as partes do mundo, durante bastante tempo, era comum corretoras não conseguirem sequer abrir contas em banco ou tê-las encerradas abruptamente por “falta de interesse comercial”.
Prática anticoncorrencial ou não, fato é que essa falta de acesso à infraestrutura do mercado financeiro tradicional prejudicava – e muito – o desenvolvimento do mercado cripto.
Afinal, sem uma conta bancária, como uma exchange poderia operar depósitos e saques dos clientes que desejavam transacionar criptos em seus ambientes de negociação? Ou como limitar esses serviços ao horário de expediente bancário se em cripto tudo funciona 24/7?
A grande solução para esse problema surgiu em 2016, com a criação do Tether (USDT).
Apesar de ter demorado para o Tether ser criado, seu conceito é bem simples: uma entidade recebe dólares e, em troca, entrega tokens (USDT) que possuem paridade de 1:1 para o depositário, que passa então a deter uma espécie de dólar tokenizado, o qual chamamos de stablecoin.
Essa criação permitiu resolver as duas grandes dores do mercado: ao aceitar USDT, as corretoras passavam a não depender mais dos bancos comerciais, além de poderem processar as transações desses tokens também 24/7. Em suma: todo mundo saia ganhando.
A questão toda é que existe um grande risco de contraparte nesse processo: por haver uma entidade central que emite os tokens com paridade 1:1, é fundamental que de alguma forma ela garanta que de fato possui 100% do ativo que lastreia o USDT.
Em outras palavras: é necessário que se possua um valor em dólares no mínimo igual ao total de tokens emitidos.
A comprovação disso pode parecer tarefa simples, porém, na prática, “a teoria é outra”.
Ocorre que a entidade que gerencia o Tether desde 2016 já fez incontáveis promessas de que publicaria um laudo de auditoria que atestasse que possui 100% das reservas.
E, ainda que essa seja uma tarefa tão simplória quanto checar se o saldo no banco bate com o total de USDT emitidos, até hoje esse laudo sequer foi divulgado.
Em função disso, existem várias suspeitas do motivo pelo qual o mercado jamais teve acesso a um laudo do Tether. A principal delas é óbvia: não existe 100% do lastro.
E isso poderia gerar consequências drásticas para o mercado inteiro, que poderia ver sua principal stablecoin perder paridade com o dólar e, por consequência, incontáveis liquidações de posições em DeFi poderiam afetar inúmeras altcoins.
Por conta disso, outras stablecoins concorrentes foram sendo criadas ao longo do tempo. As principais, USDC e BUSD buscam resolver esse problema da confiança do lastro publicando relatórios de auditoria assinados, de forma recorrente. Mesmo assim, hoje o Tether ainda é a maior stablecoin de dólar do mercado, com cerca de 40% de market share.
Nada disso que estou contando é novo e esse risco do Tether é algo com que estamos acostumados a viver no criptomercado.
Contudo, nessa semana chamou atenção uma postagem feita pela Coinbase sugerindo fortemente a todos seus clientes a troca de USDT por USDC, zerando as taxas cobradas para tanto.
E, como sempre se deve desconfiar de um “almoço grátis”, todas as dúvidas sobre o real lastro do Tether voltaram a ser reacesas.
Existem duas possibilidades aqui, e ambas podem impactar nossos investimentos em altcoins.
A primeira é que a Coinbase, por ser do mesmo grupo econômico da Circle, responsável pela emissão do USDC, simplesmente esteja tentando aumentar sua fatia no mercado de stablecoins.
E, dada a crise pela qual a empresa vem passando, uma campanha para aumentar os depósitos de dólar e emissão de USDC podem gerar uma receita adicional para a companhia, que ganha dinheiro operando essa grana depositada, a que chamamos de “float”.
Se for apenas isso, é de se esperar mais alocações em pares USDC em soluções de DeFi e, por consequência, uma redução na liquidez de pools de liquidez que operem com USDT. Mas, pelo menos num primeiro momento, nada muito drástico que consiga alterar substancialmente o valor das altcoins.
A segunda hipótese, contudo, é a que causa medo: de a Coinbase ter obtido alguma informação nova sobre o lastro do Tether (ou a falta dele) e ter começado essa campanha para proteger seus usuários. E, se for esse o caso, podemos certamente contar com novas quedas no mercado de altcoins.
Conversei recentemente com um dos representantes do Tether sobre isso. Na oportunidade, me foi informado (extraoficialmente) que a empresa que gerencia o token está absolutamente tranquila com relação ao lastro: ela teria inclusive muito mais do que 100% dos dólares correspondentes. E o motivo da ausência de uma auditoria seria justamente a difícil justificativa do quanto a empresa já teria lucrado operando esse float.
A solução dessa controvérsia ainda não tem data para ocorrer. Até que isso ocorra, sugiro alocar eventuais saldos de stablecoins em iniciativas já auditadas (USDC ou BUSD), evitar o Tether e continuar com baixos percentuais de alocação em altcoins.
Esse ruído todo pode gerar uma grande instabilidade no mercado e, por isso, ainda não é a hora de aumentar a exposição nos criptoativos da nossa carteira.
Por Helena Margarido, criptoanalista da Monett
Gostou do texto sobre Tether? Assista aqui ao vídeo em que o assunto é explorado na íntegra pela Helena Margarido (use o cupom PORTALEQI).





