20 Mai 2021 às 17:00 · Última atualização: 20 Mai 2021 · 10 min leitura
20 Mai 2021 às 17:00 · 10 min leitura
Última atualização: 20 Mai 2021
A caderneta de poupança é, atualmente, o investimento desaconselhado por 10 em cada 10 especialistas do mercado financeiro.
Mesmo assim, a aplicação segue como a favorita da população brasileira, de acordo com pesquisa recente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
Segundo o estudo, 90% dos brasileiros afirmaram conhecer a caderneta de poupança e 88% deles disseram que ainda guardam dinheiro nela.
“Facilidade”, “comodidade” e “costume” foram as principais justificativas dadas pelos participantes da pesquisa da Anbima para continuarem aplicando suas reservas na tradicional poupança.
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A Ricam, empresa de consultoria do economista Ricardo Amorim, considerado pela Forbes um dos maiores influenciadores do ramo no País, também realizou uma pesquisa sobre os investimentos dos brasileiros.
De acordo com o estudo, feito em parceria com o Instituto Ilumeo, dois em cada três brasileiros que conhecem a poupança aplicam nela, mesmo tendo ciência de opções mais vantajosas.
Professor de Finanças do Insper, Ricardo Rocha, deu sua explicação para o fenômeno. “A poupança é uma aplicação simples, com baixo custo de entrada, sem incidência de impostos e com influência familiar, por isso é tão popular entre os brasileiros”, ponderou.
Na visão de Rocha, o medo de “perder dinheiro” em aplicações que têm por exemplo, incidência do Imposto de Renda, acabam dando uma sensação ainda maior de segurança à velha poupança.
“Falta base para entender os principais termos e mecanismos de aplicação, como compreensão sobre o que é taxa de juros e os riscos envolvidos em qualquer investimento. A sociedade precisa ser educada financeiramente”, alertou.
Além dos dados divulgados pela Anbima, o próprio Banco Central também comprovou, em seu último relatório, a “predileção” do brasileiro pela poupança.
Os depósitos em Cadernetas de Poupança no mês de abril aumentaram e, segundo o Banco Central, superaram os saques pela primeira vez no ano.
O BC informou que os depósitos fecharam o período em um total de R$ 267 bilhões, enquanto as retiradas da aplicação somaram R$ 263,2 bilhões.
Com isso, o saldo da Caderneta de Poupança, que havia fechado no vermelho em janeiro, fevereiro e março, terminou abril em R$ 3,84 bilhões.
A pandemia de coronavírus acabou beneficiando diretamente os números positivos da poupança em 2020.
O relatório do Banco Central mostrou que, durante os nove primeiros meses de 2020, um novo recorde foi estabelecido.
O total de recursos que ingressou na poupança em todo o País durante esse período somou R$ 137,211 bilhões.
A aplicação começou o ano em baixa, com os brasileiros retirando R$ 15,93 bilhões a mais do que depositando em suas contas entre os meses de janeiro e fevereiro.
A chegada da Covid-19 em março, no entanto, mudou o cenário e os depósitos passaram a superar os saques.
Apesar da recuperação gradual da bolsa de valores nos últimos meses, o início da pandemia “afugentou” os investidores mais tradicionais. Esses voltaram a procurar a poupança, meio mais conservador de aplicar dinheiro.
Boa parte dessa reviravolta está ligada diretamente ao pagamento do auxílio emergencial do governo aos trabalhadores informais e desempregados.
Desde abril, quando o benefício começou a ser disponibilizado, a aplicação tem batido recordes de captação. Até porque parte dos pagamentos é feito diretamente em uma conta poupança.
A “paixão” do brasileiro pela caderneta nasceu há mais de um século, mais precisamente em 12 de janeiro de 1861.
Por meio do decreto número 2.723, o imperador Dom Pedro II instituiu a criação da Caixa Econômica Federal e também da aplicação, com o intuito de “receber as pequenas economias das classes menos abastadas”.
A poupança “nasceu” com a remuneração anual de 6% aos poupadores, além da determinação de devolver qualquer quantia aplicada ao titular da conta “sempre que o mesmo solicitasse, sob a garantia do Governo Imperial”.
Em dezembro de 1915, a regra do rendimento foi alterada pela primeira vez. Por meio do decreto número 11.820, ficou definido que “o valor dos juros da poupança seria determinado única e exclusivamente pelo Governo”.
A partir desta data, sistematicamente, outros decretos passaram a regular as taxas de juros da aplicação e a alterar o cálculo dos rendimentos era realizado.
Em 1934, foi determinado, por meio do decreto 24.427, que a remuneração seria fixada pelos Conselhos Administrativos das Caixas Econômicas. Mas não poderiam, em nenhuma hipótese, superar os 6% ao ano.
Três décadas mais tarde, surgiu a correção monetária, como forma de proteger as aplicações da caderneta da inflação da época.
Em 1980, época em que a inflação atingiu recordes assustadores no País, a correção monetária passou a ter incidência diária na poupança. Criram-se os “aniversários”, forma de proteger as aplicações dos aumentos dos produtos.
A principal “crise” enfrentada pelos investidores na poupança, no entanto, foi em 1990.
Em março daquele ano, o então presidente Fernando Collor de Mello, recém-eleito, ordenou o confisco de 80% dos depósitos de contas poupança que tivessem saldo superior a 50 mil cruzados novos.
O bloqueio durou aproximadamente 1 ano e meio. Após a liberação das contas, a desvalorização da moeda fez com que os saldos fossem insuficientes para compensar o tempo parado.
Os rendimentos da poupança sofreram sua maior alteração em 2012. Nesta data, foi definido que os depósitos realizados antes de maio continuariam recebendo remuneração de 0,5% ao mês mais a TR (taxa referencial).
Os depósitos realizados após esta data, no entanto, já se enquadrariam na “nova” poupança.
Esta modalidade passou a receber remuneração variável, de acordo com a meta da taxa Selic – hoje em 2% ao ano.
O ápice da poupança, antes do recorde histórico estabelecido no último mês de setembro, datava de dezembro de 2014.
Na época, o saldo total da aplicação alcançou R$ 882 bilhões, em valores descontados de inflação.
A recessão iniciada quase na sequência, no entanto, aumentou o desemprego no País. E, consequentemente, levou muitas famílias a consumirem as reservas acumuladas.
A partir de 2017, com a recuperação gradual da economia, os investimentos passaram a retornar. E mantiveram a poupança como a principal forma da população brasileira “guardar dinheiro”.
A aplicação equivale, em média, a 9,7% do PIB do Brasil, mas, atualmente, atinge quase 14% deste valor, segundo o Banco Central.
O fenômeno mundial da redução da taxa de juros não passou incólume pelo Brasil, e afetou diretamente o rendimento de quem escolheu a poupança como forma de guardar dinheiro mensalmente.
A taxa média de juros no Brasil entre 1999 e 2012 foi de 15,8% ao ano, chegando a 14,25% no fim de 2016. Depois, caiu bruscamente para 4,25% a.a. no encerramento de 2019, antes da pandemia do coronavírus.
A crise causada pela doença alterou ainda mais o cenário e, após seguidas reduções, o Copom estabeleceu a taxa de juros em 2% ao ano no fim de agosto. Isso impactou de forma “cruel” o rendimento da caderneta de poupança e de outras aplicações de renda fixa.
De acordo com Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), essa nova realidade “veio para ficar”.
Para o especialista, apesar do cenário atual indicar que a poupança segue como a preferida do brasileiro para guardar dinheiro, poderá haver uma mudança nesse comportamento muito em breve.
“Vamos passar, no Brasil, pelo o que já aconteceu em países da Europa e também nos Estados Unidos, lugares em que as taxas de juros eram altas”, afirmou à reportagem da EuQueroInvestir.
“As pessoas costumavam aplicar em renda fixa, pois havia investimentos altos e garantidos. Só que as taxas de juros foram caindo e inverteram a situação. Hoje, a maioria dos americanos e europeus opta pela Bolsa, e acho que podemos ter esse cenário no Brasil”, completou.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Federal Reserve (Fed, Banco Central do País) determinou, em sua última reunião, que as taxas de juros se mantivessem perto de zero.
A autoridade monetária sinalizou também que o cenário seguirá inalterado “até que a inflação esteja a caminho de superar moderadamente a meta de 2% do Fed por algum tempo”.
O rendimento de aplicações similares à nossa poupança nos EUA é de aproximadamente 0,03% ao ano.
No Brasil, de acordo com o Banco Central, nos últimos 12 meses a aplicação rendeu 2,67%. No mesmo período, o IPCA-15, que serve como prévia da inflação oficial, bateu 2,65%.
De acordo com uma tabela publicada no Debit, empresa de soluções de cálculos trabalhistas e correção monetária, o rendimento mensal da caderneta de poupança era bem diferente na década de 1990.
O cenário de altos índices de remuneração mensais teve início em novembro de 1991, quando pulou de 20,36% para 31,17%.
O fenômeno se agravou pouco antes da implementação do Plano Real no Brasil, em 1994.
Na ocasião, a remuneração mensal ficou perto dos 50%, o que daria um retorno anual próximo dos 600%.
A sequência pode ser observada nos meses entre janeiro e junho naquele ano, com todos superando a casa dos 40%, como mostra o quadro abaixo.
A situação passou a se normalizar a partir de julho de 1994, com o controle da inflação e os ajustes feitos pela equipe econômica na política monetária.
A última determinação do Banco Central, baseada na Lei número 12.703, datada de 7 de agosto de 2012, estabeleceu os padrões para a remuneração da poupança até os dias de hoje.
De acordo com ela, a remuneração dos depósitos pode acontecer de duas formas:
* Para taxa Selic acima de 8,50% ao ano, a aplicação rende rende 6,20% ao ano + TR;
* Para taxa Selic abaixo de 8,50% ao ano, como é o caso atual, a poupança rende 70% da Selic + TR (hoje em zero).
O Banco Central estabeleceu ainda que a data de aniversário da conta de depósito de poupança é o dia do mês de sua abertura, com algumas exceções.
Segundo a autarquia, considera-se a data de aniversário das contas abertas nos dias 29, 30 e 31 como o dia 1° do mês seguinte.
Desde a última atualização da Selic pelo Copom, em agosto, a caderneta de poupança está rendendo 0,1159% ao mês – aproximadamente 1,4% ao ano.
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*Por Paulo Amaral